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‘A direita autoritária brasileira não foi levada a sério’, defendem pesquisadores

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“Fauzi herói”. Em tinta branca estava a inscrição na manhã do dia 24 de abril deste ano, no muro do Consulado da China, no Bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro. Logo acima, em letras menores, outra pichação: “Vírus comunista”. A agressão fazia referência a Eduardo Fauzi, foragido na Rússia após ter sido identificado como um dos autores do ataque à sede da produtora Porta dos Fundos. Ele se apresentava como integrante de um grupo neointegralista brasileiro. Renovação do movimento iniciado em 1932, em diálogo com o fascismo do italiano Benito Mussolini, o grupo de Fauzi radicaliza o que nunca foi silenciado, apontam os pesquisadores Leandro Pereira Gonçalves e Odilon Caldeira Neto, que lançam nesta terça (14) o livro “O fascismo em camisas verdes: do integralismo ao neointegralismo” (FGV Editora).

Professor e pesquisador, Odilon Caldeira Neto estudou o integralismo e o neointegralismo em seu mestrado e, no doutorado, investigou a trajetória de Enéas Carneiro. (Reprodução)

Professores do Departamento de História da UFJF e referências no estudo do integralismo, Leandro e Odilon revisam, de maneira fluida e precisa, o percurso de uma ideologia que contribui para a compreensão da eleição de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018. Ao retratarem o fascismo no Brasil de ontem e de hoje, os historiadores jogam luzes sobre os dias que chegam, feito sinais de alerta. “É necessário compreender a história do fascismo não apenas como algo restrito e recluso nos anos 1930. Esses indivíduos, essas ideias, essas simbologias, essas questões que movem corações e mentes das pessoas que militam na extrema-direita são atuais”, pontua Odilon, coordenador do Laboratório de História Política e Social da UFJF e autor de “Sob o signo do sigma: Integralismo, neointegralismo e o antissemitismo”.

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Leandro investiga o pensamento e a trajetória de Plínio Salgado desde o mestrado e é autor de uma recente biografia do líder integralista. (Reprodução)

Conectados e ativos nas redes sociais, os estudiosos lançam a nova obra em webinar promovido pela FGV Editora, às 18h desta terça-feira, e mediado pelo jornalista Octávio Guedes, que assina o prefácio do livro. Em entrevista à Tribuna, os pesquisadores discutem o integralismo de Plínio Salgado a Eduardo Fauzi, contextualizam o governo do presidente Jair Bolsonaro e retratam a potência da internet para o fascismo na atualidade, fascismo esse sempre velho, desbotado e nunca distante. “O fascismo foi muito debatido academicamente nos últimos anos. O integralismo, nos últimos 20 anos, teve um crescimento de estudos acadêmicos de forma significativa. Mas é algo que ficou nas universidades. Nosso livro tem outra proposta: dialogar com a sociedade de forma geral, com um público amplo”, sugere Leandro Pereira Gonçalves, membro do Conselho Administrativo da Associação Internacional de Estudos Fascistas Comparados (ComFas) e autor da biografia “Plínio Salgado: um católico integralista entre Portugal e o Brasil (1895-1975)”.

