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Semana da Criança: O caminho para formar novos leitores em meio à queda do hábito de ler no Brasil

literatura crianca

(Foto: Pexels)

Leitura na infancia e caminho para formar novos leitores Divulgacao
Tobias é o protagonista de uma série de livros ambientadas em Juiz de Fora (Foto: Divulgação)
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Tobias, uma capivara curiosa e aventureira, é o protagonista de uma série de histórias que têm Juiz de Fora como cenário. Criado a partir de um projeto literário da pedagoga Juliana James com alunos do 6º ano do Colégio Cave, no Centro da cidade, o personagem já viveu diferentes jornadas ao longo dos anos. Na primeira edição, Tobias se perdeu pelas ruas juiz-foranas; na segunda, foi sugado por um livro mágico e conheceu autores locais. Agora, em sua terceira aventura, ele sai em busca dos atletas nascidos em Juiz de Fora. O novo livro será lançado nesta segunda-feira (13), em um evento voltado para as famílias, com uma sessão de autógrafos realizada pelos alunos. Posteriormente, exemplares serão doados a escolas públicas da cidade, onde as equipes pedagógicas desenvolvem atividades com as turmas do Ensino Fundamental I.

Juliana, que além de pedagoga também é pós-graduada em literatura infantil e juvenil, explica que a ideia do projeto surgiu do desejo de transformar a sala de aula em uma “oficina de histórias”. Segundo ela, o processo de criação é coletivo e começa de forma oral: os alunos se reúnem em roda e, em duplas, continuam a narrativa a partir do ponto deixado pelos colegas. “Esse processo estimula a escuta, a criatividade e a cooperação, além de mostrar que escrever pode ser uma experiência divertida e coletiva”, destaca.

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A pedagoga acredita que as crianças se envolvem mais quando participam ativamente do processo criativo, podendo imaginar e escrever sem medo do erro. O segredo está em transformar a leitura e a escrita em experiências afetivas e significativas, e não apenas obrigações escolares.

A importância de iniciativas como esta ganha ainda mais destaque diante da queda no número de leitores no país. A 6ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada em novembro do ano passado, mostra que apenas 47% da população com mais de 5 anos, cerca de 93,4 milhões de pessoas, se considera leitora. O levantamento também aponta uma redução preocupante: são 6,7 milhões de leitores a menos em comparação à edição publicada em 2019.

Telas: futuro, desafios e possibilidades da leitura

Os dados da pesquisa indicam que a concorrência com as mídias digitais e o desinteresse pela leitura são fatores determinantes para a queda no número de leitores no país. O levantamento mostra que boa parte das pessoas dedica o tempo livre a assistir televisão, vídeos ou acessar redes sociais. Em sintonia com esses resultados, o Anuário Abrelivros 2024 – O desafio da leitura aponta o uso excessivo de dispositivos eletrônicos e os baixos índices de alfabetização como os principais entraves para o desenvolvimento da capacidade leitora ao longo dos anos.

Na avaliação de Juliana, as tecnologias digitais transformaram profundamente a maneira como as crianças percebem e interagem com o mundo. “Hoje, elas convivem com múltiplas telas, sons e imagens desde muito cedo. Os livros precisam disputar atenção com um universo repleto de luzes, cores e estímulos intensos”, observa.  Ainda assim, a profissional defende que a literatura continua sendo indispensável, especialmente por proporcionar à criança uma vivência única de tempo, imaginação e sensibilidade, elementos que o ambiente digital nem sempre consegue oferecer. Segundo ela, enquanto os desenhos, muitas vezes, colocam a criança em uma posição passiva, a leitura estimula uma participação ativa, convidando a construir cenários, vozes e significados com a própria mente.

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Uso excessivo de dispositivos eletrônicos e os baixos índices de alfabetização são entraves para o desenvolvimento da capacidade leitora, conforme estudo (Foto: Pexels)

Juliana destaca, contudo, que o objetivo não é demonizar a tecnologia, mas usar de forma crítica e construtiva junto ao processo de formação leitora. Ela explica que vivemos em uma cultura multimidiática, em que diferentes linguagens se entrelaçam e criam novas possibilidades de leitura e produção de sentido. Nesse cenário, ferramentas digitais como livros interativos, podcasts de contação de histórias, animações baseadas em obras literárias e plataformas colaborativas de escrita podem ampliar o interesse das crianças pela leitura. Para isso,  ela pondera que é essencial que escola e família atuem juntas, equilibrando o uso das telas e promovendo experiências presenciais que despertem o prazer de ler. “A tecnologia não substitui o livro, mas pode fortalecer sua presença, quando usada com propósito”, conclui.

