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Intelectuais do país entrevistam Edimilson de Almeida Pereira

Edimilson Felipe Couri 22 07 2017 capa
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Em que momento você descobriu a poesia? Era criança, foi com alguém ou alguma leitura? Escrever seus próprios versos veio na sequência? Foi logo ou demorou?

Josélia Aguiar
Jornalista e mestre em História pela Universidade de São Paulo (USP), trabalhou na Folha de S. Paulo e foi curadora da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) nas edições de 2017 e 2018. É autora de “Jorge Amado: Uma biografia”, vencedor do Jabuti de melhor biografia em 2019. É diretora da Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo.

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Edimilson de Almeida Pereira: Tive a sorte de vivenciar essa descoberta antes de aprender a escrever. Nasci no antigo Bairro Benjamin Meggiolaro habitado na década de 1960 por pessoas oriundas do meio rural. Nesse lugar, situado entre cidade e campo, conheci os ritmos dos pregões, dos cantos sagrados, das conversas nos portões e dos sons do rádio que atravessavam as janelas. O trato com a palavra nesse ambiente transcendia o seu valor pragmático e revelava, muitas vezes, um jogo de imagens e sentidos inesperados, que nos apontavam uma outra ordem de realidade. O ingresso na escola me apresentou, no segundo ano, a poesia de Cecília Meireles e depois o universo da poesia escrita. Devo às minhas professoras do ensino fundamental o estímulo para ler e escrever. Escrevo desde cedo – por causa delas – como um ato que me exige aplicação, ética, humildade e também contentamento.

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“Devo às minhas professoras do ensino fundamental o estímulo para ler e escrever. Escrevo desde cedo – por causa delas – como um ato que me exige aplicação, ética, humildade e também contentamento”
Edimilson de Almeida Pereira

De que maneira a escrita para as crianças dialoga poética e filosoficamente com sua criação?

Roger Mello
Ilustrador e autor de livros infantis, recebeu da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil os prêmios Malba Tahan, Luís Jardim, Ofélia Fontes, Melhor Ilustração e 15 prêmios Altamente Recomendável, o que o tornou hors-concours para as premiações da instituição. Em 2014, ganhou o Prêmio Hans Christian Andersen, o mais importante prêmio infantojuvenil do mundo. Dentre seus títulos estão “Inês”, “Meninos do mangue” e “A flor do lado de lá”.

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Edimilson de Almeida Pereira: A relação entre experimentação estética e consciência crítica da história, numa perspectiva poética, e a percepção da escrita como um processo de reflexão sobre o sujeito e o mundo, numa perspectiva filosófica, são princípios que norteiam minha escrita. A distinção entre a escrita para crianças e adultos é um recurso didático, que funciona como um roteiro de leitura. Porém, em sua gênese, o modo como escrevo busca um ser humano que, ciente de suas fraturas, se guia pela vontade de viver com justiça e liberdade, numa sociedade concreta, no tempo presente.

Sua poesia parece mover-se entre dois polos apenas aparentemente opostos: a produção de pensamento e a resistência ao sentido. Recentemente, esses polos se manifestaram explicitamente na forma privilegiada do enigma, mais notadamente em seu livro ‘”E”. Além disso, seus poemas parecem torcer o legado de múltiplas tradições, originadas em diferentes temporalidades e culturas (coisa notada pelo crítico Gustavo Silveira, principalmente em seu livro “Qvasi”. A poesia pra você é uma espécie de distorção do pensamento e da história?

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Rafael Zacca
Poeta, crítico e oficineiro, Rafael é doutor em Filosofia pela PUC-Rio, professor do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Museu de Arte do Rio (MAR). É autor de “Mega Mao” (Editora Caju) e “A estreita artéria das coisas” (Editora Garupa) e colabora com o site Escamandro.

Edimilson de Almeida Pereira: Eu não diria que se trata de uma distorção do pensamento e da história, mas de um esforço para apreendê-los a partir de perspectivas pouco consideradas em nossas relações concretas. Isso implica em entender o pensamento e a história também como formas narrativas, que podemos articular segundo pontos de vista que não estão no centro da esfera pública ou das grandes corporações midiáticas. O desafio consiste em reconhecer nesses pontos de vista as muitas maneiras de ser que nos tornam humanos. Por isso, penso a experiência poética como um exercício de desdobramento, através do qual o Eu se dispersa para aprender com o Outro o significado das múltiplas tradições culturais. Em função disso, “a resistência ao sentido” em minha poética se refere àquela noção de sentido que exclui a pluralidade, ao mesmo tempo em que aposta numa percepção de “sentido” como abertura e respeito à diversidade que justifica nossa permanência no tempo histórico.

Sua poesia e seu trabalho crítico-teórico têm uma forte relação com a complexidade histórica do Brasil, lida de maneira relevantemente paradoxal. Em busca de um posicionamento inclusivo, de uma justiça por vir, há uma ética da escrita, uma política da poesia, uma resistência pela poesia. Poderia falar um pouco sobre isso?