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Tribuna – Há uma mudança de compreensão do termo fascismo com o passar dos anos?
Odilon Caldeira Neto – A terminologia fascismo se adequa mais fielmente ao nome que lhe dá origem, que é um movimento político, depois um partido político, e, em seguida, um regime, uma ditadura criada por Benito Mussolini, no fim da década de 1910 no século XX. De 1919 até 1922, o fascismo foi um movimento político. De 1922 a 1925, o fascismo italiano se transformou numa ditadura, que buscava controlar o Estado, a política, a sociedade, alguns aspectos religiosos, inclusive os próprios indivíduos. O fascismo se espalhou pelo mundo. Foi uma grande novidade política e acabou influenciando diversos movimentos de cunho conservador, autoritário e nacionalista. Cada um tentava se adequar às suas necessidades locais, seja às questões étnicas, políticas, buscando imprimir a sua prática. Ele se espalhou por diversos países, como Alemanha, Portugal, Espanha, França. O Brasil teve o principal partido e movimento político fascista na América Latina, que congregou centenas de milhares de militantes, a Ação Integralista Brasileira. O fascismo foi uma novidade política que articulou intelectuais e militantes e, a partir de 1945, se tornou um problema. Os fascistas vão tentar se categorizar de outras formas, buscar roupagens democráticas e se articular com outras tendências da extrema-direita. O fascismo deixa de ser exclusivamente uma questão política para ser um adjetivo para a desqualificação de oponentes.
Leandro Pereira Gonçalves – Um aspecto que acho muito importante para caracterizar o fascismo é entender que em torno dele existe a presença de uma forte base intelectual, ideólogos, pensadores que desenvolvem uma série de questões acerca do que se transformou o movimento fascista ao longo da história. É um movimento sólido conceitualmente e não foi impensado. E as características básicas são: a defesa do nacionalismo, em alguns casos a xenofobia, o estado orgânico, o anticomunismo, o antiliberalismo, o culto ao líder, a propaganda governamental dirigida a determinado objetivo, a presença de uma sociedade corporativa e o expansionismo territorial.

Qual era o papel de Plínio Salgado naquele momento no Brasil?
Leandro – O Plínio Salgado era justamente um grande intelectual, que nasceu no final do século XIX no interior de São Paulo e nos anos 1920 se colocou dentro do modernismo brasileiro, participou da Semana de Arte Moderna de 1922 e de um movimento muito sólido dos intelectuais conservadores no Brasil, que foi o Manifesto Verde e Amarelo, que teve Cassiano Ricardo, Menotti Del Picchia e muitos outros. Através de uma troca com outros intelectuais e lideranças políticas, principalmente europeias, foi estabelecido no país o movimento de cunho fascista Ação Integralista Brasileira, fundado em 1932, sob a liderança de Plínio Salgado. O integralismo é um movimento nacional, que visa o desenvolvimento e fortalecimento do Brasil, mas através de uma ótica de fora. Em 1930, o Plínio Salgado, que já era um intelectual consagrado no Brasil e reconhecido porque havia sido eleito deputado estadual por São Paulo, faz uma viagem para a Itália na qual encontra Benito Mussolini. Esse encontro é a peça chave para entender o que vai ser, em 1932, a Ação Integralista Brasileira.

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Plínio Salgado, o terceiro da esquerda para a direita, participou da Semana de Arte Moderna de 1922 e do polêmico Manifesto Verde e Amarelo, ao lado de intelectuais de peso, como Cassiano Ricardo e Menotti Del Picchia. (Reprodução)

O que foi possível conhecer e descobrir sobre Plínio Salgado que não foi dito enquanto ele esteve vivo?
Leandro – Os estudos não só sobre Plínio Salgado, mas sobre o integralismo brasileiro, são recentes. O integralismo tem sua força original de 1932 a 1937. Quando Getúlio Vargas decreta o Estado Novo, o integralismo é colocado na ilegalidade, o que não representa o fim do integralismo, mas da Ação Integralista Brasileira. O integralismo age na ilegalidade até 1945. Em 1946, o Plinio Salgado volta do exílio em Portugal e o movimento é rearticulado. Após a Segundo Guerra ele passa a utilizar o discurso antifascista, porque não tinha como defender o fascismo no pós-guerra e sobreviver politicamente. Plínio Salgado teve uma vida ativa politicamente durante todo o século XX, até o fim de sua vida, em 1975. Com a morte dele, entra um novo capítulo, e os estudos todos são novos. Até os anos 1970, 1980 e 1990, ninguém queria estudar o integralismo. Na verdade, a direita não era objeto de estudo acadêmico. O que identifiquei foi uma nova caracterização política em torno da vida pessoal dele, localizei a presença da intelectualidade portuguesa muito forte na formação do Plínio Salgado.

