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Poética e incisiva, Jup do Bairro canta seu álbum “Corpo sem juízo” na Semana Rainbow

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Backing vocal e amiga da cantora Linn da Quebrada, Jup do Bairro é uma potente voz na defesa pela existência e resistência da comunidade LGBTQIA+ no país. (Foto: Felipa Damasco e Caio Ramalho/Divulgação)
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É em Espinoza, o pai da filosofia moderna, que Jup do Bairro encontra uma inquietação que persiste séculos a fio. “Ainda não sabemos o que pode um corpo”, disse ele e reforça ela. “Quanto mais busco exclamações, mais interrogações me surgem”, reflete a cantora e performer que se apresenta no último dia da Semana Rainbow da UFJF, neste sábado (16), às 21h. No dia seguinte, o evento, em formato virtual, transmitido por seu canal no YouTube, exibe os melhores momentos da edição que iniciou na segunda (10). Lançando seu trabalho de estreia, “Corpo sem juízo”, Jup canta o corpo, as possibilidades e a liberdade. Profundamente poética, “Transgressão”, a música que abre o álbum disponibilizado nas plataformas de streaming há algumas semanas, disseca a dor do corpo que pode ser prisão. “Me deixa voar, me deixa voar, ah ah”, entoa, em sua voz grave, reivindicando a borboleta que reside nesse “corpo-casulo”.

“Existem inúmeros tipos de mortes. Algumas delas que melhor consegui identificar são mortes físicas e mortes existenciais. As dores de ser uma pessoa que nasce sem existência e morre como se nunca tivesse existido… Muitos tipos de mortes persistem na teoria existencialista, ou não, assim como seus homicidas, o que amola a faca e o que enfia a faca. Também há mortes de quem já fomos e o nascimento de quem estamos nos tornando. A partir de informações e novas concepções, nos é concedida a oportunidade de mudança, de não sermos quem éramos e buscarmos a evolução enquanto indivíduos e sociedade”, observa a cantora, em entrevista à organização da Semana Rainbow da UFJF, sobre a tônica de um trabalho tão amadurecido quanto denso.

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“Quando saber que um corpo abjeto se torna um corpo objeto e vice-versa?”, indaga Jup no poema “O que pode um corpo sem juízo?”, segunda faixa do disco. “Não somos definidos pela natureza assim que nascemos. Mas pela cultura que criamos e somos criados. Sexualidade e gênero são campos abertos”, responde em seguida a cantora, que reconhece a intimidade do trabalho. “Mexo em feridas ainda frescas, causo um autodesconforto, mas devolvo de maneira necessária para o público. Por isso é um EP biográfico, mas não só, pois devolvo a responsabilidade de sentirem comigo aquelas palavras. Há composições e decomposições de mais de dez anos e canções que escrevi durante a execução.”

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“Não somos definidos pela natureza assim que nascemos. Mas pela cultura que criamos e somos criados”, canta Jup em seu biográfico álbum “Corpo sem juízo”. (Foto: Felipa Damasco e Caio Ramalho/Divulgação)

‘Ao menos serei enterrada como me identifiquei em vida’
Para criar “Corpo sem juízo”, Jup diz ter seguido a mesma defesa contra definições. Ouviu Rage Against the Machine, Slipknot (que, inclusive, cita), Björk e também Cartola e o forró dos Magníficos. Amiga íntima e backing vocal da cantora Linn da Quebrada, ela trafega por estilos na fluidez própria da vida, norteando-se, apenas, no acolhimento do que acredita imprescindível ao debate. “Precisamos falar sobre saúde mental, precisamos falar sobre a população preta, sobre a população T, sobre sexo, sobre economia periférica, sobre ser e não necessariamente estar. Precisamos falar sem culpa”, reivindica.

Incisiva, Jup defende a liberdade de ser. A sua e a de todos e todas. “O meu corre é me entender nesse plano, o mínimo e o máximo que eu puder, nessa contradição mesmo. Entender maneiras de fazer a barriga parar de roncar, buscar formas de inventar um lugar que me caiba e aprender a pensar no futuro como uma extensão do presente e que meu corpo é digno disso. A população preta e T ainda não consegue pensar em futuro, pois ainda pensamos na sobrevivência. Viver não pode ser isso”, aponta ela, na defesa de que outros e outras possam adotar a identidade com que se identificam. A sua é Jup do Bairro, uma apropriação do que lhe foi apresentado como ofensa.

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Quando começou a se apresentar no Centro de São Paulo, era apenas Jup, a única que tomava o coletivo em direção ao bairro, enquanto todos os outros seguiam para o sentido Centro. Um grupo conservador expôs um texto de Jup, no qual ela narrava sua vivência, e, em tom pejorativo, apontou: “Olha como sofre a Maria do Bairro!”. Aquele passou a ser o nome artístico daquela que conquistou o direito a ler nos próprios documentos o Jup com que se apresenta. “Sei que eu continuaria sofrendo com a padronização compulsória, que esse papel não me traria maior passabilidade, que encontraria as mesmas dificuldades e constrangimentos ao usar um banheiro público. Mas foi a única maneira de nomear o meu território, o meu corpo. Sei que não serei lida enquanto signo feminino pela ótica patriarcal e conservadora, mas hoje sou a Jup perante uma Constituição que assegura a garantia de que ao menos serei enterrada com o nome e gênero que me identifiquei em vida.”

Programação
IV Semana Rainbow da UFJF

14/08
20h10 – Roda de conversa: Patrimônio, memória e tradição LGBTQIA+ em Juiz de Fora
20h50 – Talk show “A hora da rainha”
21h10 – Bate-papo com a drag queen convidada de honra, Lorna Washington
21h25 – Olhar diverso. Mostra dos projetos aprovados nos editais
21h30 – Espetáculo teatral “Stonewall 50, uma celebração teatral”, com o ator Thiago Mendonça

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15/08
21h10 – Show com a cantora paulista, Jup do Bairro, apresentando o recém-lançado “Corpo sem juízo”
21h50 – Festa de encerramento: DJs

16/08
Reprise dos melhores momentos

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