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“Circo de baratas”, da Cia Trem, estreia nesta sexta-feira em JF

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Interdependência, a dramaturgia “Circo de baratas”, escrita por Tarcízio Dalpra Jr. é, sob um ponto de vista, sobre isso. Mais ainda, é uma reflexão sobre a “putrefação humana”. A montagem da peça, assinada pela Cia Trem, foi dirigida por Luís Gustavo Mandarano, sua primeira vez nesta posição. A estreia é esta sexta-feira (15), às 21h, no espaço OAndarDeBaixo, em curta temporada que vai até domingo. O trabalho foi feito em conjunto com o produtor teatral Sandro Massafera. Neste longo processo de antropofagia e digestão, os dois também são a maioria do elenco, que se torna completo com Leonardo Cunha.

O título da obra também costura a ideia de interdependência. Metaforicamente, um dos personagens cria um circo de baratas, aprisionando os seres que menos correm risco de extinção deste planeta, capazes de sobreviver em quaisquer condições. Esta ação faz com que, em um mundo micro, ele seja detentor da liberdade das baratas, que passam a depender inteiramente dele. Toda essa reflexão sobre as condições sub-humanas das cadeias e a vigia que os presidiários vivem dia e noite são exploradas na montagem. Nós, espectadores, ficamos nesta posição, quase que de dentro da cela, participando de forma imersiva daquela rotina, ou de observadores, capazes de tirar completamente a privacidade deles. Os choques de realidade entre o mundo lá fora, “civilizado”, com o ambiente em cárcere também é abordado. Os personagens podem viver uma existência de espera pela liberdade, mas também de resignação, de sentir que ali estão mais confortáveis do que na “selva” de fora.

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Os limites de atuação da peça estão em um espaço de dois metros quadrados, simulando a claustrofobia das cadeias. Mesmo as solitárias, como é o caso da trama. Apenas o personagem Corrêa, carcereiro interpretado por Leonardo Cunha, está para fora daquele quadrado, levando a eles objetos, suprimentos e informação em troca de um favor que demonstra o caráter de realismo fantástico do texto original: Sinésio Mariano (Luís Gustavo Mandarano) tem o misterioso poder de sonhar com os resultados do jogo do bicho.

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O contraponto interessante da montagem é justamente o de sair desse lugar delirante e pouco verossímil para se tornar ultrarrealista. “É como se partíssemos de um argumento de realismo fantástico para chegarmos a um fantástico realismo”, afirma Luís Gustavo. Para isso, o trabalho de direção está sendo minucioso, palavra por palavra do texto é passada e repensada, no tom e forma da fala, a fim de que aquele ato teatral pareça verdade, afinal de contas: “teatro é mentira”?. Tiraram a linguagem teatral pronunciada de forma clara, eloquente, em suas devidas conjugações, e as sujaram. As leituras começaram em final de 2015, quando Luís Gustavo buscava um texto seco e direto, que possibilitasse criar cenas no jeito mais perfeito possível para se aproximar do real.

Realidade nua e crua

“É um pouco do ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’, lógico, sem comparações exatas. O livro parte de um argumento absurdo, de um defunto escrevendo, mas apenas para falar de realidades. Eu sinto que a gente busca fazer um pouco disso no “Circo de baratas”, parte do argumento dos bichos com que Sinésio sonha, mas todos os diálogos são verdades, falam sobre a ‘merda’ que é a vida lá fora, como um ferra com o outro, com linguagem pesada e muito xingamento, já que os caras estão dentro da prisão”, reflete Luís Gustavo. Uma das falas de Tatu (Sandro Massafera), em um ambiente onde defecam, brigam, interagem, pensam, ou seja, vivem uma vida em dois metros quadrados, é: “A merda é o que sai de mais sincero do homem”.

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É no diálogo, no texto e na forma como é falado que a peça se torna potente, mesmo tendo uma construção com bastante movimento em sua levada, entrecruzando diálogos incessantes e rápidos com longos momentos silenciosos. “Não tem blackout e não é corrido, a gente tem uma coreografia que demonstra que está acabando uma cena e começando outra, sem precisar apagar a luz, que é fixa, não muda, é a luz da cela. O silêncio está muito presente para criar este realismo, porque os caras não ficam falando o tempo todo, muitas vezes só estão pensando, refletindo”, comenta o diretor.

Nos limites de atuação e realidade

Entraram de ponta-cabeça no interior do enredo, em um processo moroso e detalhista, a partir da concepção daquele universo por completo – já pensando concomitantemente na estética desde os móveis e objetos que usariam – partiram para construir o caráter dos personagens. Dirigir e atuar foi um desafio, além de gastar energia sendo persistente na caracterização realista. Luís Gustavo precisou se autodirigir: “Me filmei atuando, passando o texto, para que eu pudesse me olhar e reparar no que eu poderia fazer diferente e melhor”.

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Neste processo de antropofagia, os atores foram quebrando os limites de atuação e realidade a partir da fisionomia. Sandro está cabeludo e barbudo, Luís deixou o bigode de seu personagem bicheiro crescer. O realismo perfeito parte desse teatro de interpretação sutil e claro, em um ambiente para pouco público, mais intimista. E para quem ficou em dúvida com o fato de a solitária estar sendo ocupada por mais de uma pessoa – Tatu e Sinésio – aí está, exatamente, o emaranhado da trama. “É um ciclo em que eles dependem totalmente uns dos outros. O Sinésio briga com o Tatu o tempo inteiro, mas os dois fazem companhia um para o outro. O Corrêa traz comida para a cela. Sem ele, morreriam de fome. Ao mesmo tempo, o Corrêa faz os jogos lá fora e ganha dinheiro com os bichos que o Sinésio sonha. Esse é o motor. Além de Sinésio garantir um conforto maior sonhando com o resultado dos jogos, Tatu não precisa ficar sozinho na cela solitária”, finaliza Luís Gustavo.

“Circo de baratas”
Dias 15, 16 e 17 de dezembro, às 21h, no Espaço OAndarDeBaixo (Rua Floriano Peixoto 37 – Centro).

 

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