Capa da segunda edição da revista Anauê!, em 1935. (Reprodução)

Havia um desejo de que a Ação Integralista Brasileira assumisse a pasta da educação e cultura durante o governo Vargas. Esse interesse seria para conformar a educação e a cultura ao ideário integralista?
Odilon – Um elemento bastante importante para entendermos as relações políticas do integralismo com outros grupos da extrema direita e outros setores do conservadorismo, ou com a própria experiência histórica, é a crença dos integralistas na sua ideologia. Eles acreditavam que não era apenas um partido ou organização política, mas, antes de tudo, um conjunto de ideias, que buscava criar novos indivíduos, uma nova nacionalidade e novos arranjos políticos. Eles acreditavam que tinham a capacidade de formar organizações políticas, ler a realidade brasileira e, sobretudo, transformá-la. Quando eles se aproximam do processo que instaura o golpe do Estado Novo, e depois tentam se incluir dos processos de criação de agendas educacionais e culturais, fazem não apenas um cálculo político, de atores políticos se organizando em regimes. Além disso, eles tinham e ainda têm a crença de que têm a capacidade de transformar o mundo a partir das ideias e das práticas políticas derivadas delas. Eles queriam transformar o processo educacional e cultural sob a ótica integralista. Esse foi um movimento que não aconteceu apenas no Estado Novo. Se pegarmos a relação dos integralistas com a ditadura civil-militar iniciada em 1964, aconteceu um movimento similar. Se a gente olhar hoje em dia, percebe a inserção de alguns militantes integralistas em algumas pastas importantes para essa ótica moralista, conservadora e autoritária. Eu e Leandro costumamos dizer que a história do integralismo é de perdas, alguns ganhos e, sobretudo, de continuidade. Os movimentos e os partidos têm vida curta, mas seus militantes costumam militar pelo Sigma em toda a vida.
Leandro – O Plínio Salgado, quando jovem, nos anos 1920, antes de completar 20 anos, no interior de São Paulo, era professor e alfabetizava. Ele tinha um apreço pela questão educacional e desenvolveu o projeto integralista através da educação. Tanto é que, após 1964, quando era deputado federal, ocupou o espaço de relator na comissão de educação e cultura no Congresso Nacional, justamente para guiar determinados aspectos da educação brasileira. Ele é um dos idealizadores da disciplina educação moral e cívica, obrigatória no regime militar. Ter o controle dos meios educacionais sempre foi muito importante para os integralistas e não só para eles. Hoje observamos como a pasta da educação está sendo tão disputada para a sucessão do ministro (Abraham) Weintraub.

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“Ter o controle dos meios educacionais sempre foi muito importante para os integralistas e não só para eles. Hoje observamos como a pasta da educação está sendo tão disputada para a sucessão do ministro (Abraham) Weintraub”
Leandro Pereira Gonçalves, pesquisador e professor do departamento de história da UFJF

