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Poesia: Fernanda Vivacqua lança ‘Sopa de pedra’

Nos poemas, Fernanda quer mostrar a importância de saber escolher, maturar, rever, repensar e expor um trabalho, para que, ao ser lido ou ouvido, o corpo consiga sentir e sair da inércia (Foto: Divulgação)
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Quando fala sobre as questões de gênero, a poeta Fernanda Vivacqua coloca em jogo também o poder que as escolhas das palavras desempenham na maneira com que os versos chegam ao leitor. Fernanda, em “Sopa de pedras”, mostra como é importante saber escolher: maturar, rever, repensar e, por fim, expor um trabalho que é também de edição, para que, ao ler ou ouvir aquelas palavras, o corpo consiga sentir mesmo, e mudar, sair da inércia. Nesta terça-feira (14), ela lança esse que é seu segundo livro, na Banca Vera (Rua Manoel Bernardino 101 – São Mateus), a partir das 17h. Além de “Sopa de pedras”, há também o lançamento de “Eva vai ao sexshop”, de Matheus Hotz.

“Sopa de pedra” surgiu há algum tempo. Chegou, primeiro, em forma de plaquete lançada pela Capiranhas do Parahybuna – um coletivo editorial independente do qual faz parte -, em 2018, o ” Para os homens que não amam as mulheres”. Nascia ali, de alguma forma, um pequeno projeto que, desde o começo, tinha pretensão de não ser, simplesmente, poemas soltos: Fernanda percebeu que já tinha ali um conjunto, poemas que conversavam e, inclusive, desconversavam, pelo tema. Naquele momento, esses poemas já traziam consigo o eixo da violência e as relações de gênero. Fernanda trabalhava essas relações que, como aponta, são, na maioria das vezes, estanques: o homem como agressor, a mulher como vítima. Mas ela queria tensionar até isso: e, sobretudo, a partir da própria linguagem.

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Nesse tempo, o tema foi sendo desenvolvido através dos poemas de uma forma que ela foi criando, também uma linguagem própria. “Eu acho que, quando a gente escreve poesia, a gente, como poeta, já tem um processo de procurar uma língua própria dentro dessa língua geral, dentro do português. Mas, para além disso, eu buscava esse aspecto dessa linguagem para esse projeto em específico. E esse fio condutor foi me levando a extrapolar essa compreensão, desse eixo da violência e das relações de gênero, e também de como brincar com isso, como incorporar elementos da minha poética, seja buscar desestabilizar essas relações através da sintaxe, do ritmo e até do humor.”

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Foram mesmo quase sete anos de maturação: organização para entender as consonâncias e as dissonâncias. Até que surgiram, nisso, três partes que desenham o livro. Tanto que, em 2022, nasceu uma outra plaquete, mas pela editora Macondo, “Num cio preso a pata”, que também tem essa temática e confirma a forma como Fernanda se debruçou em cima disso. Mais que juntar os poemas, ela foi entendendo as formas como as relações poderiam ser desestabilizadas, e como isso interessava a ela enquanto mulher e enquanto poeta. Tanto que, em “Sopa de pedra”, aqueles mesmos poemas das plaquetes chegam de forma diferente.

Mas Fernanda nada no entendimento de que, na poesia, existia a impossibilidade da paráfrase: “Um verso é o verso, é o que ele diz, e é como ele te afeta e chega até você, seja através da leitura ou da escuta. E eu acho que isso é, até em alguma medida, um pouco da dimensão mágica da poesia. Por isso, quando se escreve, a gente fica em um processo de revisitar os poemas em exaustão, buscando mesmo essa medida justa de cada verso, essa forma acabada que a gente quer dar a esse corpo que é um novo poema”.

