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Bibi Ferreira fala do quanto é feliz em poder trabalhar aos 95 anos

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Fôlego total: “A vida não para, e você não pode deixá-la parar. Eu continuo trabalhando, e muito”, diz Bibi. Foto: Wilian Aguiar/Divulgação
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Já bastante conhecido no meio teatral brasileiro, o ator Procópio Ferreira acabara de chegar à Companhia Brasileira de Abigail Maia quando, no espetáculo “Manhãs de sol”, escrita e dirigida por Oduvaldo Viana, uma boneca sumiu do cenário. Rapidamente o objeto foi substituído pela filha do ator com a bailarina espanhola Aída Izquierdo.

Bibi Ferreira entrou em cena com menos de um mês de vida. Permanece ainda hoje, aos 95. Resultado do encontro entre a inventividade de um homem que deu vida a mais de 500 personagens em mais de seis décadas de carreira e a disciplina de uma bailarina que fez da maternidade um de seus maiores espetáculos, Abigail (Bibi) Izquierdo Ferreira tornou-se grande ao fazer pequeno o espaço que separa teatro e música.

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Testemunha e em muitos momentos protagonista de montagens fundamentais na história do moderno teatro brasileiro, Bibi dividiu a cena com Paulo Autran em “My fair lady” (1962), dirigiu “Brasil Profissão Esperança” (1970) e integrou o elenco de “Gota d’água” (1975). Viveu Piaf, Gardel, Amália e Sinatra, e conviveu com Cacilda, Della Costa e Morineau.

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Escreveu a própria narrativa enquanto ajudava a escrever a história recente das artes no país. Sente o peso do tempo? “O corpo não acompanha a cabeça, e os pensamentos continuam a poder voar”, responde a artista, que se apresenta neste sábado, 15, às 21h, no Cine-Theatro Central, cantando o repertório do cantor que eternizou “My way”.

Avessa aos telefones, “que descolocam a voz”, Bibi prefere o e-mail. Em entrevista à Tribuna, conta do pai, com quem diz ter convivido mais nos palcos que em casa. Conta da mãe de regras e amor e de uma trajetória cheia de futuro. “Je ne regrette rien (não me arrependo de nada)”, parece dizer a mulher que como poucas soube compreender e interpretar a francesa Piaf.

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Aprendiz a todo tempo, Bibi fez-se mestra. A escola, da qual fez sua carreira, lhe proporcionou saborosos os dias, as semanas, os meses, os 95 anos. “Gosto da vida, de tudo que tenho vivido.”

Tribuna – Filha de Procópio Ferreira e Aída Izquierdo, teria como não ser artista?

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Bibi Ferreira – Por mais que possa parecer óbvio, para mim não foi. Fui levada pelo meu pai, autorizada pela minha mãe. Depois que fui entender a vocação.

Quando olha para trás, quais as lembranças que mais te marcaram acerca de seu pai?
Sua inteligência, cultura, generosidade. Seu humor… muito, seu humor. Vou lhe contar uma história dele: meu pai, depois de separado da minha mãe, era muito mulherengo. Lembro-me de uma vez em que estávamos num restaurante, e entrou uma mulher bonita, ele cantarolou em voz alta “quiseras saber-te minha” (da ópera “Floresta amazônica”). Eu disse: papai, o que que é isso?! E ele me respondeu: é Villa-Lobos, minha filha, Villa-Lobos! Esse era meu pai!

A senhora costuma dizer da importância de sua mãe em te tolher a preguiça. Como essa figura disciplinadora atuou na sua vida prática e na sua arte?
Eu não tinha tempo de dizer que estava cansada. Sempre tinha coisas para fazer, mas hoje, olhando, tenho a certeza que tudo foi por amor e por cuidado, me preparando para a vida. Assim foi com o espanhol. Só falávamos em espanhol, e, se eu perguntasse ou respondesse em português, ela não aceitava. E me falava: um dia você vai me agradecer por falar mais uma língua. Ela estava certíssima!

