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Banca Vera: para se sentir em casa

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Sobre a banca, Paula resume: “É um pouco da minha história. Foi suadíssimo, mas tem sido um processo gostoso de vivenciar e de me reconhecer” (Foto: Felipe Couri)
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O número 101 da Rua Manuel Bernardino, no São Mateus, é uma vila que, se for ao fundo, dá na Rua São Mateus. Mas se for ao fundo mesmo, dá em uma série de universos que não dá, simplesmente, para passar sem se atentar a cada detalhe dessa vila, mesmo sem buscar encontrar. Uma vila que já é conhecida pelo Meiuca, um café entremeado de jardim, por um estúdio de tatuagem, por um atelier de restauração de imagens religiosas e por ser também uma passagem que diminui as distâncias de um lado para o outro. E, há pouco mais de um mês, por abrigar uma banca que é livraria e é o sonho de uma mãe que quer incentivar seu filho à leitura, assim como sua mãe fez, e permanece. A Banca Vera é mais um lugar nessa vila para parar e ficar.

Assim que entro na vila, pergunto onde é a Banca Vera, no que, prontamente, uma senhora responde: “É só seguir aí. Depois do Meiuca você dá de cara com a estrutura. Não tem erro”. E não tem mesmo. Passando as mesas do café, lá está a banca e, em sua frente, uma cadeira em que uma mulher está sentada. É Paula Colucci, a proprietária da banca. Ela se senta ali, cuida do espaço, ao mesmo tempo que passeia pelos livros e objetos que vende, que tira os matos do chão, que, aos fins de semana, cuida do seu filho, ali também. Confortável, está em casa. E faz com que todos se sintam em casa também. Afinal de contas, um livro e um café são os aconchegos de um lar, muitas vezes.

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Paula é mãe atípica. Imersa na maternidade, sentiu necessidade de se olhar mais, voltar a trabalhar, mas em alguma coisa que permitisse que ela conseguisse administrar seus horários de forma a adaptá-los à rotina de seu filho. E ela ficou pensando em como juntar tudo isso: filho e trabalho. Na sua área, a publicidade, seria difícil. Isso se manteve na sua cabeça. E, em São Paulo, conheceu a Banca Tatuí, na Vila Buarque. Amante de livros, logo se apaixonou tanto pelo formato, isso de se ter livro na rua, quanto pela oportunidade de conhecer editoras e escritores que é difícil se deparar simplesmente olhando a lista de livros disponíveis nos sites das grandes livrarias. E se apaixonou, também, pelos livros infantis, que diziam muito mais que coisas tão óbvias e que contavam histórias que precisavam ser contadas às crianças.

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“Por que não trazer isso para Juiz de Fora”, ela pensou. “Parece um pouco louco, porque é contra a corrente total. As livrarias estão fechando. Mas, ao mesmo tempo, as editoras pequenas não param de surgir”, ela mesma se questionou e encontrou a resposta: “Eu entendi como é justo trabalhar com editoras independentes, como é justo para todo mundo mostrar esses nomes e conhecer também”. O caminho foi, a partir disso, para viabilizar essa ideia: tinha que ser livraria e tinha que ser uma banca. E muito estudo para encontrar os melhores caminhos.

Com essa ideia na cabeça, ela foi selecionada em um edital no IF Sudeste, em que pode ficar seis meses fazendo um curso, voltado para mulheres empreendedoras, em que desenvolveu um plano de negócios. “E eu vi que a conta fecha”. Com isso, foi preciso, então, encontrar um lugar e uma estrutura para abrigar sua ideia. Ela queria na rua. Ficou um tempo tentando viabilizar isso, que não foi possível porque, atualmente, não se tem mais edital para a abertura de banca na rua.

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No último “não” que ouviu para essa vontade de nascer na rua, foi tomar um café no Meiuca. Viu uma kombi parada bem na entrada na vila. ” Brinquei que ia montar a banca no lugar dessa kombi, porque era isso mesmo que eu queria fazer”. Ela brincou com o dono da kombi, e, claro, ele não deixou que sua banca fosse montada onde ele estaciona. “E nisso eu fiquei pensando que poderia ser na vila, mas em outro lugar, então. Foi sugerido que eu montasse dentro de alguma das casas. Mas eu não queria, tinha que ser banca”. Por uns 15 dias, ela passeava na vila, ia todos os dias para encontrar o lugar ideal. “E já era aqui mesmo. Não via outro espaço que fosse combinar tanto com uma livraria assim. No meio do São Mateus, uma via que não tem barulho de carro. Parar e respirar aqui. E funcionou.” Lugar encontrado.

