Não é raro ouvir uma música e apontar, imediatamente, semelhanças com uma outra. O ouvinte pode nem ser um entendedor musical, no sentido teórico mesmo, mas algumas referências são claras. Há quem diga que são meras inspirações e que, na verdade, nada é inédito como um todo. Mas essas semelhanças podem apontar para um outro caminho: o plágio – termo em alta atualmente.
As redes sociais estão tomadas de internautas que encontram semelhanças entre duas músicas. Geralmente, os casos envolvem um músico brasileiro e um artista internacional de renome. O mais conhecido, na maioria das vezes, “copiando”, ou se inspirando, no menos conhecido. E não só são os ouvintes que atestam isso. Alguns músicos, inclusive, logo falam: “Fui plagiado”. Mas não é tão simples assim. Uma mera semelhança não é o suficiente para se dizer, de cara, que tal compositor plagiou um outro. O termo é complexo e envolve batalhas judiciais que podem durar anos. Mas, na maioria das vezes, ainda mais na internet, isso não passa de uma série de comentários, sem provas coerentes.
Perito musical avalia possíveis plágios
Daniel Batista, 29 anos, trabalha com música há cerca de dez anos. No final do ano passado, ele se formou em arranjo, com habilitação em MPB, regência e composição, pela Unirio. No TikTok, através do usuário @somdodan, ele compartilha uma série de análises e resenhas musicais, trabalho esse que acabou por chamar atenção de algumas gravadoras, que o convidaram a trabalhar na elaboração de laudos musicais, fazendo a perícia em casos que envolvem, possivelmente, plágio. É por isso que ele se apresenta, nos vídeos, como músico e perito musical.
Seu trabalho como perito musical é, entre outras coisas, avaliar a proximidade de duas músicas em casos de plágio que vão para o tribunal. As partes envolvidas precisam desse perito para fazer, de fato, uma análise melódica, harmônica e lírica da música como um todo, mas, principalmente, no trecho em que a semelhança foi encontrada. É a partir dessa análise que o juiz chega à conclusão se, realmente, é um plágio ou não.
É que, como explica Daniel, ao se ouvir uma música de primeira, sem critérios musicais tão claros, pode-se pensar tratar-se de um plágio. Mas é preciso de muito mais para atestar isso. “Os músicos são capazes de desenhar, escrever essas melodias, para ver exatamente qual o caminho elas fazem. Toda música tem uma harmonia definida. Alguns acordes consoando. Para a gente realmente definir, precisa transcrever uma música, em partitura, e bater uma com a outra. Até essas inclinações diferentes da melodia contam também. O meu critério, e isso é pessoal, é, primeiro: isso é idêntico? Se é idêntico, é possível levantar que o que a gente tem aqui é um caso de plágio ou é uma citação ou uma interpolação?”, conta.
Sample, interpolação e plágio
Existem alguns termos e definições que são importantes entender para diferenciar o que é plágio ou não. O primeiro deles é o sample, que acontece quando um artista pega uma música de um outro artista e coloca na sua música, sem alteração, como um recorte mesmo. Muitos compositores do rap, principalmente, têm feito isso. Um dos exemplos é o Baco Exu do Blues. Isso não é plágio porque há um crédito a quem fez.
Outro termo importante é a interpolação ou a citação. Nesse caso, como Daniel explica, o músico se inspira em outra música e regrava o trecho. Como se fosse uma homenagem. Só que, nesse caso, o compositor que serviu de inspiração precisa estar creditado na ficha técnica.
“Quando uma interpolação não é citada, geralmente gera um caso de plágio, que é você, conscientemente ou inconscientemente, utilizar uma série de recursos musicais que se assemelham a uma música de uma outra pessoa e não creditar isso”, explica Daniel. A linha entre plágio e interpolação é tênue. E a diferença é, exatamente, caso haja de fato a inspiração, dar os créditos e ter autorização. Mas só se atesta que é plágio se um juiz, depois de ler as perícias dos casos, chegar a essa conclusão. “Uma interpolação pode ser creditada na ficha técnica ou não. Os casos de plágio envolvem canções que não têm nenhum crédito extra, nenhum reconhecimento de autoria de outras partes. Só é plágio se existir uma acusação. Porque tem gente que não entra na justiça para acusar. Só um burburinho.”
Plágio na lei
Alguns casos, inclusive, podem ser resolvidos de forma extrajudicial, quando ambas as partes chegam a um acordo que agrade. Até porque esses processos podem demorar anos e envolvem muito dinheiro. Existe a lei brasileira de direitos autorais que dá um respaldo, mas, como comenta Daniel, ela ainda apresenta algumas questões que podem dificultar o processo. “Nas leis brasileiras, é preciso ter uma clareza maior da diferença dos temas que eu expliquei. Existe um mito de que para ser um plágio teria que haver de seis a 12 compassos idênticos. Mas isso é demais. Porque muitas vezes, os casos de plágio se baseiam em um trechinho. Na verdade, esse termo é meio vago, juridicamente falando”, afirma.
Viralizados
Por tudo isso que não dá para simplesmente falar que tal música é plágio de outra – o que os internautas têm feito. Ao mesmo tempo que esvazia o conceito de plágio, esse costume tem popularizado também algumas questões. “No geral, a gente tem mais acesso à informação (com a internet), a gente sabe mais sobre isso e as definições dos termos que estão sendo mais usados. E, claro, acontece de o caso viralizar na internet e, por isso, ficar famoso. Tem gente que fala sobre isso e viraliza, mobiliza muita gente, e às vezes nem precisa ir para um juiz tipificar como plágio judicialmente. O termo se popularizou e mais pessoas têm se aventurado a entrar nessa discussão.”
Relembre casos
Flora Matos e Beyoncé
Um dos casos mais comentados, ultimamente, foi o envolvendo Flora Matos e Beyoncé. A cantora e compositora brasileira usou as redes sociais para dizer que a artista norte-americana teria se inspirado em “Piloto” para escrever “Bodyguard”. Alguns viram semelhanças e outros, não. Ao que tudo indica, Flora não entrou na justiça para dar seguimento ao caso. Então, não pode, de fato, ser chamado de plágio. Daniel analisou o caso em seu perfil. Assista:
Billie Eilish e “Malandramente”
Outro caso que ganhou as redes foi o de que Billie Eilish teria se inspirado na música “Malandramente” no teaser postado de seu novo trabalho. Vários internautas apontaram semelhanças, mas os próprios músicos envolvidos não se manifestaram. Veja a análise de Daniel:
Melody e Ariana Grande
Um caso mais antigo é o da música “Assalto perigoso”, da Melody. Assim que a cantora lançou a faixa, algumas pessoas perceberam que ela era semelhante a “Positions”, de Ariana Grande. A situação deu o que falar, e a Melody afirmou, na época, que resolveu diretamente com a Ariana. Atualmente, na ficha técnica de “Assalto perigoso”, constam os compositores de “Positions” – que seria o correto a se fazer quando trata-se de uma interpolação, como comentou Daniel.
Toninho Geraes e Adele
Outro caso antigo e muito conhecido é o que envolve a música “Mulheres”, de Toninho Geraes, conhecida na versão de Martinho da Vila, e “Million years ago”, da Adele. Mas, nesse caso, a disputa está na justiça. O compositor mineiro alega que a música da cantora inglesa copia mais de 80% a que fez. Ele pede na justiça que ela o reconheça como um dos autores e pede ainda uma indenização equivalente a tudo o que a música lucrou nos últimos nove anos. A situação ainda não foi finalizada na justiça.