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O mestre reinventa os mestres

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Quando era criança, Maurício de Sousa jurou que nunca iria pintar em sua vida. Nascido em uma família de artistas, não suportava o cheiro da tinta a óleo que as telas exalavam. Esse, aliás, foi um dos motivos que o levaram a optar pelo desenho. No final da década de 1980, quando já era o famoso criador da Turma da Mônica, Sousa decidiu reconsiderar a decisão. Durante uma visita ao Museu do Louvre, em Paris, ficou intrigado com a maneira com que um grupo de crianças tentava reproduzir os clássicos em seus cadernos. Surgia, ali, a ideia de transformar personagens como Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali e Chico Bento em protagonistas de algumas das obras mais famosas do mundo. O resultado é a série História em quadrões, uma exposição que tanto pode servir de ponte para introduzir as crianças no mundo da arte quanto ser razão de deslumbramento para as gerações que cresceram com os personagens de Sousa. Parte desta mostra está em cartaz no Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm), depois de dez anos circulando pelo Brasil. São 22 telas e quatro esculturas selecionadas das mais de 50 versões produzidas por Maurício. Atraída pela brincadeira, a criança cai na informação. Nisso, ela vai para o museu e aprende mais coisas.

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O resultado da empreitada, que teve início em 1989, foi revelado em 2001, na abertura da mostra na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Uma década depois, a exposição superou a marca de um milhão de espectadores. Número impressionante, mas que não destoa de outras tantos alcançados por esse paulistano de 75 anos, responsável por uma verdadeira indústria de entretenimento, que inclui revistas para o público infantil e adolescente, livros, brinquedos, parques temáticos, espetáculos de teatro e toda sorte de produtos para crianças. Recentemente, os gibis da Turma da Mônica bateram a marca de um bilhão de exemplares, somadas as tiragens em diferentes países.

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exercício técnico e criativo

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Com História em quadrões, Maurício de Sousa não só deixou de lado a resistência à pintura, como se aprofundou em vários estilos dessa arte. Além de colocar seus personagens como protagonistas de quadros famosos, o autor tentou representá-los com a mesma linguagem dos originais. Assim, as mãos de sua Mônica Lisa receberam um sombreado que remete ao claro e escuro de Da Vinci. A propósito, a variedade de autores contemplados obrigou Maurício de Sousa a recorrer a diferentes técnicas. Para reproduzir as pinceladas vigorosas de Van Gogh em Retrato do Chico Bento, ele preferiu o uso de uma espátula. Sousa, aliás, revela que teve dificuldade em se adaptar ao pincel. A solução, nos primeiros quadros, foi recorrer a uma ferramenta que usava no início da carreira para desenhar: uma espécie de cotonete improvisado em várias espessuras. Tive muita dificuldade com o pincel no início, até que me lembrei desse artifício. Por muito tempo, tive vergonha de dizer isso, mas descobri que o Monet também usava algodão. Os primeiros quadros dele, que abriram o impressionismo, foram feitos assim, conta.

A fidelidade ao original também se repete no tamanho das telas e nas molduras. O universo de cada personagem, entretanto, não foi abandonado. Assim, Magali aparece com uma melancia à tira-colo no quadro O casal de Quinzini, ao invés da barriga de gravidez da personagem original em O casal Arnolfini, de Jan van Eyck. Em A lição de anatomia do Dr. Franjinha, o cadáver da pintura de Rembrandt (A lição de anatomia do Dr Tulp) é substituído pelo coelho azul da Mônica.

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Já as esculturas foram modeladas em isopor e revestidas por um spray, que, além de produzir efeito metálico ou marmorizado, torna as peças resistentes ao tempo. Isso quem me ensinou foi um carnavalesco. Na temporada em São Paulo, algumas ficaram no tempo e continuaram intactas, revela.

Paciência e fôlego

Na longa sequencia de entrevistas que concedeu na última quinta, dia da abertura da mostra, Maurício de Sousa acolheu não só as perguntas dos jornalistas, como os pedidos dos fãs adultos que se aproximavam, sempre com a paciência de quem sabe o espaço que ocupa no imaginário de, pelo menos, três gerações de brasileiros. Nesse contato, deu a entender que orgulha-se de seu trabalho e não demonstrou embaraço algum ao apontar detalhes que não o satisfizeram nas primeiras telas que produziu. Isso, hoje, eu faria melhor, comenta diante da tela A Consagração do Imperador Cascão I.

Essa comunicação com o público não é algo estranho ao dia a dia do desenhista. Pelo contrário, Sousa conta que costuma abrir espaço na agenda para receber estudantes de comunicação e artes que realizam pesquisas sobre sua obra. Um privilégio para quem se divide entre diversos projetos. Apesar de contar com uma equipe de desenhistas, Sousa ainda supervisiona o roteiro e os desenhos de cerca de 1200 páginas por mês, auxiliado por sua filha Marina – que também virou personagem.

O desenhista demonstra ainda entusiasmo ao falar dos novos projetos. Um dos pioneiros no cinema de animação no Brasil, com sucessos de bilheteria no final dos anos 1980, Maurício de Sousa tem mantido uma produção regular para a TV, fato que merece destaque em um tipo de criação que costuma dar trabalho e sair caro. Hoje, com a tecnologia, é mais fácil. O computador não barateia a produção, mas ajuda a sair com boa qualidade. Há 30 anos, isso era complicadíssimo. Não havia matéria-prima, e o Brasil não permitia captação. Atualmente, além de um programa semanal para a Rede Globo, os estúdios de Sousa fornecem especiais para a emissora e investem em séries de outros núcleos de personagens, como a Turma do Penadinho, O Astronauta e Horácio. Em breve, também está prevista a estreia de 52 animações que têm o jogador de futebol Ronaldinho Gaúcho como protagonista.

Uma das empreitadas mais comentadas do desenhista é a versão adolescente da Turma da Mônica, que ele afirma estar fazendo bastante sucesso apesar de ter dividido opiniões. Teve um monte de reação negativa. Alguns me acusaram de ter destruído a infância deles. Não destruí nada, as revistas infantis continuam saindo. Eles é que tinham saído da infância e queriam congelar o tempo do jeito que eles deixaram. Não quero ficar no museu. Na minha opinião, museu é para isso que estamos fazendo nessa exposição, é um lugar para vir e aprender mais.

Aliás, Maurício de Sousa parece não gostar de ver o tempo parado. Segundo o autor, a ideia, a partir de agora, é fazer com os personagens continuem envelhecendo. Estou acompanhando o público. Quando esses adolescentes estiverem na idade adulta, provavelmente terão uma revista para esse público. Provoquei iras mil, até dentro do meu estúdio. Mas estamos preparando terreno para uma terceira leva. Se os dias contassem para Mônica desde sua criação, ela teria hoje 54 anos. E como seria essa mulher no mundo de hoje? Talvez fosse presidenta, diz Sousa.

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