“As coisas acontecem a favor para tudo dar certo. Foi uma banquinha de canjiquinha que eu encontrei e trouxe. Era um trailer. Eu chamei um serralheiro para abrir a frente e colocar uma porta. Ele colocou e eu pensei que ainda não era uma banca. Ele sugeriu que a gente colocasse essa estrutura em cima, que depois eu pintei de verde. E, aí, sim, virou uma banca”. Foi cerca de um mês para isso acontecer estruturalmente. Além disso, tinha que ter, dentro, a marcenaria para os livros. E, dentre várias dificuldades, ela foi achando pessoas que abraçaram a ideia com ela. Na semana final, foi pensando nos detalhes: fez o lambe que estiliza a fachada. Foi ela quem, majoritariamente sozinha, fez a banca acontecer. “Foi pegar e fechar e bancar a banca. Eu pensei em milhões de coisas, vários caminhos, até chegar nisso aqui”. Já na última semana, ela pensou que teria, de qualquer jeito, no primeiro dia de setembro. “E era isso. Eu precisava começar a fazer virar.”

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As raízes

O nome também surgiu nesse tempo que antecedeu a abertura. “Foi no final de tudo, mas o final que é o começo”. Sua avó se chama Vera. “Eu fiquei muito nisso, pensando no nome e eu vi que estava pertinho, enraizado, eram as minhas raízes que estão na banca”. Raízes essas que foram sendo encontradas e reveladas a cada passo que foi dado. Foi só quando inaugurou, com seu pai e sua mãe no dia, que ela lembrou que eles tinham uma banca, em São Paulo, e uma das estantes, inclusive, está na sua casa. “E eu não tinha parado para entender o que real estava acontecendo. Foi emocionante demais. É que a história vem sem a gente pensar, a banca dos meus pais, minha mãe professora sempre me incentivando a ler, e a dona Vera, que no nome traz verdade e força”, ela se emociona, porque entende que tudo sempre esteve à sua frente. “Não precisava pensar tanto, ir tão longe. Estava tudo aqui perto, no São Mateus. Tudo aqui.”

Paula foi conhecendo cada editora que achava interessante de ter em sua banca livraria. “Foi fazendo isso no meio de um turbilhão de coisas”. Foi descobrindo até autores que são de Juiz de Fora e não conhecia. “A banca está me proporcionando conhecer muita gente e conhecer esse espaço que não é o meu de propriedade. Nunca trabalhei com isso, mas sou uma amante, sempre estive aqui por trás de todo esse trabalho. Isso está sendo incrível para mim. E é um recomeço por várias vias”. Na Banca Vera tem livros sobre vários assuntos, políticos e de humor, poesia e prosa, conto e zine, jornal literário, até cordel. Tem prints, brinquedos para as crianças e para os adultos. Quadro. “Um pouquinho de cada canto que eu tentei resgatar. Eu tentei trazer um pouquinho de cada coisa para cá.”

Inclusive, ela faz um chamado aos autores independentes de Juiz de Fora que queiram ter seu livro na banca: “Venham. É para vocês. É nosso. E é isso. Quero muito que todo mundo venha. Se chegar e conhecer vai ver que é bem mais maneiro pessoalmente, tem muito mais coisa do que eu consigo colocar no Instagram”, ri. O primeiro mês para ela foi de pura contemplação: ver que, realmente, deu certo. “Virou outubro, eu já estou pensando em outras coisas, fazer uns eventos. Mas o primeiro mês foi de contemplação por ter nascido. Abri. Agora, vamos manter. Estamos pensando também em formas de tentar resgatar a impressão, inclusive”. Ela comenta que, no final do mês, já pensa em um evento para juntar a vila toda, nesse processo de união. E, sobre a banca e essa experiência, resume: “É um pouco da minha história. Foi suadíssimo, mas tem sido um processo gostoso de vivenciar e de me reconhecer”.

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