Do samba brotaram raízes em Juiz de Fora. Entre batuques e memórias, o grupo Bacharéis do Samba completou meio século de história no ano passado. Hoje, recebe homenagens por uma trajetória tecida em amor, marcada pela importância e sustentada pela resistência que só o samba sabe cantar.
Criado em 1974 pelas mãos e voz do cantor juiz-forano Santos Lima, o grupo atravessou décadas, mudanças e formações. Mas entre tantas transformações, algo nunca se perdeu: a energia do encontro e o batuque que dita o coração do samba.
Atualmente, o Bacharéis do Samba é formado por Paulo Cezar Calichio (Coração), Nelson Lúcio de Souza (Nelsinho da Cuíca), Cezar Carlos Ferreira (Professor Cezar 7 Cordas), Sérgio Miguel Lobo (Miguel da Marcação) e Roberto Lúcio Santos (Betinho do Cavaco). E, no compasso do reconhecimento, emociona-se ao ver sua trajetória não apenas lembrada, mas celebrada e aplaudida – como quem reverencia raízes que nunca deixaram de florescer.
“Somos um dos poucos grupos que divulgam a música popular com frequência, sempre pesquisando os compositores que marcaram a história musical da cidade. Eu, junto dos meus amigos de grupo, só tenho a agradecer pelo reconhecimento da homenagem feita pelo Ponto do Samba, que sabe valorizar um trabalho sério e a luta de quem deseja manter nossa cultura cada dia mais viva. Seguiremos fazendo o nosso dever de casa, que parece simples, mas não é tão fácil como muitos pensam”, conta Coração.
Entre a avenida e o silêncio: quando o samba é festa, ofício e despedida
Com a importância de integrar os anos de ouro do carnaval juiz-forano, o grupo interpretou na avenida aquilo que ecoava nos barracões das tradicionais escolas Real Grandeza, Unidos do Ladeira e Turunas do Riachuelo. Durante as décadas de 1970, 1980 e 1990, unia a alegria de um carnaval ao batuque de um bom samba.
Mas engana-se quem pensa que o grupo viveu só de alegria e folia. Em entrevistas concedidas à Tribuna em 2019 e 2024, os integrantes contaram que, entre as situações inusitadas de celebrar o samba, estão algumas apresentações em velórios.
O grupo, que muitas vezes conciliou a paixão pela música com empregos externos, mostrou que a batida do tantan é maior do que qualquer ofício.
Na praça onde o samba nasceu, memórias se transformam em celebração
Neste domingo (14), o grupo Ponto do Samba encerra a primeira série de homenagens ao veterano Bacharéis. Ao todo, foram realizadas três rodas de samba ao longo do ano, e a última acontece na Praça Ministrinho, no Bairro Jardim Glória, a partir de 13h30.
“A escolha desse espaço não foi por acaso: trata-se de um lugar simbólico para o samba local. Ali nasceu a Turunas do Riachuelo, a escola de samba mais antiga da cidade, fundada em 1934. Além disso, o próprio Ministrinho, que dá nome à praça, foi um importante sambista que tocou ali por muitos anos”, explica o músico, pesquisador e professor da UFJF, Carlos Fernando.
Ele, que coordena o Ponto do Samba, ressalta que o trabalho dos Bacharéis é referência: ambos os grupos buscam preservar o samba local e sua vasta trajetória. “O Ponto do Samba atua na preservação, valorização e produção da memória do samba na cidade, estabelecendo diálogos com diferentes personagens dessa história.”
Segundo ele, o projeto vai além das rodas de samba. Durante os encontros, têm sido gravadas algumas músicas ao vivo e também depoimentos do público sobre o grupo. A ideia é incluir ainda falas dos próprios integrantes, contando a trajetória dos Bacharéis nesses 51 anos de história em Juiz de Fora.
O documentário também deve reunir imagens de arquivo, registros antigos disponíveis na internet, materiais em VHS e fotografias do acervo privado do grupo. A proposta é que seja um produto complementar do projeto, preservando e valorizando ainda mais a memória dos Bacharéis do Samba.
Sobre o formato das apresentações, Carlos detalha: “Até agora, nós temos aberto os eventos com o grupo do Ponto do Samba. Tocamos por cerca de uma hora e meia, fazemos um intervalo e, em seguida, os Bacharéis do Samba, com seu grupo completo, assumem a segunda parte da apresentação. Mas neste último encontro – que de último tem apenas o projeto – vamos ter um momento especial: o Ponto do Samba e os Bacharéis do Samba vão se juntar no palco e realizar uma parte do evento juntos, tocando na praça.”
Entre a resistência e o renascimento, a alma de Juiz de Fora
Ao longo da caminhada, os Bacharéis do Samba levaram seu batuque a palcos divididos com lendas como Nelson Sargento, Dona Ivone Lara, Neguinho da Beija-Flor, Luiz Ayrão e tantos outros que escreveram capítulos na história da música brasileira. Da cidade, fizeram escola; do samba, referência viva.
A importância do grupo ecoa não apenas nos 51 anos de trajetória, mas também na memória que ajudaram a construir: gravações em discos de artistas locais, a presença constante junto às escolas de samba e a passagem de inúmeros sambistas que, em diferentes formações, somaram suas vozes e instrumentos à batida dos Bacharéis. Legado que não se encerra, porque pulsa no presente.
Hoje, entre homenagens e encontros, reafirmam a força de um “samba sem tóxico”, que valoriza a tradição e o que nasce no coração da cidade. E, se como ensinou Nelson Sargento, o samba agoniza mas não morre, Juiz de Fora encontra nos Bacharéis a prova viva dessa verdade: resistência que se renova, tambor que não silencia, voz que se confunde com a própria alma da cidade.