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Eric Garault lança exposição com fotografias de roças da Zona da Mata

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(Foto: "Roça"/ Eric Garault)

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(Foto: "Roça"/ Eric Garault)

Não existe tradução francesa para a palavra “roça”. Isso porque as dimensões do que é ser da roça, no Brasil, são tão pessoais que nenhum outro país vive isso de maneira tão aproximada a ponto de pensar em uma palavra que dê conta da vivência. Claro que na França existem coisas parecidas, as comunidades mais rurais, o plantio e a colheita. Mas o fotógrafo francês Eric Garault garante: “A nossa roça é bem diferente da roça do Brasil”. Casado com uma juiz-forana que foi morar na França há 25 anos, Eric ouvia ela dizer sobre seus antepassados e como foi ter uma infância com um pé na roça, nas zonas rurais de Juiz de Fora.

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Até que ele veio ao Brasil e viu que, de fato, existia, sim, aquela magia que Cláudia Amaral, sua esposa, contava, quase que com os olhos marejados – como ele, agora, recria, quando conta da sua experiência com o interior brasileiro e, principalmente, na Zona da Mata. Parte disso ele transpôs em seu livro “Roça“, lançado na França, no ano passado, e que virou uma exposição, que já passou por Tiradentes, no Festival de Fotografia, no último fim de semana, e, agora, chega à Aliança Francesa (Rua Morais e Castro 300 – sala 220 – Passos). A exposição é inaugurada nesta quarta-feira (13), a partir das 19h. Ela fica por 30 dias no espaço, de forma gratuita. Trata-se de uma realização da Aliança Francesa de Juiz de Fora e do Serviço de Cooperação e Ação Cultural da Embaixada da França em Belo Horizonte (SCAC BH). Já o livro pode ser adquirido na Livraria Travessa.

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Na primeira vez que veio ao Brasil, Eric não dominava o português. Falava pouco, e observava muito. Quando foi conhecer a roça da família de Cláudia, passou a observar mais ainda. Via aqueles rituais acontecendo e se encantava. Começou a tirar algumas fotos pelas fazendas tanto da família quanto das que existem ao redor. Depois da temporada aqui, o cartão de memórias cheio de fotografias rurais, na França, decidiu olhar aquele material. Uma foto em específico, de caseiros, o chamou a atenção, e foi o suficiente para que ele decidisse fazer um trabalho sobre a roça da Zona da Mata mineira.

Isso aconteceu há sete anos. Eric ia de sítio em sítio, foi fazendo amigos que o levavam a outras roças. “A gente chegava no portão da fazenda, gritava: ‘Oh de casa’, sabe? ‘Bão?’. Daquele jeito que os mineiros fazem”, conta, em um sotaque que chega a ser mineiro. Ele revela que, de início, as pessoas eram fechadas – aquele estereótipo de mineiro desconfiado. Mas, aos poucos, do portão foi entrando nas casas. Ele fez uma série de temporadas nas roças. As pessoas já passavam a conhecê-lo, falavam: “O francês voltou”. E a imersão, de fato, foi acontecendo.

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Dentro do ritual

“Eu observei muito. E eu me senti muito parecido com eles, integrado. E isso foi importante”, afirma Eric Garault (Foto: Divulgação)

Eric se convidava para dormir nas fazendas. Especificamente em Piau, ele conta que o trabalho ganhou, realmente, a forma que queria. “Porque eu observei o povo. A roça é uma coisa ritualística. Faz todo dia a mesma coisa. E eu ia vivendo aquilo. O dia ia andando. O primeiro dia eu, geralmente, observo as pessoas e reparo as boas fotos que posso fazer.” Já no segundo, ele se prepara para instalar os flashes, que são tão importantes na construção do seu trabalho. “Eu já sabia o que a pessoa ia fazer no dia seguinte, por causa do ritual. Então eu sabia onde posicionar o flash. Quando o cara coloca a lenha no fogão, eu já instalo a luz no paiol”, narra, apontando uma imagem em específico, feita no paiol, de um homem dando a comida às galinhas. “Quando ele entrou no paiol, eu sabia a foto que eu queria fazer. E eu sabia o que ele ia fazer porque eu vi no dia anterior. E eu cliquei. Ele estava no caminho da luz.”

