Ícone do site Tribuna de Minas

Rita Benneditto de volta a Juiz de Fora

RITA 2
Rita
Para Rita, a base de tudo é a ancestralidade. Ela enxerga que levantar o ‘Tecnomacumba’ é uma filosofia de vida (Foto: Rogerio Von Krugger/ Divulgação)
PUBLICIDADE

“O bem da vida vem do bater do tambor.” Celso Fonseca e Ronaldo Bastos, quando escreveram “A voz do tambor”, anteviam que essa força ancestral do tambor é ponto de encontro, porque é o toque naquela pele que faz ecoar a vida. Isso tanto para Rita Benneditto quanto para o Ingoma, grupo artístico de música popular de Juiz de Fora. Cada um de sua forma, bebendo de suas fontes, manifesta essa força do instrumento quando sobe ao palco. Rita afirma que constrói seu trabalho musical em cima dos beats do tambor. Ele, mesmo que eletrificado, tecnológico, está presente em todo o projeto “Tecnomacumba”. Já o Ingoma tem no tambor a forma mais tradicional de estudar e se aprofundar na tradição mineira, principalmente dos congados. No palco, o bater do tambor é pulsação viva, o grande guia de qualquer outro instrumento.

Neste sábado (15), Rita volta a Juiz de Fora com a turnê “Tecnomacumba – 20 anos de axé”. O Ingoma é que vai abrir a noite, a partir das 21h. Não é a primeira vez que eles vão dividir uma noite. É, na verdade, a terceira vez. O encontro-primeiro aconteceu em 2018, quando o Ingoma convidou a cantora para fechar o cortejo carnavalesco organizado pelo grupo. Ele se repetiu no mesmo ano, no Cultural, em um show que Rita celebrava os 15 anos do “Tecnomacumba”. Pode-se dizer que esses dois encontros foram o suficiente para construir uma relação que se fortalece em cada palco dividido. Em cada entendimento de projeto que se complementa, que tem o tambor como base ancestral. “Foi como um encontro de irmãos”, resume Rita. “Nossa conexão com a Rita foi tão forte que, ainda hoje, gera muitos frutos”, afirma Lucas Soares, idealizador do Ingoma.

PUBLICIDADE

Esse encontro faz sentido pela própria história que Rita e Ingoma construíram, cada um de sua forma. A começar com Rita que, lá em 2003, em um mundo que era outro, fincou o pé no show e decidiu circular o Brasil com um projeto que, já no nome, poderia parecer ousado: “Tecnomacumba”. Esse “tecno”, é importante dizer, diz mais sobre o uso da tecnologia para pensar as músicas. O “macumba” marca que esse show é, sim, um ritual, apesar de não ser um show religioso. Ela explica: “É cultural. Eu me baseio na religião, sim. Tanto que ele tem uma ordem, é uma performance que começa em Exú e vai até chegar em Oxalá. Mas, ainda assim, é popular e brasileiro, porque a música popular brasileira bebe dessa mesma fonte”.

PUBLICIDADE

Rita ficou marcada na história da música brasileira por misturar ritmos e apresentar, propriamente, a origem de um tanto de coisa que sempre esteve inerente à música brasileira. Ela reuniu o que já cantavam Dorival Caymmi e Caetano Veloso, por exemplo, com pontos da umbanda, em um ritmo que é tecnológico por si só. E colocar esse nome logo de cara é, também, para reafirmar esse espaço que, ainda hoje, 20 anos depois, é difícil pelos tantos enfrentamentos preconceitusos. “As pessoas ainda demonizam esse termo ‘macumba’. E eu coloco ele no nome. Acho importante para dar o real significado das palavras. As pessoas são levadas por informações deturpadas. E macumba não é isso que falam. Acho que exatamente por eu adotar esse nome eu ainda sofro preconceito e ainda não tive apoio de grandes empresas, por exemplo. Por isso que eu preciso de resiliência e de ser resistente”, acredita Rita.

Mais que um projeto musical, Rita enxerga que levantar o “Tecnomacumba” é uma filosofia de vida. Isso principalmente porque ela conta que a base de tudo é mesmo a ancestralidade. E, por isso, não existe preconceito que impeça que ela continue circulando pelo Brasil, apesar do pouco apoio que acredita receber. “Eu acho que o Tecnomacumba é tão grandioso que extrapola esses achismos preconceituosos”, enfatiza. E isso, para ela, esse lugar reafirmado, foi importante para que outras pessoas pudessem trilhar esse mesmo caminho e incluir sua crença e ancestralidade na arte.

PUBLICIDADE

Muito por isso, tanto o show quanto o projeto têm em si um viés educacional de apresentar a religião. Mas Rita faz questão de pontuar que o intuito dele não é a conversão: é apontar caminhos e mostrar origens. Um farol. “Tem nele, sim, um papel educacional, lúdico. Porque é um ritual. E, mais que isso, tem o lado profano também. Costumo dizer que depois que a gente reza a gente tem liberdade para brincar. Tem reverência e mistério. A gente vai agradecendo e cantando”, resume.

Segundo Lucas, idealizador do Ingoma, o grupo faz um trabalho educacional, servindo como farol a sinalizar a tradição do tambor mineiro (Foto: Divulgação)

Um encontro ancestral

Da mesma forma que Rita abriu portas e cravou seu espaço, Lucas analisa um papel semelhante do Ingoma em Juiz de Fora. “O trabalho do Ingoma também é educacional, assim como o ‘Tecnomacumba’. Isso, os congadeiros, os capitães e os reinadeiros que nos orientam acreditam também. Em Juiz de Fora, não existe mais essa cultura acontecendo de forma tradicional. Por isso nossa bandeira passa a ser ainda mais importante. E o aval das pessoas da tradição garante que a gente tenha respaldo para poder levar a bandeira, e deixando óbvio que o que a gente faz é artístico, não tradicional. Porque para ver o tradicional, tem que ir lá. Ao mesmo tempo, quando o Ingoma está em cima do palco, é como se fosse um farol apontando para lá. Como se fosse um: ‘Vamos lá, ainda está resistindo, está forte e crescendo nas regiões’. Antes do Ingoma crescer e se consolidar – a gente faz 15 anos neste ano – existiam nichos de tambor mineiro aqui, mas hoje muito mais pessoas conhecem ou já ouviram falar disso por causa do Ingoma.”

PUBLICIDADE

Rita concorda com isso. E completa: “A gente (ela e o Ingoma) ecoa um som ancestral, que é o nosso grande mestre. Afinal, o corpo também é tambor. O que a gente faz é firmar a ancestralidade brasileira. Por isso a coisa flui de verdade. A gente pisa e reverbera muita cultura”.

A grande missão é continuar fazendo esse trabalho quantos anos mais forem necessários. O show “Tecnomacumba”, em 20 anos, não mudou muito, principalmente por se tratar, como Rita afirma, de um ritual, com suas ordens. Mas como se chega a esse tempo todo com um mesmo show? “Eu mesma me pergunto como esse projeto já tem 20 anos e continua em uma mesma vibração. É que ele me dá energia e renova o meu axé. Eu sempre faço esse show na mesma vibração. E eu sou filha de axé. Por isso, é uma celebração, é como uma gira mesmo, celebrando a vida. Por isso que ele resistiu até a pandemia. A gente cultua a vida”, responde.

Sair da versão mobile