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Tenetehara Instituto Cultural completa cinco anos como ‘espaço de resistência’

Tenetehara2 Leonardo Costa
Tenetehara Leonardo Costa
Um dos grandes destaques da casa é uma biblioteca, que foi construída pelo pai de Lu Kamirang (Leonardo Costa)
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Na Avenida Presidente Costa e Silva, número 2.776, no Bairro São Pedro, há uma casa rodeada de vegetação e que exibe logo na entrada um mural inspirado no “Abaporu”, de Tarsila do Amaral. Lá, são oferecidas aulas de teatro, de dança, de circo e também são feitas apresentações, exposições e shows, além de ter um café. Atravessando o jardim, já bem perto da casa, dá para ver que há paredes pintadas fazendo referência ao ritual do Alto Xingu, o Kuarup, em que as pinturas homenageiam os antepassados mortos. Nas paredes dos cantos, é possível ver bandeiras latino-americanas, nomes de povos originários e também muitas cores, estampas, redes. Há dois gatinhos, ainda, Violeta Parra e Pablo Neruda, que moram por lá. Para Estela Loth, uma das fundadoras, o instituto cultural que vive ali e que se estabeleceu em Juiz de Fora pode ser definido por uma palavra: “resistência”.

Ela explica que o Tenetehara surgiu quando um grupo de amigos, que faziam teatro juntos, passaram a ter a vontade de se reunir em um espaço que celebrasse a cultura dos povos originários. A princípio, eles não pensavam que seria possível ter uma casa por questões financeiras e organizacionais, mas logo um administrador os ajudou e fez com que entendessem que, sendo uma organização sem fins lucrativos, poderiam se manter. Foi assim que fizeram e fazem, desde que começaram.

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“Queremos mostrar para as pessoas que o que é cultura não é só o que vem dos norte-americanos, dos europeus, dos imperialistas de modo geral. A cultura latino-americana, que está nas periferias e nos povos originários, também importa, e nós queremos colocar isso em debate e deixar isso vir à tona”, diz.

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A construção coletiva desse espaço o tornou o que ele é hoje: cada um trouxe uma coisa, como podia, e todos que frequentam o lugar sempre acrescentam algo próprio. Lu Kamirang, fundadora e presidente do Instituto, explica cada detalhe nas paredes, e conta até que muitas pessoas levaram para lá desenhos, obras e objetos que trazem de viagens pela América do Sul. Um dos grandes destaques da casa é uma biblioteca, que foi construída pelo pai dela, que tem 94 anos e é da etnia Guajajara-Tenetehara. Ele pesquisou ao longo de toda a vida sobre povos originários, tendo ali um acervo importante sobre o tema, que agora pode ser acessado por mais pessoas. O nome do espaço, inclusive, veio por sugestão dele. “Quando a gente estava pesquisando esses nomes, ele falou de Tenetehara, e vimos que a palavra significava ‘povo verdadeiro/povo íntegro’. É o que queremos cultivar aqui”, afirma.

Miguel Kamirang, filho dela, que tinha treze anos quando a casa abriu as portas, enxerga que é um local de potência e acolhimento para os artistas da cidade. “Além de ser tão pessoal pra mim e pra minha família, vejo que também é pessoal pra outras pessoas que frequentam”, diz. Ele sempre diz que essa casa é a sua casa. “Surgiu como um religamento da minha ancestralidade, renasço aqui dentro. Minha vida toma outro caminho a partir do momento em que tomo certas responsabilidades aqui. É a certeza de que nunca vou andar só”, diz. Depois de assumir cada vez mais responsabilidades por lá e de se encontrar no meio artístico, resolveu estudar Cinema na faculdade. O espaço transformou quem ele é.

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Dificuldades enfrentadas

O aniversário de cinco anos, comemorados em março de 2023, foi uma data marcante para todos os envolvidos com o espaço. “Teve um peso completamente diferente, muito maior. Principalmente porque passamos por uma pandemia, que foi muito difícil, e por 2022, que foi muito duro pra gente também”, explica Lu. No Instituto, todos os professores são associados, não há funcionários que trabalhem lá no dia a dia e, entre eles, fica muito claro que há uma falta de reconhecimento dentro da cidade sobre o potencial que o espaço tem. Em um momento de tantas incertezas, tiveram até mesmo dúvidas se fariam algum tipo de comemoração. “Mas aí o Miguel falou pra gente fazer uma festa para marcar esse recomeço”, conta ela.

Além de uma festa, também escolheram fazer uma pajelança, porque esses últimos anos, como explicam, não foram difíceis só para o Instituto. Os povos originários, principalmente, passaram pelas maiores dificuldades. “Trouxemos três indígenas Fulni-ô, que é uma etnia de Pernambuco. Teve esse momento pré-festa, pra pensar por que a gente está aqui, por que estamos pensando nos povos originários, pra falar sobre isso e valorizar mesmo esse momento”, explica. Em seguida, todos que fazem parte dessa história se uniram e, juntos, se dispuseram a comemorar toda a luta que tiveram para que o espaço permanecesse. “Foi um momento de pessoas que sonharam juntas com a casa, que trabalharam aqui, que doaram coisas pra gente, que ligavam pra gente quando podia. Foi muito especial, foi uma virada de chave depois da pandemia. Nós somos fortes, conseguimos chegar até aqui”, diz.

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Importância ancestral e novos planos

Ao completar esse aniversário importante de cinco anos, o Instituto Tenetehara também olha para o futuro, e pensa no que ainda pode fazer. “Uma coisa que eu acho que ainda está faltando aqui na casa é a questão do atendimento à população carente ao redor”, explica Lu. Eles estão se organizando para encontrar empresas que adotem alunos oferecendo bolsas para que eles possam fazer as atividades e oficinas oferecidas, e os professores também possam receber devidamente por isso. “É difícil, porque dependemos de patrocínio para isso. Mas sentimos essa falta e queremos muito fazer”, explica.

O lugar, para ela, é a possibilidade de continuidade. Pediatra, Lu recebe muitas perguntas de por que se dedica tanto a esse espaço, inclusive indo para lá tarde da noite para cuidar da casa ou acordando mais cedo para qualquer ajuste. “Eu mesma me pergunto por quê. Acho que é porque é nisso que eu acredito em relação à minha família, à minha ancestralidade. Eu quero falar sobre isso pelo resto da minha vida, então quando eu falo do Instituto, de certa forma, falo também de mim, dos meus filhos, e vou falar ainda dos meus netos”, explica. É uma memória que fica, em uma cidade que quase sempre opta por esquecer o passado. E acrescenta: “Lutar para esta casa estar viva é lutar por essa ancestralidade, pelo povo tenetehara, por aqueles que são verdadeiros. Meu pai vai um dia, mas o cheiro dele vai estar ali, naquela biblioteca”.

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