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Falar de um assunto como esse e escolher a poesia parte desse entendimento também da forma como ela chega às pessoas. E é interessante que, muitas vezes, quando se pensa na poesia, pensa-se em temas mais sutis ou singelos – não um assunto tão complexo como a violência, sobretudo a de gênero. E ela só escolheu a poesia exatamente porque tem a ver com essa desestabilização que ela tanto quis ao pensar em “Sopa de pedra”. “Trazer essa questão da violência para a poesia, pensar um pouco como produzir outras emoções e outros sentidos a partir dessa forma poética, sem dar tanto espaço para a construção de sínteses, para a construção de explicações, descrições e buscar trabalhar mesmo com o poder das imagens através das palavras: tudo isso vai se sobrepondo, vai se aglutinando a alguns elementos que num primeiro momento seriam estranhos. A questão da violência, a questão da mulher como agressora. A mulher que não vai ser a vítima de feminicídio, mas que vai exteriorizar seu ódio através da violência física e também através do gênero, né? Através dessa quebra de expectativa”, reflete, comentando algumas das cenas presentes em seu livro.

E tudo isso tem muito a ver também com o que ela leu durante esse tempo de maturação e construção de “Sopa de pedra”. “Acho que o livro se inscreve nesse desejo também de que através da leitura a gente possa se abrir para outras possibilidades do fazer do poema. Que ele pode nos possibilitar uma vivência, que ainda que a gente não vá ter no mundo pragmático real, é uma vivência real, porque sentido e que aí tem espaço para tudo, inclusive para a violência.” São situações que se coletivizam na medida em que, quando se é mulher, o medo e as tensões são constantes. Como ela diz: “É algo do mundo”. “Através do poema, a gente pode transformar essa relação e produzir outros efeitos que também produzem uma diferença, um corte. E acho que ainda que isso seja pela linguagem, ou por isso ser pela linguagem, na verdade, é muito poderoso”, completa.

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Capa do livro (Foto: Divulgação)

Em outras linguagens

Fruto também desse processo de entender que o que estava sendo escrito não era sobre uma personagem, nem sobre especificamente sobre ela, mas, sim, sobre um todo, que são as mulheres, Fernanda viu a necessidade de experimentar uma nova linguagem, das artes visuais, para compor esse projeto do livro. Era uma coisa que ela não tinha experiência, mas entendeu que era importante incorporar para dar mais cor e vida à temática. Foi um processo que ela chamou de “rasurar o eu”. “Existiu um processo que se desdobra nas foto-montagens de experimentar outras matérias justamente por essa dimensão do corpo. Mas elas são não ilustrativas. Elas foram e são muito importantes para o projeto, por toda questão de rasura. Para além disso, eu particularmente acho que elas trazem algo para o livro que não está presente materialmente, mas que é a questão da cor. Os poemas do livro tendem a ficar mais gráficos na imagem e acho que as foto-montagens trazem impressão de cor, e do vermelho sobretudo. E isso me interessa. Porque o trabalho com essa cor e com tudo o que o vermelho simboliza, quando a gente fala sobre essas questões, é muito poderoso”.

Olhar atento

À Fernanda é também interessante pensar, além da sua construção, na forma como as outras mulheres que participam de “Sopa de pedras” constroem tudo isso. Isso porque, quando viu que tinha um original em mão, decidiu mandar para o coletivo e o olhar daquelas mulheres foi essencial nesse processo de se pensar na materialização das palavras que ali se misturavam. É ainda interessante pensar que são mulheres que a leram, mulheres que entendem todo esse contexto apresentado e editam uma outra mulher. Como a poeta comenta, é quase um privilégio essa oportunidade, de se ter esse olhar. E, além disso, de se ter a oportunidade de lançar um livro em uma editora independente que abraça essas temáticas como importantes caminhos.

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“Acho que essa junção de serem mulheres e serem mulheres comprometidas com uma discussão de gênero, que faz parte da historia do coletivo editorial, e essa independência, de ter critérios de publicações que são possíveis nessa realidade – tudo isso formou um solo fértil e uma casa para abrigar o ‘Sopa de pedra’. Eu estou muito feliz por isso, por estar saindo nessa editora que fundei e construo todo dia e acho que até isso se relaciona com o projeto, que é criar outras possibilidades de gênero através da linguagem. Apesar de cada processo ter sua autonomia, até isso se mistura nesse caldo, nessa sopa, que é quente, cheia de pedra, com temperos variados e nem sempre coincidentes, mas que forma uma refeição e que alimenta”, finaliza.

 

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