O fotógrafo se colocava naqueles lugares, principalmente, como observador. Seguia aquelas pessoas sem interromper a ordem do dia específica da roça. “As pessoas acabavam se acostumando comigo e com a minha câmera, com os flashes, porque eu acompanhava o trabalho o dia inteiro. E, quando eu faço fotos, eu fico muito quieto, observando, com foco”. Mas ele segue afirmando que, além da observação, tem, sim, um pouco de sorte: estar no lugar certo na hora certa. Ele também deixava a luz e a câmera esperando para a foto acontecer. Entre uma e outra, ia conhecendo o espaço e as histórias daquelas pessoas. Relações que ultrapassaram as imagens captadas. “Eu observei muito. E eu me senti muito parecido com eles, integrado. E isso foi importante. E tem o tempo de fotografar as coisas. Fotografia é uma história de tempo. Eu convivo também pelo gesto.”

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Futuro da roça

Essas imagens, até 2020, eram o suficiente para criar um livro. Com a editoração na cabeça, foi atrás de uma editora para lançá-lo. Um editor, realmente, encontrou ali uma narrativa que precisava ser lançada. No entanto, percebeu que, de primeira, parecia um livro triste. “Porque eu falava, de alguma forma, que não tinha mais futuro para a roça, que a roça estava acabando. Eu até escrevi que tinha uma urgência de fotografar a roça antes de a luz acabar. Ele gostava, mas achava triste.” Só que a pandemia chegou e ele se distanciou da roça. Com saudade, procurava roças mineiras no Instagram para matar a saudade.

Na rede social, percebeu que havia um retorno para os espaços rurais, e viu que precisava registrar essa roça mais jovial e mais feminina para o livro, já que o editor achou que ele ainda não estava pronto. Ele submeteu um dossiê e ganhou a bolsa do Centro Nacional de Artes Plásticas para dar continuidade à obra. E foi nesse retorno que, de fato, o livro tinha o suficiente para nascer: mais história, mais rostos e, dessa vez, percebeu que, não, a roça não vai acabar. Ela é, na verdade, o refúgio necessário para a continuação da vida.

Como um declaração de amor

Eric tem um acervo com mais de 2 mil fotos, mas, no livro, teve de selecionar 100. As que mais conversavam e traziam essa noção que é esperançosa. “Roça”, que, em francês, tem o subtítulo “Um conto camponês no Brasil”, tem três capítulos: “Amanhecer”, com imagens da neblina logo cedo na roça; “Dia”, quando as atividades estendem diante do sol; e “Anoitecer”, com as atividades mais noturnas e o preparo para dormir. As roças estão localizadas, principalmente, em Juiz de Fora, Tabuleiro, Rio Novo, Mercês, Ibitipoca e Piau. Além das imagens, ele insere poemas brasileiros escritos no século passado que conversam com o que fotografou – todos traduzidos para o francês, mas que, na exposição, ganham um pdf e uma leitura feita por ele e a Cláudia, através de um QRCode.

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“Roça” consegue congelar o trabalho duro e, muitas vezes, silencioso das zonas rurais – por isso, no Brasil, a exposição ganha o nome de “Roça, Brasil silencioso”. Para os franceses, ele conta que é uma forma de mostrar um outro Brasil, longe do carnaval, da praia, da Amazônia. Já para os brasileiros, é uma lembrança ardente. “Aparece um sentimento de matar a saudade da roça, e as pessoas falam sobre isso. Isso toca. É uma flecha no coração. Porque os mineiros amam a roça.” Já para ele, é uma declaração de amor: “À Cláudia, à cidade dela e à Zona da Mata”.

Eric Garault pretende expandir o trabalho

Para ele, fotograficamente falando, “Roça” se encerra. No entanto, ele tem vontade de ampliar a exposição, inserir objetos que colecionou dos espaços que foi nesse tempo e a ideia, agora, é filmar as pessoas que fotografou. “Eu quero fazer uma série de filmes sobre o gesto. Montar e apresentar na exposição. Um projeto novo. Não quero desaparecer da roça.” Outro sonho é expor em Piau, cidade que, como conta, o acolheu tão bem. E a vontade ainda maior é lançar o livro aqui no Brasil. Ele ainda aguarda uma sinalização de alguma editora para fazer cumprir isso. E finaliza: “Há 20 anos, quando ia muito ao Rio de Janeiro, eu era “parioca” (mistura de parisiense com carioca), depois, eu virei franco-mineiro. Acabou o livro, eu sou franco-caipira mesmo”.

 

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