O que permite a chegada do integralismo ao século XXI?
Odilon – Podemos ler a atualidade do integralismo em dois pontos: pela conjuntura nacional e pelo próprio processo da articulação dos militantes neointegralistas. Na conjuntura nacional, temos um terreno muito fértil para posições conservadoras e autoritárias, que acabam agitando não apenas o próprio cenário do bolsonarismo em seus eixos estruturantes, no apelo ao homem médio, na defesa à propriedade privada e no direito do acesso às armas. O bolsonarismo, quando começa a propor ideias e práticas autoritárias e nacionalistas, acaba por intensificar certo discurso político que é partilhado para além do campo do próprio bolsonarismo. Os grupos ultranacionalistas de direita, os integralistas e os neointegralistas acabam transitando no mesmo meio. Se a gente vai entender a emergência de novas direitas no Brasil, embora o termo seja polêmico, conseguimos concordar que uma direita que esteve envergonhada durante a transição democrática após o fim da ditadura, atualmente se reivindica. A direita enuncia seu próprio nome, e os grupos se organizam em torno da terminologia. À medida que acaba tornando um terreno mais propício, intensifica a radicalização. Bolsonaro no governo não explica, necessariamente, a questão da atualidade do ideal integralista. É um terreno mais amplo que auxilia a construir o próprio bolsonarismo. O terreno que constrói o bolsonarismo é o mesmo terreno que possibilita a volta dos integralistas às ruas. Daí a segunda chave, no meu entendimento, da própria articulação desses grupos. Os integralistas, durante a década de 1930 e 1940, dialogavam uns com os outros. O campo fascista era relativamente hermético, fechado. À medida que temos o processo do neofascismo, do fim da Segunda Guerra Mundial e do Estado Novo, o capo fascista se torna mais fragmentado e tem menos capacidade política no sentido de articulação. Então, os indivíduos e organizações integralistas tiveram que buscar alianças e interlocuções com outros grupos da direita radical brasileira. Nesses casos vejo a capacidade dos grupos integralistas, que não ficaram restritos exclusivamente aos seus meios, não falaram apenas uns com os outros, não ficaram apenas reverberando como câmaras de eco. Os integralistas da atualidade acabam dialogando não apenas com grupos do neofascismo, com tendências do neonazismo, mas com setores conservadores, evangélicos e com o próprio bolsonarismo.
Leandro – Na história do integralismo, de praticamente 90 anos, em nenhum outro momento vamos ter uma força tão representativa quanto nos anos 1930, é o momento máximo, em que o integralismo estava presente em todas as cidades do Brasil, em todos os lugares, todos os meios sociais, desde o operário até a classe média, passando pelo empresariado, independentemente de sua base religiosa, econômica e étnica. Eram milhares de integralistas, inclusive em Juiz de Fora, onde foi fortíssimo. O integralismo dialogava com o contexto do fascismo europeu, o período entreguerras, com a ascensão de Hitler e Mussolini. Após a Segunda Guerra Mundial ele precisou ser reinventado, e passa a existir um discurso de uma democracia cristã, em nome de Deus, da valorização da família e da tradição. É uma democracia que é forte, não pode ser liberal e tem que defender a sociedade dos males. Em 1964, ele, de novo, tem que ser reinventado. Com a morte do Plínio Salgado em 1975, ele é, de novo, reinventado. O integralismo era a síntese da mente dele. Por isso a caracterização do neointegralismo após a morte de Plínio. Após esse momento, são várias as fases que vão culminar nos anos 1980 com a redemocratização. Não era um momento propício para o desenvolvimento de uma prática fascista, mas os integralistas conseguem manter vivos seus ideais, seja através da associação com grupos radicais, com os skinheads, com partidos políticos. Vários nomes importantes da política nacional dialogavam abertamente com os integralistas, como foi o caso do Enéas Carneiro, do Prona. Mais uma vez, agora no século XXI, o integralismo passa por reinvenções e vários grupos são organizados. Com as mudanças políticas dos últimos anos, principalmente a partir de 2016, com o impeachment de Dilma Rousseff, ele ganha uma nova forma de sobrevivência.

“Se a gente vai entender a emergência de novas direitas no Brasil, embora o termo seja polêmico, conseguimos concordar que uma direita que esteve envergonhada durante a transição democrática após o fim da ditadura, atualmente se reivindica. A direita enuncia seu próprio nome, e os grupos se organizam em torno da terminologia. À medida que acaba tornando um terreno mais propício, intensifica a radicalização”
Odilon Caldeira Neto, , pesquisador e professor do departamento de história da UFJF

