Aos poucos, o músico Xand Silvaglio, 51 anos, retoma a agenda de apresentações de voz e violão em bares. Embora já tenha tomado as duas doses da vacina contra a Covid-19, ele ainda tem medo. “A gente não sabe como a pandemia vai proceder daqui pra frente, mas eu preciso trabalhar.” O avanço do Município para a faixa amarela do “Juiz de Fora pela Vida” em 12 de julho autorizou os bares a retomar a música ao vivo, desde que sem pistas de dança e pessoas em pé. O atendimento está restrito a uma pessoa a cada quatro metros quadrados. “Dou graças a Deus que a situação está começando a andar”, afirma Xand. “Eu estava seco. Pelo menos, está pingando alguma coisa.”
Xand vive exclusivamente da música há 32 anos – “a maioria com bandas de baile”, pontua. Mas ao menos os últimos oito em apresentações de voz e violão em bares, restaurantes e eventos particulares. Quando as atividades foram interrompidas em março de 2020, Xand estava com a agenda fechada até agosto, bem como datas já garantidas em dezembro daquele ano. “Eu tinha uma média entre 15 e 20 serviços por mês. Agora, trabalho, em média, com oito.” Alguns bares em que o músico se apresentava antes da pandemia fecharam as portas. “Estou tentando abrir caminho em outros para poder trabalhar. Há alguns lugares que já trabalhavam com um cast de artistas, então é mais difícil entrar. Todo mundo está disputando lugar ao sol novamente.”
A unanimidade entre os músicos é de que a retomada das apresentações ao vivo será gradual. A artista Anne Jaenick, 34, por exemplo, fez apenas um show em bar desde a flexibilização no último mês. Não por escolha, mas pelas restrições do setor produtivo. “Acho que os donos dos bares estão ainda com um pouco de receio, porque, como são obrigados a reduzir a capacidade do público, ficam com medo de fechar com um músico e ter prejuízo ao receber poucas pessoas.” O movimento está muito menor, aponta Anne. “Fiz contato com alguns bares. Uns ainda não voltaram justamente por causa da capacidade reduzida. Outros ainda não sabem.” Anne, que normalmente se apresenta em dupla, tem encontrado saída em eventos particulares como casamentos e cerimônias, já que vive exclusivamente da carreira musical. “O pessoal tem buscado músicos com formações de palco reduzidas.”
Embora já tenha três shows agendados, o músico Rhee Charles, 42, ainda não voltou aos bares. “A oferta de músicos está grande para a demanda dos bares. Muitos estabelecimentos fecharam, outros não estão fazendo shows ainda.” À parte das dificuldades do setor, há o temor quanto à exposição durante as apresentações. “Eu trabalho em dupla com o Henrique Filho. Tem pouco tempo que ele tomou a primeira dose da vacina. Combinamos de esperar um tempo até a dose surtir o efeito. Não queremos ir sem armadura para a guerra.” Paralelamente à carreira musical, Rhee Charles trabalha como designer. Porém, 90% do seu orçamento vinha das apresentações. “Estou comemorando de voltar agora. Alguma coisa é melhor do que nada”, pondera. “Mas já sabemos que a remuneração vai ser bem aquém do que estávamos acostumados por conta da capacidade limitada das casas.”
Apenas shows não dançantes
O Experimental Bar já retomou as apresentações ao vivo, mas apenas uma vez por semana. “Normalmente, é apenas sexta-feira ou sábado”, relata o gerente Fred Botega. A opção, inclusive, é justificada pela capacidade de atendimento ainda limitada. A princípio, o Experimental trabalha apenas com músicos de confiança, por exemplo. “Até por conta do valor que vamos pagar. Como estamos trabalhando com um número menor de pessoas no bar, o valor que os músicos vão receber no fim da noite é simbólico. Eles estão vindo mais pelo prazer de tocar do que pelo dinheiro.” Fred acredita que, caso o público continue respeitando as restrições de biossegurança, a situação será normalizada em breve. “Aí a gente acaba pagando mais.”
