Na mesma cena em que são produzidas melancólicas fotografias de paisagens, retratando mares ou morros e nuvens, num P&B dramático, estão imagens manipuladas em computador a registrar um efervescente ambiente de imensos prédios. De um lado cenas bucólicas, de outro a energia dos arranha-céus. Nessa mesma produção, ainda, convivem colagens em papel, pinturas à óleo e gravuras produzidas em computador. Entre o analógico e o digital, artistas de uma mesma geração desenvolvem seus trabalhos, todos a falar sobre lugares. “Orgânico/Coletivo”, exposição em cartaz no Spazio Design, no projeto “Gastronomia e cultura”, apresenta a juventude das artes visuais de Juiz de Fora, cujo frescor da idade se reflete na universalidade de temas e práticas. Todos os trabalhos dos oito artistas selecionados pelo curador Pedro Carcereri estariam facilmente em quaisquer galerias ao redor do globo.
“É uma construção que está sendo feita”, pontua Carcereri, referindo-se ao desejo de fornecer um mapa, ainda que limitado, da produção atual de nomes que iniciaram seus trabalho no novo século. Trata-se de uma coletânea das obras desses artistas, cuja formação é tão variada quanto suas artesanias. “Gosto de trabalhar com questões díspares, provocar reunindo um artista da fotografia e outro da colagem”, diz. “Não está numa galeria nem num museu, mas num lugar de passagem. E isso é muito interessante e sinto falta em Juiz de Fora, até mesmo em espaços públicos. É necessário tirar a mística de que para ver arte é preciso estar em um lugar determinado”, completa, para logo citar Danielle Menezes, estudante do Instituto de Artes e Design, e seu arrojado trabalho no qual reúne recortes de imagens banais (como um ônibus retrô), palavras e pequenos restos de papel colorido, criando um novo e intrigante texto imagético.
Manual da mesma forma que Danielle, a obra de Guilherme Melich surpreende pela catarse de um processo que resulta em grandes desenhos feitos sobre livros abertos. “O Guilherme está prestes a estourar. A pintura dele é muito forte e representativa. Do que vejo de arte pictórica, no estado e no país, não vejo nada que se aproxime da relação dele com a tinta”, comenta o curador, apontando para o recorrente uso de espátula ao invés do convencional pincel na prática de Melich. Inventividade refletida nas obras gráficas de Josimar Freire (Gramboy) e Dalton Carvalho, na escultura de Tonil Braz – que faz com grades a parte inferior do corpo de um centauro -, e nas fotografias de paisagens de Thiago Britto e Luciano de Azevedo, além dos desenhos de Flávia Paula. “Aos trancos, a galera está produzindo”, comemora Carcereri.
Tela de pintura e de cinema
Marca da nova geração observada por “Orgânico/Coletivo” é a recusa de um passado romântico de Juiz de Fora. Para os criadores de hoje reunidos por Pedro Carcereri, a cidade é parte de uma cartografia extensa, que considera o Brasil e outras tantas terras. A mesma marca pode ser percebida na produção audiovisual local, da qual o curador também faz parte. Graduado em artes e design pela UFJF, Carcereri concluiu o mestrado na área e montou, há dois anos, a produtora Old Man Filmes, ao lado da esposa Isabela e dos cineastas Luciano de Azevedo (autor de algumas das fotografias da mostra) e Carolina Queiroz.
Expoente de uma cena que reúne produtoras como Impulso.hüb (do curta “Barbante” e do premiado “Aqueles cinco segundos”), Inhamis (do elogiado longa “Os 3 atos de Carlos Adão”), o quarteto da Old Man também tem uma criação autoral já reconhecida. “O ‘Cabrito’ está rodando o mundo. Temos o ‘Feminino’, que vai agora para (a Mostra) Tiradentes e estamos lançando ‘Maria Cachoeira’. No final de janeiro vamos gravar a continuação do ‘Cabrito’ que vai chamar ‘Rosalita'”, comenta Carcereri, referindo-se ao curta-metragem de terror que acaba de ser selecionado para outros dois festivais, o Paura Festival Internacional de Cine de Terror, na Espanha, e o CinEuphoria, em Portugal.
O orçamento do filme de 20 minutos, segundo Carcereri, que assina o roteiro com Luciano e Carolina, não ultrapassou R$ 1.500. Para “Maria Cachoeira”, que Carcereri dirige, o valor foi maior – patrocínio da Lei Murilo Mendes, mecanismo de incentivo municipal -, mas, ainda assim, longe das altas cifras que circundam o cinema. “A lei é muito bairrista, protege muito Juiz de Fora e não precisamos mais sermos protegidos. Tem que haver uma mudança no edital para pensar na saída dos artistas. Há um tempo era necessário criar uma cena, mas agora ela está formada e tem mais é que estar aqui e em Belo Horizonte, Rio e outros lugares”, comenta.
Para filmar a trama na qual uma mulher retorna à cachoeira pela última vez e encontra sua imagem jovem e fantasmas misteriosos, Carcereri optou pelo desafio de não trabalhar com atores e apostou numa paisagem mineira de tirar o fôlego. “O filme foi todo filmado em Torreões, com o pessoal de lá, da roça, não-atores. Foi uma descoberta de talentos. A personagem do título é uma empregada doméstica, de um talento (para a interpretação) surpreendente. Não dava para filmar a história com atores com cara de cidade”, aponta o diretor, que, despretensiosamente, acaba por dizer de Juiz de Fora ao mostrar a potência, quadro a quadro, sua e de seus contemporâneos.
ORGÂNICO/COLETIVO
Exposição no Spazio Design (hall, La Caprese.Doc e Assunta Forneria).
Visitação de segunda a sábado, das 10h às 20h e aos domingos das 14h às 20h.
Até 18 de janeiro.