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José Luiz Ribeiro alcança a imortalidade

JoseLuizRibeiro FELIPE COURI 10.11.23 02.12
José Luiz Ribeiro toma posse na Academia Brasileira de Cultura junto com nomes como Margareth Menezes, Glória Pires, Conceição Evaristo e Liniker (Foto: Felipe Couri)
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Sento com José Luiz Ribeiro em uma das salas do Forum da Cultura, sua segunda casa. Em mãos, uma série de perguntas que pretendo fazer. Elas tratam do assunto da vez: José Luiz foi eleito membro da Academia Brasileira de Cultura. Na terça-feira (14), ele toma posse e se senta na cadeira de número 53, que tem como patrono o também juiz-forano Murilo Mendes. De alguma forma, a tentativa foi focar no que isso representa na vida dele: o homem do teatro, da sala de aula, do jornalismo, que, com 81 anos e 60 deles totalmente dedicados à arte, recebe a honraria máxima. No entanto, é impossível pensar no que isso significa sem mencionar todos esses anos: sua luta à frente do Grupo Divulgação, as dificuldades pelas quais passou, os sustos ao longo da vida.

Na entrevista abaixo, José Luiz recupera sua história. Ao mesmo tempo que aponta para o que deseja fazer assim que tomar posse, junto com nomes como Margareth Menezes, Glória Pires, Conceição Evaristo e Liniker, entre outros. Entremeada por esses assuntos, sua paixão pelo jornalismo se manifesta. Apesar de não dar mais aula, fala sobre critérios jornalísticos e teorias da comunicação com a mesma emoção de antes. E assume: “Eu não sei dar aula sem paixão”. Sobre o patrono de sua cadeira, conta que, inclusive, Murilo Mendes já até chegou a assistir a uma peça sua, que tinha como nome “Belmiro, Murilo e Pedro Nava”. No mais: uma viagem no tempo que confirma que, realmente, José Luiz Ribeiro sempre foi imortal.

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Tribuna: Imortal, né?
José Luiz Ribeiro: É, menina. Agora eu tenho essa responsabilidade a mais.

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Mas acha que muda alguma coisa?
Eu sou muito simples. Eu tenho um monte de títulos, tipo comenda. E eu ajo com muita naturalidade. Essa me assustou um pouco. Porque você ser membro de uma Academia Brasileira de Cultura com os nomes das pessoas que lá estão, que são pessoas de grande repercussão midiática. Aí, você pergunta: “Como é que descobriu o José Luiz Ribeiro em Juiz de Fora?”. Eu vou te dizer: Eu não acho que o trabalho não seja expressivo. Ao final desses 60 anos, eu vejo muito resultado. Quando você vê o teatro pipocando para tudo quanto é lado, a gente sabe que o Divulgação segurou essa barra. Os grupos que começaram com o Divulgação morreram todos. E nós continuamos. Passamos pelos Anos de Chumbo, que foram anos pesados. E, agora recentemente, pela pandemia. Nós passamos aperto.

Mas como foi possível furar um eixo Rio-São Paulo? Porque, se ver os nomes da Academia Brasileira de Cultura, a maioria é mesmo das capitais.

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Eu tenho, de vez em quando, uma interlocução mesmo. A novela, por exemplo, “Felicidade”, eu estava aqui. Eu nunca saí daqui. “Salve Jorge” também. Quando eu fiz a novela me convidaram para continuar. Mas eu estava fazendo “Burguês fidalgo” aqui. Eu tinha um contrato com a Globo que eles mandavam uma kombi aqui para que eu continuasse fazendo o espetáculo à noite. Eu ia e voltava. E teve um dia que atrasou. Eu cheguei aqui e a casa estava cheia. Os atores todos prontos. Faltavam uns 5 minutos para começar. Eu troquei de roupa e pensei: “Eu não vou mais fazer novela nesses tempos”. E não fiz. Eu tive oportunidade de sair daqui. Mas não queria. Não sei se é preguiça ou pensar demais que a vida pode ser mais tranquila. De vez em quando, eles olham e me descobrem. O Leandro Bellini, que está dentro da Academia, me conhece também. Ele fez teatro comigo quando era garoto. Acompanhou minha história.

Mas como foi? Ele te ligou?
Ele me comunicou: “Você acaba de ser eleito”. Eu não fiz nada antes. Mas, hoje, a nossa vida está no Google, né? Qualquer coisa que você faça. É por isso que eu digo: se você não quiser que as pessoas saibam, não faça. A minha vida é pública. Eu fui professor por 40 anos. E a gente vira conhecido. Nesse tempo todo, eu acabei, por causa do teatro, não saindo da mídia. São sete peças por ano: escrevendo, dirigindo. Como ator, eu até estou dando uma descansada. E também eu acho que a gente precisa dar lugar para as outras pessoas.

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Mas, então, você nem imaginava?
Não. Só um: “Você acaba de ser eleito”. E eu: “Como? Amigo, aí só tem cachorro grande. Eu sou só um yorkshire muito fofo. O que eu vou fazer nesse meio de gente?”. A minha posse vai ser com duas ministras (Margareth Menezes, do Ministério da Cultura, e Sônia Guajajara, do Ministério dos Povos Indígenas).

E você já descobriu o que pretende fazer, agora, ocupando essa cadeira?
A gente vai trabalhar pela estrutura da cultura mesmo. Fazer projetos para encaminhar. São pessoas de muitas áreas. E eu vou sentar e ouvir muito antes de falar. Não vou chegar cheio de ideia não, porque lá tem muita gente. Mas, claro, que a gente quer dar ideia também. Porque chorar sobre problema de cultura, desespero, nisso eu sou doutor. Porque a gente já passou por muitas coisas.

