De Montes Claros, A Outra Banda da Lua conta a história de seu lugar. O grupo nasceu em um ambiente cultural efervescente. Com o nascimento do primeiro álbum, que leva o nome da banda, em 2020, foram além-fronteira com uma psicodelia que flerta – muito – com as mineiridades, as baianidades e o rock rural. Naquela época, Marina Sena, hoje em carreira solo, era uma das integrantes e imprimia toda a verdade em uma voz que parecia contar, por si só, aquelas histórias. Sua saída aconteceu no início de 2020, cinco anos após o começo de tudo. O anúncio foi feito com o EP “Catapoeira”: ali já está o prenuncio de uma nova trajetória, brindando tudo o que foi e abrindo os caminhos para o que, agora, A Outra Banda da Lua é.
Com a despedida de uma figura central no grupo, o jeito foi também encontrar uma nova identidade que seguisse flertando com o começo e o que foi instaurado há tanto tempo. Fato é que A Outra Banda da Lua continua em sintonia. E, nessa redescoberta, um novo álbum está prestes a nascer, “Entre a terra e o sol”, que diz muito sobre recomeços, mas ainda levando Montes Claros a diante. Duas músicas já foram lançadas nesse tempo como single: “3 fitinhas” e “Sol na mulêra”.
Formado, atualmente, por Edssada, Mateus Sizilio, Matheus Bragança, André Oliva, Daniel Martins e Davi Ramos, eles chegam a Juiz de Fora neste sábado (16) para um show no Beco, apresentando tudo o que já foi feito e, claro, as novidades, em uma apresentação, como sempre, eletrizante. Priscilla Frade é quem faz a abertura, a partir das 21h30.
Leia a entrevista completa com integrantes d’A Outra Banda da Lua
Tribuna – O show de vocês é eletrizante. De onde vem isso e como fazem para transpor isso para os trabalhos de estúdio?
Matheus Bragança – Olha, acho que essa força eletrizante que a banda tem vem muito da formação de cada um como músico e como pessoa e a junção de todas essas referências que temos acaba potencializando isso, mas há quem diga que essa força vem do pequi (risos). Acredito que isso reflete também um pouco da cultura norte mineira, do sol na moleira, da força dos tambores dos congados, da mistura da música mineira com a baiana e isso naturalmente é representado no ao vivo. Creio que o grande desafio é fazê-lo presente nos trabalhos de estúdio, já que geralmente é um ambiente um pouco mais frio do que o dos shows. Mas acho que, com a experiência, a gente vem conseguindo aprimorar isso e deixar os trabalhos lançados com mais nuances e texturas, trazendo essa dinâmica que é tão presente na história d’A Outra Banda Da Lua.
A banda teve, de certa forma, que se repensar nos últimos anos. Isso, além da formação, reflete na produção, nas músicas e na forma como vocês pensam o que é A Outra Banda da Lua hoje?
Matheus Bragança – Sem dúvidas. O processo que vivemos de reconstruir o grupo foi um período de mergulho intenso dentro da nossa própria obra e de olhar para o presente e entender o que poderíamos ser a partir daquele momento. E isso trouxe uma grande diferença no processo criativo. A banda assumiu a direção da produção e da assinatura artística, imergimos dentro do estúdio com nossos próprios equipamentos, estudamos esse universo e deixamos a criatividade fluir. Acho que isso foi um fato novo que trouxe algumas reflexões de como nós queríamos soar, qual nicho do mercado queríamos atuar e entender esteticamente o lugar que iriamos ocupar.
Essa nova fase ficou marcada com o lançamento de “3 fitinhas” no último ano. Como foi reabrir os caminhos com o single? E o que vocês quiseram imprimir já nele?
Matheus Bragança – “3 fitinhas” é um grande xodó nosso, foi a primeira música que ensaiamos nessa nova fase. Acho que ela traz um pouco de tudo que queríamos imprimir nesse momento. Tem elementos novos como sintetizadores, profundidade diferente do que trazíamos esteticamente, timbres e texturas novas, várias vozes atuando dentro da música, isso tudo sem perder a força que é característica do grupo. De certa forma sintetizamos todos esses elementos em um formato mais “pop”, dialogando mais com o mercado que atuamos hoje. Então acho que ela representa bem o que é A Outra Banda Da Lua nesse momento.