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Como encara o teatro que era feito por seu pai? Sente saudades de produções como as dele?
Era um outro momento, até mesmo de interpretação, mas um gênio sempre será um gênio. E papai era um gênio. Não tinha para ninguém em cena. Um dia ele fez um pedaço de “O avarento”, do Molière, em francês, para o ator e diretor francês Louis Jouvet. No dia seguinte, ele reuniu a companhia dele e pediu que papai fizesse para eles todos e disse: “Vejam exatamente como se faz Molière!”. Pense bem sobre o que isso significa!

Nesses 76 anos de carreira, o próprio teatro sofreu diferentes mudanças. A senhora percebia as mudanças conforme ia vivendo ou só depois de tê-las vivido?
No dia a dia, porque sempre trouxemos novos artistas para o Brasil. Gente boa que víamos lá fora, ou que ouvíamos falar. Assim foi com Madame Mourineau (a atriz francesa Henriette Morineau, radicada no Brasil), Giani Ratto (diretor italiano radicado no Brasil), entre tantos outros.

Atuar e cantar parecem verbos muito mais próximos na arte que faz. É possível dissociá-los? Tem uma preferência?
Acho que essa versatilidade do ator brasileiro aumentou muito. Hoje temos um grande time de atores preparados para musicais. De todos os tipos e gêneros. Grandes cantores. Grandes dançarinos. Eu prefiro cantar, sempre. Mas não me considero uma cantora. Sou uma atriz que canta. Todos os meus espetáculos são dramático-musicais. Preciso de uma condução teatral. Preciso contar uma história, mesmo que seja cantando e pontuando com textos. Esse show do (Frank) Sinatra é assim. Canto as principais músicas do repertório dele, mas o público adora a história que contamos, sobre a vida e a carreira dele. São muitos fatos interessantes.

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Edith Piaf, Amália Rodrigues, Carlos Gardel, Frank Sinatra e muitos outros nomes ganharam vida na sua voz. O que esses artistas dizem à senhora?
Todos foram intensos, inteiros. Sabiam se entregar para a arte. Cantar é um ato de coragem. Cada noite que você vai cantar é uma noite especial para você. Tudo é ao vivo, ali, na hora.

“Gota d’água” é um marco em sua trajetória e também na trajetória das artes cênicas no país. Percebe a atualidade da peça?
“Gota d’água” é um marco no nosso teatro, e penso ser a obra mais importante da nossa dramaturgia. Sempre será atual, sempre falará de temas íntimos, que sempre existirão, independentemente do século.

A senhora tem um cuidado muito grande com a voz?
Não digo um cuidado especial, mas entendo que sempre tive cuidado. Durante toda a minha vida. E sempre trabalhei muito, muitos espetáculos, programas, direções. Não bebo gelado, não fumo, não falo alto sem necessidade, não gosto de falar ao telefone porque descoloca muito a voz. Mas tudo de forma tranquila, já inerente ao meu dia a dia.

Existe uma receita para se manter forte e atuante assim aos 95?
Vontade de viver. Sem pressa do amanhã, sem estar preso no ontem. Mas curtindo muito o momento atual. Adoro chegar no camarim, me arrumar, colocar uma roupa linda, pulseiras com muito brilho, e entrar em cena.

De que forma a idade ressoa na senhora? Há peso?
Claro. A idade pesa! O corpo não acompanha a cabeça, e os pensamentos continuam a poder voar. Gosto da vida, de tudo que tenho vivido. Sei que a idade existe, mas vamos em frente. Gostar do que se faz é muito importante para ser feliz.

O que espera da vida? Guarda sonhos?
A vida não para, e você não pode deixá-la parar. Eu continuo trabalhando, e muito. Estou sempre envolvida com o próximo espetáculo, com o que vamos fazer. Daqui a pouco, vou dirigir uma nova montagem de “Brasileiro Profissão Esperança”, com a Zezé Motta. Já estou pensando em coisas. Em setembro estreio “Bibi, por toda a minha vida”, voltando para o repertório brasileiro. Dessa vez vou lembrar das grandes mulheres que tive a oportunidade de conhecer durante a minha trajetória, registrar esses encontros interessantes que tive a chance de viver. Falar da Carmen Miranda, Clara Nunes, Elizeth Cardoso, Maysa Matarazzo, Rita Lee, Bethânia, entre outras tantas guerreiras.

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