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Rafinha traz polêmica e reflexão sobre humor

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Mesmo quem ignora o estilo corrosivo do ex-apresentador do "CQC" Rafinha Bastos não conseguiu ficar indiferente ao barulho provocado por uma polêmica declaração do humorista no programa do dia 19 de setembro. Depois de três semanas de desdobramentos e muita especulação, Bastos acabou pedindo demissão da Band, mas a repercussão dos fatos continua nas redes sociais e fóruns de discussão na internet. O debate gira em torno não só do comentário sobre a cantora Wanessa, que detonou toda a situação, como em relação à atitude da emissora, que afastou o humorista do programa depois de suposta ameaça de boicote de anunciantes, liderado pelo marido da artista, Marcos Buaiz. Na esteira dos acontecimentos, entraram em questão a existência, ou não, de limites éticos do humor, a queda de braço entre a emissora de TV e um fenômeno da mídia alternativa, além do eterno debate sobre a censura econômica que atua sobre os meios de comunicação.

A polêmica tomou conta das redes sociais ainda durante o programa, quando, em resposta a um comentário do apresentador Marcelo Tas sobre a gravidez de Wanessa, Bastos disse: "Eu comeria ela e o bebê". Em pouco tempo, o episódio conquistou espaço em portais de notícia, com reações públicas dos próprios colegas de "CQC", a começar por Marco Luque, que é amigo de Marcos Buaiz. Diante das proporções tomadas pelo assunto, a Band optou por afastar Bastos do programa. Na segunda semana de exclusão, entretanto, o humorista entregou sua carta de demissão à emissora.

Autocensura

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O professor da Faculdade de Comunicação da UFJF, Paulo Roberto Figueira Leal acredita que o episódio mereça atenção por demonstrar a prevalência de questões econômicas sobre outros aspectos. Nesse sentido, destaca que a emissora não manifestou desagrado em outros episódios polêmicos suscitados por outras "piadas" de Bastos. Em maio, movimentos feministas manifestaram repúdio ao humorista depois da seguinte declaração: "Toda mulher que eu vejo na rua reclamando que foi estuprada é feia. Tá reclamando do quê? Deveria dar graças a Deus".

"Bastou para que uma pessoa com influência sobre o mercado publicitário fosse atingida para que a atitude da emissora fosse diferente", pondera Paulo Roberto, refletindo sobre a ameaça de boicote de empresas. "Não podemos desconsiderar o poder dos anunciantes de promover um tipo de autocensura, que age tanto quanto outros meios oficiais de censura."

"Ele ultrapassou o limite sim, mas não foi a primeira vez. Nesse episódio, Rafinha Bastos não fez nada diferente do que já vinha fazendo há muito tempo", reforça o diretor do TQ, Gueminho Bernardes, que atribui a falta de limites do ex-apresentador do "CQC" à própria mídia. "A emissora, os fãs e a mídia, de uma maneira geral, transformaram a baixaria dele em um fenômeno", argumenta, dizendo que o episódio demonstra uma fragilidade do programa, que se mostrou incapaz de lidar com o constrangimento."O programa faz todo mundo de vidraça, mas, quando virou alvo, não conseguiu segurar a onda. Deveriam ter bancado", opina.

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Na visão do professor da Faculdade de Comunicação e diretor do Grupo Divulgação, José Luiz Ribeiro, as perdas do "CQC" não serão tão profundas. O dramaturgo acredita que o público, formado por muitos jovens, não deixará de prestigiar a atração da Band por conta da polêmica. "O ‘CQC’ não pode ser levado a sério, embora tenha feito algumas coisas sérias. O desgaste de linguagem se deu há muito tempo, quando as piadas foram ficando agressivas e repetitivas", avalia.

Politicamente incorreto

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Apesar de acreditar que Rafinha Bastos tenha realmente extrapolado, José Luiz Ribeiro defende que se trata de uma tendência do humor no país inteiro. Nesse sentido, o dramaturgo condena as tentativas do poder público de interferir diretamente nos roteiros de novelas e programas de TV. "Está havendo uma tentativa de tornar a TV politicamente correta. Estão levando tudo a ferro e fogo. Em um país em que não resta ética em outros setores, tentam atacar o humor", critica, referindo-se a outra atitude polêmica que ganhou repercussão nas últimas semanas. Em carta à "Rede Globo", a ministra Iriny Lopes, da Secretaria de Políticas para Mulheres, pediu que o autor mudasse uma cena de "Fina estampa", em que a personagem Celeste (Dira Paes) se recusa a denunciar o marido depois de ser agredida. Na mesma semana, a ministra declarou apoio ao movimento dos metroviários de São Paulo, que condenam o quadro "Valéria e Janete", do programa "Zorra total".

Gueminho Bernardes, por sua vez, acredita que Bastos seja representante de um tipo de humor que faz rir mais pelo incômodo que pelo engraçado. Com ampla experiência na comédia, o diretor do TQ reconhece, entretanto, que a fronteira entre a diversão e o mau-gosto é tênue. "O humor precisa romper limites, mas tem que equilibrar com bom senso", pondera, contando que já pediu desculpas depois de sentir que havia exagerado em algumas.

Eleito pelo jornal "The New York Times" como dono do perfil mais influente do Twitter no mundo, Rafinha continua sendo um fenômeno de popularidade. Durante o afastamento do "CQC", aliás, o humorista utilizou a internet para zombar da saia justa com a emissora. Publicou vídeos com trocadilhos de sua polêmica declaração e fotos dos teatros lotados em suas apresentações pelo país. "Ele continua sendo um sujeito que faz humor extravagante, com muito sucesso nas mídias alternativas", comenta Gueminho.

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Paulo Roberto Figueira pondera, entretanto, que o grande número de seguidores no Twitter não significa, necessariamente, que todos esses internautas concordem com as opiniões do humorista. Para o professor, ainda é cedo para saber o resultado do episódio no futuro do "CQC" e do próprio Rafinha Bastos. Nos últimos dias, entretanto, surgiram rumores de novas complicações para o programa. O grupo argentino Eyeworks – Cuatro Cabezas, dono das franquias "CQC", "A liga" e "Agora é tarde", teria manifestado desagrado com a demissão de Bastos, alegando que o ato contrariou os ideias da atração de total liberdade de expressão "custe o que custar". Em algumas semanas, aliás, a emissora brasileira e o grupo argentino devem ficar ainda mais próximos, já que Diego Guebel, um dos fundadores da Cuatro Cabezas, está prestes a assumir o cargo de diretor artístico da Band.

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