Por muito tempo o Brasil viu em Enéas Carneiro uma figura quase folclórica, minimizando seu discurso. Reconhecem esse mesmo tratamento em relação a Bolsonaro?
Odilon – Quando a gente pensa a experiência do Partido de Reedificação da Ordem Nacional (Prona), que era conduzido pelo Enéas Ferreira Carneiro, muitas vezes a primeira lembrança que vem à mente é a imagem de Enéas em tons caricaturais. Aquela figura careca, baixinha, franzina, com óculos de larga espessura, longas barbas e gritando com propagandas de 10 a 14 segundos. A gente tem que entender por que a sociedade leu o Enéas daquela maneira, naquele momento. O Prona se formou em 1989, e a sociedade brasileira naquele período queria se afastar da experiência autoritária pregressa e se afirmar absolutamente democrática e tolerante, o que é tônica da nova constituição. O Prona, com Enéas Carneiro, para além da caricatura, tinha um discurso altamente autoritário, com teorias da conspiração, um modelo de família bastante conservador e a ideia de intervenção na economia. O Prona propunha para a sociedade tudo aquilo que ela queria esquecer. Muitas vezes era mais cômodo para alguns setores tomarem o Enéas como a figura da galhofa. Mas a questão não foi essa. É preciso entender o Prona em seu discurso político e as articulações que teve com outros grupos da extrema-direita, setores de militares da ativa e da reserva, grupos integralistas. Alguns grupos neonazistas dos Estados Unidos e da Argentina tentaram se aproximar. E aquelas ideias tinham apelo na sociedade. Enéas foi até muito recentemente o recordista de votos para deputado federal. A gente não consegue explicar esse recorde apenas pela questão caricatural. Sou levado a crer que muitas pessoas votaram nele porque acreditavam nas propostas radicais, conservadoras, autoritárias e moralistas. Quando a gente não discute essas questões, não leva a sério, não entende e não consegue perceber o fortalecimento dessas propostas. Depois da morte dele começou a existir um culto da figura de Enéas. Vários personagens políticos buscaram reproduzir seus trejeitos. Alguns até com barba grande e cabelo raspado. Um desses indivíduos que se aproximaram de Enéas em vida, mas sobretudo após a morte, foi Jair Bolsonaro, que quis trazer a ideia de Enéas como o melhor presidente que o Brasil jamais teve. Como ele não foi entendido à sua época, Jair Bolsonaro buscou se estabelecer como uma reprodução de Enéas para os novos tempos. Da mesma forma que Enéas Carneiro não foi levado a sério, poderia dizer que a extrema-direita, a direita radical, a direita autoritária brasileira não foi levada a sério até muito recentemente.

Enéas Carneiro e seu Prona, segundo Odilon Caldeira Neto, precisam ser compreendidos para além de suas caricaturas: “Sou levado a crer que muitas pessoas votaram nele porque acreditavam nas propostas radicais, conservadoras, autoritárias e moralistas”. (Reprodução)

Acreditam que o ataque ao Porta dos Fundos assumido por um grupo neointegralista e as recentes pichações no muro do Consulado da China no Brasil representam a força e o poder dessas ideias nos dias de hoje?
Leandro – No início do século XXI houve uma rearticulação do neointegralismo, principalmente com o advento da internet. O número de militantes aumentou, de pessoas tendo acesso ao que era o integralismo aumentou e, inclusive, houve uma diversificação em relação à idade. Nos anos 1980 e 1990 eram os mais velhos, herdeiros, ligados ao movimento do passado. O que vemos no século XXI é uma renovação, muitos jovens passam a fazer parte do movimento. Em 2004, eles fizeram um grande congresso para a união de todos os grupos no Brasil. Acabou não dando muito certo e o resultado foi a divisão, com vários pequenos grupos. Esses pequenos grupos dão a tônica do que é o neointegralismo no século XXI: pequenos grupos que agem, em muitos momentos de forma solitária, e em outros, de forma coletiva. Não só entre eles, mas com outros grupos neofascistas e autoritários que existem no Brasil e até mesmo com diálogo internacional. Nos últimos anos, o que observamos é uma radicalização de algumas práticas autoritárias. O ataque à produtora do Porta dos Fundos no dia 24 de dezembro de 2019 é um reflexo de tudo aquilo em que se transformou o neointegralismo. Em 2018 houve outro episódio também muito importante que foi o ataque que ocorre na Unirio. Um grupo neointegralista invadiu o centro acadêmico da universidade para queimar bandeiras antifascistas. O neointegralismo, a partir de 2016, ganha um caminho mais violento em algumas práticas, enquanto muitas estavam restritas às discussões, teorias, debatendo o passado. Até iam às manifestações. Na de 2013, eles estavam presentes. Nas manifestações contra a presidente Dilma, eles estavam presentes. Quando esses grupos vão para as ruas, temos uma nova fase, e o episódio marcante é o do ataque à sede do Porta dos Fundos.