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Alberto Pucheu
Poeta, ensaísta, professor de Teoria Literária da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é autor do livro de ensaios “Pelo colorido, para além do cinzento; a literatura e seus entornos interventivos”, que recebeu o Prêmio Mário de Andrade de Ensaio Literário, da Fundação Biblioteca Nacional. Considerado um dos principais pesquisadores da produção atual, publicou, dentre dezenas de outros títulos, “Que poesia é essa – poesia?”, em 2018, e os poemas “Para que poetas em tempos de terrorismo?”, de 2017.

Edimilson de Almeida Pereira: Há muito não separo minha “relação com a complexidade histórica do Brasil” de “uma ética da escrita”. Para mim, o fato de vivermos numa sociedade marcada pela violência e pela desigualdade amplia a responsabilidade de quem faz da escrita, e da poesia em particular, um dos seus modos de interação com o mundo. Por isso, escrever com pertinência para denunciar os horrores da sociedade é uma contrapartida do escrever com pertinência para realçar o que há de digno e justo nessa mesma sociedade. Os lugares que geramos na escrita não são os lugares da realidade; eles adquirem uma certa autonomia por se organizarem como forma de linguagem. Porém, nunca é demais lembrar, a linguagem se concretiza no âmbito da realidade e sofre os tremores que a abalam sistematicamente. É no choque entre a autonomia da linguagem e o seu vínculo com a realidade histórica que se detém a minha consciência crítica. Confrontado com um Brasil real, costurado sobre ruínas (de corpos destruídos pelo Estado e de sonhos adiados pela assimetria das classes sociais), creio que uma defesa da poesia implica na articulação de uma linguagem solar, que ilumina os meandros das ruínas e, ao mesmo tempo, soma-se aos esforços das pessoas que não se conformam com o ideário de uma sociedade regida pela lógica da destruição. Nesse sentido, a ética da escrita se ampara em relações de solidariedade, que tornam a voz do poeta – reconhecida em sua especificidade – um grão entre outras vozes, muitas vozes, enfim, interessadas na defesa da vida.

“Para mim, o fato de vivermos numa sociedade marcada pela violência e pela desigualdade amplia a responsabilidade de quem faz da escrita, e da poesia em particular, um dos seus modos de interação com o mundo. Por isso, escrever com pertinência para denunciar os horrores da sociedade é uma contrapartida do escrever com pertinência para realçar o que há de digno e justo nessa mesma sociedade”

Em que medida a herança da “literatura negra ocidental” repercute em sua poesia?

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Eduardo de Assis Duarte
Doutor em Teoria da Literatura e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP) e professor aposentado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mantém-se colaborando com a instituição no Programa de Pós-graduação em Letras, coordenando o grupo de pesquisa “Afrodescendências na Literatura Brasileira” e o “Literafro”, portal da Literatura Afro-brasileira, com bibliografias, críticas e excertos de mais de 100 autores. É autor de mais de 20 títulos, dentre eles “Literatura Afro-brasileira: 100 autores do século XVIII ao XXI” (Editora Pallas)

Edimilson de Almeida Pereira: Sob essa expressão se desdobra um universo estético, histórico, político, econômico e social muito complexo. Escrever sem levá-lo em conta é, para mim, algo inviável. Como negar a herança atroz do tráfico de pessoas negras escravizadas? Mas, também, como não reconhecer a influência civilizatória das culturas negras no ocidente? À medida que conhecemos esse viés literário, suas vozes, seus temas, percebemos o quanto da riqueza de uma sociedade depende de sua capacidade de conviver com outras sociedades. Autores como Conceição Evaristo, Toni Morrison, Ana Paula Tavares, Aimé Césaire, Derek Walcott e Édouard Glissant, apenas para citar alguns nomes, desenham um movimento literário cujos elementos transnacionais remetem a uma compreensão do humano segundo o ponto de vista de quem foi e ainda é sistematicamente desumanizado. Na medida de minhas possibilidades, procuro me inserir nessa herança da “literatura negra ocidental”, tanto quanto em outras, com perspectivas estéticas e históricas desvinculadas da afrodiáspora.

Quando falamos de temas da diáspora, tendemos a focar no(s) tempo(s) passado(s) enquanto na sua poesia os múltiplos acenos são para o contemporâneo. Você parece ir ao passado para realocar o presente. Localizando-se em e entre Brasil, África, Europa e Américas, a sua poesia traz vozes e discursos de poetas e artistas de diferentes lugares e épocas que entram numa espécie de conversa com você e terminam por abalar qualquer noção de tradição poética, transbordando em um desafio com a poesia em si. Você acha possível e/ou necessário reinventar ou recuperar uma tradição que a própria diáspora em si guardaria/forjaria?

Milena Britto
Professora do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, possui pós-doutorado pela University Of California at Berkley, investigando relações de gênero, crítica literária, literatura de autoria feminina, literatura latina contemporânea e identidades latino-americanas. É autora de “Leituras possíveis nas frestas do cotidiano”.