Inclusive, o gerente do Experimental Bar pontua que o estabelecimento não tem enfrentado problemas com eventual descumprimento das medidas sanitárias. “Te falo que é pra agradecer porque o público que a gente recebe é bem tranquilo. Às vezes as pessoas ficam sentadas nas mesas com máscaras. Os nossos funcionários trabalham o tempo todo de máscara, seja na cozinha, no atendimento ou no caixa.” Como as apresentações ao vivo são intimistas, as pessoas permanecem sentadas. “Não temos espaços entre as mesas para pista de dança, nada disso.” O Experimental trabalha com uma capacidade entre 40% e 50% do total do espaço, afirma Fred. “A capacidade total do bar em pleno funcionamento é de 140 pessoas. Hoje, estamos com uma média entre 15 e 18 mesas, a maioria no espaço externo.”
Das mais tradicionais casas de Juiz de Fora, o Bar da Fábrica reabriu as portas para apresentações ao vivo no fim de julho. “Mas shows não dançantes”, ressalta o proprietário Waney Santos Rocha. “A proposta do Bar da Fábrica de hoje é de música para ouvir, não dançar. Não tem pista de dança. Quando liberar música dançante, aí voltaremos a ter.” Anteriormente, o Bar da Fábrica tinha média mensal de 20 shows, com capacidade para até 350 pessoas. Agora, o estabelecimento recebe 78 clientes. Até o momento, o comportamento do público não levou dores de cabeça para Waney. As mesas são organizadas conforme o distanciamento e têm, no máximo, quatro cadeiras. “A gente não tem o poder de polícia, mas chama a atenção das pessoas. Quando alguém levanta para ir até o bar ou ao banheiro, a gente pede que use a máscara. Está sendo muito tranquilo.”
Até o número de músicos no palco é limitado pelo Bar da Fábrica. “Na quinta-feira, foi voz e violão com apenas um músico. Na sexta que tivemos um número maior, três”, detalha o proprietário. Os músicos recebidos pelo Bar da Fábrica têm uma parceria com a casa, ressalta Waney. “Não tem leonismo no negócio. Todo mundo tem que ganhar e respeitar.” O pagamento do Bar da Fábrica é por couvert, ou seja, a casa fornece o bar e o músico, o show. “O que se paga na portaria é destinado aos músicos. O músico sabe o que está fazendo, o que vai ganhar no fim da noite. Temos consciência de que um dia vamos voltar a trabalhar plenamente.”
Um bar já interditado
A flexibilização acarretada pela classificação do Município na faixa amarela do “Juiz de Fora pela vida” permitiu aos bares manterem as portas abertas das 8h às 22h entre domingos e terças-feiras, assim como em feriados, e das 8h a meia-noite entre as quartas-feiras e sábados. Entretanto, os estabelecimentos já deverão estar com as portas fechadas e sem clientes no horário estipulado para o encerramento das atividades. Os protocolos de biossegurança exigidos pelo Município estão previstos pela Nota Técnica 19. Questionada, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) aponta que os estabelecimentos com música ao vivo devem seguir as orientações gerais aplicáveis previstas no documento, “como (aquelas para) comércio atacadista/varejista; orientações para manuseio, preparo e serviço de alimentos; e comércio varejista de bebidas alcoólicas”.
Conforme o Executivo, algumas denúncias de descumprimento das restrições sanitárias em estabelecimentos com música ao vivo já foram recebidas. “A Prefeitura interditou, na última semana, um bar, no Bairro Teixeira, em razão do descumprimento desta regra (descumprimento do Decreto com aglomeração no local.” A Administração ainda ressalta que, embora a música ao vivo seja permitida, pista de dança não é permitida. “Deve-se permanecer nas mesas para que não haja aglomeração. Os estabelecimentos estão sendo monitorados, visando o cumprimento dos protocolos sanitários.”