Além do trabalho desenvolvido pelos professores e  responsáveis, para reverter a queda nos índices de leitura, o poder público precisa fortalecer políticas de incentivo para todos. Uma das principais iniciativas nacionais nesse sentido é o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), criado em 1985 e coordenado pelo Ministério da Educação. O programa garante a distribuição gratuita de obras didáticas e literárias a escolas públicas e, nos últimos anos, passou a incluir o PNLD Literário e o PNLD Educação Infantil, voltados à promoção da leitura desde a creche e a pré-escola.

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Em nota, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) informou que o município participa do PNLD desde 2002 e que todas as unidades de Educação Infantil e Ensino Fundamental da rede municipal já foram contempladas com acervos literários e informativos. A Secretaria de Educação avaliou que o programa tem ampliado o acesso aos livros e consolidado a leitura como prática pedagógica. Para 2026, a pasta prevê o lançamento dos projetos Vivência Literária e Leitores e Autores na Educação Infantil, com foco na integração entre leitura, arte e formação cidadã.

Clássicos da literatura infantil ainda têm o que dizer?

‘Quando uma mãe, pai ou responsável lê para uma criança, não está apenas ensinando palavras, mas oferecendo o mundo pela palavra’, diz Juliana James (Foto: Reprodução redes sociais)

De tempos em tempos, volta à cena o debate sobre a importância de ler os clássicos da literatura, e os livros infantis não fogem da discussão. Obras escritas em outros contextos históricos costumam trazer expressões e visões de mundo consideradas hoje inadequadas, o que leva parte do mercado editorial a propor revisões e adaptações. O tema ganhou força em 2019, ano em que a morte de Monteiro Lobato completou 70 anos. Desde então, suas obras estão em domínio público, o que abriu espaço para novas edições e interpretações, algumas com alterações em trechos considerados ofensivos.

Para a pedagoga Juliana James, os clássicos seguem essenciais porque preservam símbolos e conflitos humanos universais, que ajudam as crianças a compreenderem a sociedade em que estão inseridas. Ela lembra que histórias como “Chapeuzinho Vermelho” e “Sítio do Pica-Pau Amarelo” tratam de temas como medo, coragem, respeito e justiça, questões que continuam atuais, mesmo em novos contextos. Juliana defende que, em vez de restringir ou reescrever os textos, o caminho é contextualizar e mediar a leitura, especialmente no ambiente escolar. Para ela, os clássicos também podem ser revisitados por meio de novas linguagens, como ilustrações, música, teatro e leitura compartilhada, sem perder sua essência.

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Para começar em casa 

Além das políticas públicas e do trabalho desenvolvido nas escolas, Juliana destaca que o incentivo à leitura na infãncia  começa antes da alfabetização. Para ela, o processo pode e deve ser estimulado “desde a barriga”. As crianças, explica, “leem o mundo muito antes de decifrar letras, escutam o tom da voz dos pais, leem gestos e expressões”. Por isso, o mais importante é que cresçam em um ambiente onde os adultos leem, contam histórias, cantam e conversam.

Como orientação prática às famílias, Juliana preparou um “mini guia para os papais”, com ações simples que podem fazer grande diferença: ler em voz alta para as crianças, ainda que por poucos minutos diários; contar histórias da própria infância ou inventadas; deixar livros e revistas ao alcance das mãos; visitar bibliotecas e feiras de livros; e, sobretudo, demonstrar prazer na leitura, sem transformá-la em obrigação.

Ela ressalta que a leitura compartilhada vai além do aprendizado, cria vínculos afetivos e estimula o desenvolvimento da linguagem e do pensamento. “Quando uma mãe, pai ou responsável lê para uma criança, não está apenas ensinando palavras, mas oferecendo o mundo pela palavra.”

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*Estagiária sob supervisão da editora Gracielle Nocelli

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