Para retornar ao assunto da mídia: o que, então, te manteve na mídia durante esses anos todos?
O trabalho.

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Mas só ele?
Não. Vez por outra acontece alguma coisa que lembram de mim mesmo. Por exemplo: tinha programação no Divulgação o ano inteiro, com muitas peças. A gente trazia pessoas de fora para os projetos. A gente viaja muito em festival. E quando fazia isso, repercutia muito aqui. Mas tem uma coisa: o seu pior inimigo é o oficial do seu ofício. Mais no teatro que na música.

É inveja? Tem muita inveja no teatro?
Não. Acho que as pessoas torcem para não dar certo. Porque aí que vai ser bacana. Existe uma comparação mesmo. Eu tenho histórias fabulosas dessas coisas. As pessoas se projetam. Mas, claro, a gente faz coisas que repercutem muito bem. Indiscutivelmente. Então, esse trabalho, essas coisas, vão chegando às pessoas. Eu sou mesmo um ponto fora da curva. Eu já dirigi fora de Juiz de Fora, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Mas aqui, eu não sou só diretor: eu sou psicólogo, ator, professor. As três coisas que geraram meus caminhos se completam: o professor, o jornalista e o ator.

Acho que isso te ajuda a ser lembrado?
Isso. E a gente também tem gente esparramado pelo Brasil. Gente na novela. Gente que de vez em quando vem matar a saudade. E eles conhecem o trabalho da gente, e falam, de alguma forma. E acaba reverberando o trabalho que a gente está fazendo.

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(Foto: Felipe Couri)

E são 60 anos de teatro.
Sim. 60 anos. Eu estava vendo os meus amigos com os quais eu contracenei, a grande maioria já morreu. Só falta eu.

Mas você tem medo de morrer?
De jeito nenhum. Eu já morri. Eu já tive uma parada cardíaca, e eu fui naquele túnel bacana. Quando você chega no grau zero de pressão, você desliga e entra no túnel.

O que você viu no túnel?
Uma sensação de suspensão. Uma música com uma nota suspensa, tipo um coral. Agora, a volta é horrível. Porque é com o cara te ressuscitando, dando um sopapo, bombeando sangue, você imagina um fogo entrando em você. A volta é o pior. E agora condenado à imortalidade, não vou morrer nunca, né?

Mas, com 81, o que você ainda tem a dizer? Ou você acha que já disse tudo?
Eu tenho mais que escutar. Porque você só fala se escutar. A deficiência do mundo atual é que as pessoas não ouvem. As pessoas opinam. “Acho que”. É por isso que dá conflito. Eu ouço muito podcast. Eu ouço todos. E gosto de participar também. A gente vai falando, falando. É melhor que série.

Você, às vezes, parece mais saudosista. Mas, ao mesmo tempo, tem muito uma coisa da atualidade.
Passado é história. Futuro é interrogação. Eu tenho que viver agora. Então, eu tenho que ouvir mesmo essas coisas. E eu experimento as coisas também, as coisas novas. E, ao mesmo tempo, eu não dou mole para os jovens que entram no Divulgação. Alguma coisa do que eu ensino cola. A sociedade, aquela sociedade da memória, que você era inteligente porque decorava tudo, eu sempre trabalhei com isso. Minha primeira aula era sobre Aristóteles já. Eu transformei ele em perguntinhas, para fazer um quiz. Mas eu já trabalhava com uma coisa que já era moderno: a palavra-chave, que eu usava no teatro. O teatro tem a palavra-chave que você vai desenvolver com a outra pessoa. É um jeito de guardar as coisas. Eu sou do tempo que, como jornalista, a gente não gravava a entrevista. A gente escrevia as palavrinhas no papelzinho.

Então, é uma metodologia que você criou para ir guardando as coisas.
É. Você explica para as pessoas. O meu método de teatro para a terceira idade nasceu assim. Hoje, ele está na Cartografia do Teatro Brasileiro. É assim: de ver as dificuldades que você tem.

Mas você usa isso na sua própria vida? Porque você lembra de muita coisa da sua história.
Tem coisa que flui na cabeça. Porque vai fazendo parte mesmo. Tem o que o Barthes chama de “Punctum”. Quando você vai ao cinema, 40 anos depois, você lembra do filme. Você lembra daquela cena. E eu dei muita aula de semiótica. E foi uma Semiótica aplicada. E eu dava Semiótica do Espetáculo. Eu criei essa disciplina. Porque espetáculo é aquilo que leva a sua alma a se maravilhar: jogo de futebol, desfile de escola de samba – tudo que está na cultura você é capaz de analisar com olho da semiótica barthesiana, da “Câmara clara”. O “Punctum” é uma maravilha. Se eu te perguntar qual é o primeiro presente que você lembra que recebeu na vida, você lembra aquele que mais te marcou.

Qual foi o seu?
Um avião azul que eu sei como era a janela do Natal: uma cortina que tinha uma luz que bateu no avião. Eu tenho essa memória fotográfica. Eu tenho muita memória de quando era mais novo.

Você acha que, nesses 60 anos, teve o reconhecimento que merecia?
Olha, eu tive mais que merecia. Foram muitos momentos em que a cruz foi mais pesada. Não tenha dúvida. Mas é uma questão de você respirar e ir para frente. Se eu olhar para trás, agora então. Gente! Era um menino carregando mala, com 14 anos, pai doente, pegando gorjeta para ajudar na comida da casa. Porque hoje quem me vê assim cantando, não sabe nada de mim. Um estudo interrompido porque eu trabalhava de 8h às 20h. Só no outro ano pude continuar. De repente, eu tenho esse reconhecimento. Então, beijinho no ombro. Fiz muita coisa.

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