Edimilson de Almeida Pereira: Segundo um princípio da filosofia Sankofa, devemos olhar o passado para compreendermos que suas perdas e ganhos são índices para mergulharmos no futuro. Esse é um aspecto importante das culturas africanas, que permeia as culturas afrodiaspóricas. Falamos pouco sobre esse aspecto. Queremos estar vivos no presente e no futuro, sem que isso implique numa diminuição do significado do passado. Em certa medida, minha escrita sonha e luta pelo agora. Há muitas autoras e autores, afrodiaspóricos ou não, que seguem por essa trilha. Dialogar com eles em textos teóricos e de criação evidencia a possibilidade de se configurar noções de tradição poética em movimento. Ou seja, o sentido de tradição se revela dinâmico e, na medida que movemos suas peças, o contemporâneo se organiza através dele. De modo objetivo, quando dialogo com Dylan Thomas e Léopold Sédar Senghor, poetas de territórios distintos, aprendo com eles a formulação do verso como uma galáxia de sentidos. A revelação de um sentido explode o outro, sucessivamente, criando uma atmosfera de contentamento e agonia, delicadeza e violência – traços, enfim, que nos revelam humanos mesmo quando parecemos distantes dessa condição. Em vista disso, a tradição da diáspora – relacionada ao exílio e à fragmentação – traz em si mesma o estímulo à reinvenção; ela é, por força das imposições histórico-sociais, um renascimento contínuo, uma recusa às políticas de morte que violam os direitos das populações menos favorecidas. Os fundamentos das culturas afrodiaspóricas, para além de sua face de crítica social, apontam para um acervo cultural dinâmico, que supera as fronteiras do países e se exprime em todos os campos do conhecimento.

“A tradição da diáspora – relacionada ao exílio e à fragmentação – traz em si mesma o estímulo à reinvenção; ela é, por força das imposições histórico-sociais, um renascimento contínuo, uma recusa às políticas de morte que violam os direitos das populações menos favorecidas. Os fundamentos das culturas afrodiaspóricas, para além de sua face de crítica social, apontam para um acervo cultural dinâmico, que supera as fronteiras do países e se exprime em todos os campos do conhecimento”
Edimilson de Almeida Pereira

É muito notável que você escreve livros que vão se retomando ao longo dos anos, formando verdadeiros grupos ou constelações temáticas e estéticas, em vez de simplesmente seguir em frente numa linha reta. Você poderia explicar um pouco como pensa essas continuidades?

Guilherme Gontijo Flores
Poeta, é doutor em Letras (Letras Clássicas) pela Universidade de São Paulo (USP), é professor de latim da Universidade Federal do Paraná. Tradutor de, entre outros, “A anatomia da melancolia”, de Robert Burton, com o qual venceu o prêmio Jabuti de 2014 na categoria tradução e, também, o APCA do mesmo ano. Em 2017 também voltou a ganhar o APCA com a tradução de “Fragmentos Completos”, de Safo. Este ano publicou seu primeiro romance, “História de Joia” (Editora Todavia).

Edimilson de Almeida Pereira: Essas continuidades são intencionais. Diante da impossibilidade de dizer tudo sobre os acontecimentos e as sensações, mas diante da necessidade de compreendê-los, persigo uma poética em que os elementos são deslocados de suas posições e reagrupados constantemente. Por isso, os temas enunciados numa obra são retomados, sob perspectivas diferentes, em outras. Esse procedimento exige o aprendizado do enraizamento e da mudança, a permanente autocrítica da obra e o desprendimento dos valores que forjam identidades fechadas e excludentes.

“Poesia +” é sua terceira antologia poética (considerando o “Corpo vivido” e a sua “Obra reunida”), que tenta, de certo modo, abarcar a produção dos últimos 30 anos. Além dos poemas inéditos, o que diferencia esse volume que sai agora dos outros anteriores? Fora isso, é também um livro que sai por uma grande editora, algo do qual você esteve afastado nos últimos anos (até o Qvasi, que saiu também pela 34). Pensando nas implicações políticas de sua poesia, qual a importância de estar em um circuito comercial no momento presente?

Otávio Campos
Doutorando em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é poeta e editor, fundador da Macondo Edições. Publicou os livros “Distância” (2013), “Os peixes são tristes nas fotografias” (2016), “Outros tipos de disparos” (2016) e “Ao jeito dos bichos caçados” (2017).

Edimilson de Almeida Pereira: A presente antologia apresenta várias diferenças em relação às anteriores. Além dos inéditos, o ponto relevante é o processo de montagem que a norteou. Os textos que tiveram motivações distintas, quando editados em livros individuais, foram aproximados, gerando um novo ambiente de significação. Poemas do início dos anos 1980, por exemplo, dialogam com outros, recentes, em sessões criadas especificamente para identificá-los. A antologia, por conta disso, é um livro novo, no qual a atenção ao valor estético da palavra se apresenta como uma condição para a sua desejada eficácia política. A destruição dessa relação tem sido usada, nos dias de hoje, como uma estratégia que embrutece as pessoas e inviabiliza a criação de pontes para o entendimento. Em “Poesia +” percebe-se a história em diálogo com a literatura. Espera-se que mediante esse traço, num circuito maior de leitores e leitoras, seja possível não perder de vista o fato de que somente em estado de liberdade, com responsabilidade em relação ao nossos pensamentos e ações, podemos nos considerar como sujeitos plenos.

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