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Quanto mais absurdo, melhor

Enfrentamento entre político e morador, em diálogo que parece mais dois monólogos, serve para discutir a realidade levada às raias do absurdo (Foto: Gustavo Burla/ Divulgação)
Enfrentamento entre político e morador, em diálogo que parece mais dois monólogos, serve para discutir a realidade levada às raias do absurdo (Foto: Gustavo Burla/ Divulgação)
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A situação não é incomum, pelo menos no Brasil: um prédio residencial que tem seus apartamentos vendidos ainda na planta, com a promessa de conclusão dentro de poucos anos, não fica pronto, e seus futuros moradores ficam sem ter o que fazer – talvez abrir um processo contra a construtora – e onde morar. Ou talvez não: por que não se mudar para o apartamento assim que chegar a data prevista para a entrega das chaves? O prédio ainda está em construção? Mero detalhe, o importante é tomar posse do seu espaço. É o que faz o personagem C (Paulo Moraes), que se sente à vontade em seu novo lar, no 15º andar do edifício inacabado. Porém, quando estuda filosofia em sua cama, aparece do nada o político T (Mário Galvanni), que invade o apartamento e quer tirar dali o seu único morador. Esta é a premissa do espetáculo “A Linha 2”, que o projeto artístico Hupokhondria estreia nesta sexta-feira, às 20h31, no Espaço Compartilha, no Granbery.

Com texto e direção de Gustavo Burla, a peça é concebida como Teatro do Absurdo, que trata de situações reais extrapolando todos os limites do ridículo, do kafkaniano e do nonsense, mostrando assim as mazelas e incongruências de uma sociedade – o que não é tão difícil no caso do Brasil – que tem como banais questões que deveriam ser vistas como… absurdas. “Muitas das questões apresentadas na peça refletem a atualidade, como a política”, aponta Gustavo. “É um diálogo entre duas pessoas, mas que na verdade parecem dois monólogos – como vemos no Facebook, em que todo mundo fala sozinho, dá sua opinião e não quer ouvir a posição alheia.”

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De acordo com Gustavo Burla, “A Linha 2” é fruto de uma série de situações, tanto pessoais quanto histórias de outras pessoas, que foram alinhavadas a partir de duas inspirações. Uma delas foi o livro “O desentendimento”, de Jacques Rancière, que trata de filosofia política. “Ele trabalha com dois conceitos fundamentais, política e polícia, que estavam na minha cabeça. E que se juntaram a uma performance de um imitador do Michael Jackson que vimos na Linha 2 do metrô de Paris. Foi questão de juntar essas histórias, o livro e conceber a história por meio do Teatro do Absurdo, que mostra o aqui e agora de forma tão explícita que as pessoas riem por não acreditar que aquilo é possível.”

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Todos esses questionamentos desencadearam na história de C, que se muda para o apartamento localizado em um prédio que está com as obras por concluir e paradas. “Ele se muda no prazo em que a construtora dizia no contrato que estaria pronto, mesmo sabendo que não está. Ele morava em um imóvel alugado, não tinha para onde ir. O político invade o quarto dele e vem com todo aquele discurso pronto, tentando convencê-lo a sair dali, e o cidadão tenta desarmar esse discurso, não se deixar levar pelos interesses da politicagem”, explica.

Quem lê os jornais, ouve rádio, assiste TV ou se conecta à internet sabe que situações como a vivida por C (o desejo da casa própria postergado ou destruído por interesses politiqueiros) não são novidade, assim como tantos absurdos que se tornam corriqueiros e são tratados no limiar da normalidade. Como fazer o Absurdo a partir de situações absurdas? “A situação é tão absurda que o surreal se torna lugar comum, anestesia as pessoas. O teatro tem o poder – assim como outras expressões artísticas – de mostrar para as pessoas o que está acontecendo, seja pelo drama, comédia ou o Teatro do Absurdo, por mais absurda que a realidade seja”, argumenta. “Do jeito que as coisas estão, tudo pode virar tema para uma peça.”

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Arte multiplicativa

“A Linha 2” é o segundo espetáculo teatral (o primeiro é “Alguma coisa você tem”, de 2014) do Hupokhondria, que Gustavo Burla destaca não ser um grupo de teatro, e sim um projeto narrativo iniciado por ele e Táscia Souza em 2008 com o blog www.hupokhondria.com – e que conta, ainda, com um canal no YouTube e outros projetos. A dupla ainda promove um grupo de estudos de formatos narrativos e realiza – além das peças – projetos audiovisuais, que assim como a dramaturgia conta com artistas e técnicos convidados.

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“Nós lançamos três curtas metragens em 2016: ‘Agnus Dei’, ‘Arco de balões’ e ‘Falta justificada’, que participou do Festival Primeiro Plano. Também publicamos dois livros digitais, ‘Edifício Oriente’, escrito por mim, e ‘Rios negros’, da Táscia, que podem ser adquiridos na Amazon”, diz Burla. Para o restante de 2017, Táscia e Gustavo devem lançar o livro “99 receitas”, com 99 contos extraídos do blog e que tem o apoio da Lei Murilo Mendes. “Também vamos estrear outra peça, ‘Educandário São Bernardo’, no segundo semestre, além de projetos audiovisuais que ainda vamos definir mais para frente.”

A Linha 2
De sexta-feira a domingo, às 20h31, no Espaço Compartilha (Rua Barão de Santa Helena 229 – Granbery). Até 2 de abril

 

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