“Sol na mulêra”, desse ano, tem várias coisas que são muito A Outra Banda da Lua, quase como um resgate do início, talvez. É, afinal, o retrato do que a banda é agora?
Matheus Bragança – Creio que sim, em partes (risos). Assim como “3 fitinhas”, “Sol na mulêra” imprime também todos esses elementos que citei anteriormente e ainda traz vários signos da nossa cultura, da realidade do Norte de Minas. Mas ao mesmo tempo o álbum que vem por aí tem muitas surpresas e experimentalismos que também é uma faceta nossa que buscamos trazer nas obras. Bebemos muito da fonte da música psicodélica e buscamos sempre explorar as infinitas possibilidades que temos dentro do estúdio.
Queria que já adiantassem o trabalho que têm feito em “Entre a terra e o sol” e como foi essa imersão para a gestão de uma nova fase. E como um “afastamento” das redes sociais influencia nisso?
Matheus Bragança – O afastamento temporário das redes sociais e dos palcos foi fundamental para esse processo. Imergimos por um período longo dentro do estúdio sem a pressa e a ansiedade de querer lançar logo e isso foi muito por importante, pois deu esse tempo para nos reconstruirmos, entender as possibilidades que tínhamos e amadurecer como grupo. Mas o que posso adiantar é que “Entre a terra e o sol” traz duas facetas, uma mais solar, dialogando um pouco mais com o mercado, e um lado mais noturno com experimentalismos. Está um trabalho bem conceitual e vem um audiovisual incrível que representa tudo isso muito bem. Acho que vocês vão gostar.
Como tem sido pra vocês essa quase “disputa” entre originalidade e experimentação – que vocês tanto imprimem – com essa nova realidade da busca desenfreada pela viralização e números de streaming?
Matheus Bragança – Creio que esse tem sido o grande desafio, manter a nossa autenticidade, mas dialogar com esse novo mercado, e olha… acho que essa é a pergunta de 1 milhão de dólares (riscos). Nesse mar de músicas que todos os dias são publicadas nos streamings, cada vez é mais difícil encontrar artistas autênticos que furam a bolha. Não é fácil, não tem uma receita de bolo, acho que cada caso é um caso e estamos tentando da nossa forma amadurecer essa questão, trazer um fonograma que represente bem a nossa inventividade e que dialogue com o mercado e as mídias.
Montes Claros influencia, e muito, na produção de vocês, né? Esse fato sempre foi da maior importância para vocês? Como é isso?
Mateus Sizilio – Muito interessante sua pergunta. Pertencemos a uma região única e singular. Montes Claros e o Norte de Minas têm uma influência profunda na identidade musical da nossa banda. As paisagens, as pessoas e a cultura local estão na base de muitos dos temas da nossa sonoridade. O Gerais, como um todo, com seus quilombos, povos originários, tradições, calor humano e resistência, se manifesta em nossas músicas de forma visceral. Esse lugar é quase uma metáfora para a busca por autenticidade, funcionando como um contraponto ao eixo da capital e às convenções do mainstream.
Eu já ouvi muito dizerem que, por vários motivos, o norte de Minas se diferencia de outras regiões do estado. Vocês acham que isso acontece na música também, de certa forma? E por que?
Mateus Sizilio – Sim, demais. O Norte de Minas tem uma musicalidade muito própria, que combina elementos de manifestações centenárias, como o batuque e o reisado, com a música popular brasileira e, mais recentemente, influências do rock e do movimento indie. Essa mistura cria uma sonoridade única, que se diferencia das demais regiões do estado. A cultura popular se funde com a busca por uma modernidade, resultando em um espaço criativo singular. A música do Norte de Minas carrega uma profundidade marcante, sempre permeada por uma proposta de resistência e poesia.
Por fim, queria que falassem o que prepararam para o show em Juiz de Fora e como tem sido rodar o Brasil nessa nova fase.
Mateus Sizilio – Para este show, preparamos um repertório que mescla algumas músicas antigas com outras dessa nova fase que estamos construindo. Esperamos um público enérgico e vibrante em Juiz de Fora. Já há algum tempo tínhamos o desejo de tocar na região e com certeza será um lindo encontro. Essa turnê é também um pré-lançamento do nosso terceiro álbum, portanto, além dos lugares que viemos passando, a expectativa é de que possamos apresentar essa nova fase por todo território nacional.