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O fascismo atualmente existiria sem a internet?
Leandro – A internet é uma grande ferramenta para práticas autoritárias e discursos extremistas. Não é que antes não existisse, mas hoje todos têm voz e podem se expressar. Essas expressões são cada vez mais amplas e diversificadas, gerando, em alguns momentos, incompreensões. A internet contribui para uma radicalização em alguns aspectos, até mesmo pela possibilidade da disseminação de notícias falsas ou incomprovadas.
Odilon – Uma questão que temos que levar em consideração se formos pensar na formação intelectual de uma figura como o Plínio Salgado na chamada Era do Fascismo, é que existia uma circulação de ideias, de livros e pensadores. Se formos pensar nas ideias fascistas ainda na atualidade, elas continuam circulando, e utilizam a internet como uma forma de intensificação. Além disso, o discurso neofascista é proibido em muitos países, e a internet proporciona a circulação de ideias que em alguns países são colocadas na ilegalidade. A internet funciona como uma câmara de eco, em que as pessoas só ouvem a si mesmas e a seus iguais. Nesses momentos, os processos de radicalização política acontecem em todos os lados dos espectros políticos, incluindo a extrema-direita. Há diversos estudos que esmiúçam como a internet acaba fornecendo uma estrutura. Acontece esse encontro: o trânsito de ideias fascistas e neofascistas que vêm desde o século XX e agora estão digitalizadas e permanentes com a socialização da rede fomentando o processo de radicalização individual.
Nos anos 1930 existe uma formação de uma teoria, de uma organização, baseada na intelectualidade, na circulação de livros, discussão de conceitos e propostas literárias. Hoje, muitas discussões são baseadas no anti-intelectualismo. Não ler livros é a solução para muitas questões de definições políticas. Onde essas definições estarão? Em memes, posts de Twitter com poucos caracteres, outras formas de linguagem. Não existe uma discussão de fundo. E quando tem, são discussões com propósitos muito claros e pré-definidos.

“Hoje, muitas discussões são baseadas no anti-intelectualismo. Não ler livros é a solução para muitas questões de definições políticas. Onde essas definições estarão? Em memes, posts de Twitter com poucos caracteres, outras formas de linguagem. Não existe uma discussão de fundo. E quando tem, são discussões com propósitos muito claros e pré-definidos”
Leandro Pereira Gonçalves, pesquisador e professor do departamento de história da UFJF

Além da anti-intelectualidade, o que não há de velho e desbotado no fascismo hoje?
Odilon – Entre os aspectos do fascismo do século XXI que estão circulando nas sociedades globais e na sociedade brasileira estão as teorias da conspiração. Elas fornecem um elemento de leitura muito simples: cria-se uma trama, onde a realidade é muito simplória, e as figuras dos heróis e inimigos. Os heróis são aqueles que conseguem entender a existência das teorias. E os inimigos são aqueles responsáveis pelas criações das conspirações, seja por conta de questões como o anticomunismo, em algumas instâncias um antipetismo, ou em relações mais profundas como o próprio antissemitismo. São elementos caudatários de uma tradição fascista. Não são necessariamente fascistas, mas têm elementos comuns. Essa ideia de “nós versus eles”, e não “nós e eles”, é comum como expressão da extrema-direita, neofascismo, populismo, ou novas direitas – existe um debate entorno dessas denominações.
Leandro – Não podemos esquecer que um elemento, base sólida para o desenvolvimento do integralismo brasileiro, que é a principal expressão fascista da história do país, foi a questão religiosa. Não à toa o lema dos integralistas era: Deus, Pátria e Família. Expressões muito presentes na nossa sociedade contemporânea. Hoje, dentro de políticas partidárias e do próprio governo, há a presença de um cristianismo sólido. É um governo que utiliza o discurso religioso para uma finalidade política, algo que já era feito nos anos 1930. Não é uma simples coincidência que o partido encaminhado pelo presidente Jair Bolsonaro (Aliança pelo Brasil) tenha como lema Deus, Pátria e Família, o mesmo lema dos integralistas nos anos 1930. Por isso, a questão simbólica é realmente muito importante. Tem questões que foram apagadas em relação ao fascismo do passado, mas existem elementos conceituais que permanecem e estão sendo ressignificados dentro do nosso novo contexto de vida.

Uma história do fascismo à brasileira: livro parte do pensamento de Plínio Salgado em 1932 e chega às pichações em reverência ao integralista brasileiro Eduardo Fauzi em abril, já durante a pandemia no Rio de Janeiro. (Reprodução)

É possível classificar o governo de Jair Bolsonaro como fascista?
Leandro – Acho que classificar como fascista é muito precoce. Estamos num governo de um ano e meio. É inevitável observarmos a presença de práticas e elementos fascistas, não só do governo ou do presidente, mas da própria militância. Bolsonaro é uma coisa e bolsonarismo é outra. O fim do mandato do presidente possivelmente não representa o fim do bolsonarismo. São heranças estabelecidas que vão criar uma ótica da manutenção de ideias próximas do fascismo: a mobilização, a defesa de uma propaganda dirigida, o controle de determinados veículos, a organização de milícias. Esses são exemplos do que o fascismo possuía também. Estamos num ambiente democrático, pode estar havendo tentativas de ameaça à democracia, mas ela ainda permanece de pé e creio que as instituições precisam defender por essa manutenção.
Odilon – O fascismo, mais do que ser utilizado como um elemento para classificação ou mesmo adjetivo de desqualificação política, tem que se tornar uma categoria histórica para que a gente possa utilizar como lente para interpretar Bolsonaro. A gente propõe, inclusive, estudar o fascismo, o neofascismo, suas credenciais, estabelecer os alicerces fundamentais dessa ideologia política, para entender de que forma ela pode iluminar ou não a experiência atual brasileira. Vivemos o calor do momento, e a denominação e acusação de fascismo já foi aplicada a Bolsonaro, mas também a outros contextos autoritários no país. A ditadura já foi, em algum momento, classificada e denunciada como fascista. O Estado Novo, de Getúlio Vargas, também foi denunciado e classificado como fascismo. Isso não quer dizer que o fascismo seja uma questão de juízo moral. Os autoritarismos de todos os lados são ruins de qualquer maneira. O fascismo, mais que um adjetivo, tem que ser entendido como uma categoria histórica. Então, para ter uma certeza da classificação e da definição do Bolsonaro, tem que ter certo afastamento e um entendimento do que é o bolsonarismo, o governo Bolsonaro e o próprio Bolsonaro. Para mim é nítido que parcela da militância bolsonarista enxerga em Bolsonaro uma liderança de tipo fascista, aquele líder que vai acabar com os comunistas, com a esquerda, com homossexuais, com a imprensa livre e instaurar uma ditadura que vai remodelar, refundar, revolucionar a nação brasileira. É uma leitura das tendências mais radicais do bolsonarismo. O próprio bolsonarismo, em certa maneira o próprio governo, é uma mixórdia, uma miscelânia das tendências da direita brasileira. E elas estão agora, neste momento, em disputa, cada uma delas tentando impor suas agendas, suas perspectivas. A gente simbolizar e significar todo esse movimento constante de disputa interna em torno do fascismo talvez não nos dê a capacidade de analisar a questão da diversidade que compõe o bolsonarismo. Sou um pouco cauteloso, mas acho que devemos entender o bolsonarismo como um elemento que tem relações com o fascismo. Não que seja o fascismo, mas tem relações e pode, sim, desenvolver uma nova espécie de fascismo.

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Assista a entrevista na íntegra

Lançamento de “O fascismo em camisas verdes: do integralismo ao neointegralismo”
Nesta terça, 14, às 18h, on-line

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