Era um sábado qualquer e eu dividia o uber com meu amigo Pedro. A gente falava de algum disco lançado na época, se não me engano o último da Gal Costa. E ele disse: “Você já ouviu Duda Beat? Você vai amar”. Baixei o disco no Spotify na hora – essas coisas que a modernidade nos proporciona -, mas seguimos para a festa que íamos, e não escutei por algum tempo. Algum tempo depois, Duda chegou aos meus fones e foi ficando, parecia uma amiga me contando, mas com o irresistível sotaque recifense e batidas entre o regionalismo e um pop-eletrônico-descolado, sobre uma das dores pela qual quase todo mundo – pelo menos nós mortais, longe do Olimpo, sim – passamos na vida: a de cotovelo, do pé na bunda, do coração partido. Mandei uma mensagem para o Pedro: “Não paro de escutar Duda Beat”, à qual ele respondeu: “Sabia”.
E é justamente sobre essa “sofrência” – termo apropriado pela música sertaneja mas que transborda para todos os gêneros musicais – que Eduarda Bittencourt, Duda Beat, quer cantar, em seu trabalho assumidamente autobiográfico. “Acho que canto sobre sofrimento porque tudo hoje é tão fluido e acelerado e eu não me encaixo nesse tipo de amor que não tem apego, não tem uma troca profunda, e no disco eu resolvi colocar para fora essa insatisfação. Sempre me apaixonei por quem não queria compromisso, se envolver, e sofri muito por isso”, diz ela sobre as canções de “Sinto muito”, seu álbum de estreia.
Autobiográfico até de forma metalinguística, o disco é produzido por Tomás Troia, amigo de Duda desde que ambos tinham 13 anos de idade e, há cerca de dois anos, namorado da cantora. “Foi maravilhoso construir o disco com ele, nossas influências musicais vêm de perspectivas muito parecidas, então ele captou totalmente o que eu queria. E o Tomás é um grande profissional, arranjador, ver esse filho nascer e depois nossa relação vir disso foi lindo. Acordamos juntos todos os dias e lutamos para que o dia não passe despercebido, porque trabalhamos muito, estamos sempre fazendo alguma coisa, e sabemos o valor do que temos”, diz ela.
“Sinto muito” tem co-produção de Lux Ferreira e Patrick Laplan, e as letras são todas de Duda, que se inspirou em relacionamentos passados. Na própria ordem das faixas, é possível perceber a trajetória de alguém que transformou a dor narrada no início do álbum – como a de “Bédi Beat” (“das vezes que eu ria era vontade de chorar”)- em um hino de amor próprio, como “Bolo de rolo”. “Meu disco é totalmente feminista. Por um lado, ele demonstra sim a fraqueza de uma mulher – que sou eu, no caso – mas também seu empoderamento. Em ‘Bolo de rolo”, eu digo que ‘não vou buscar a felicidade em mais ninguém’. Porque e felicidade está em cada um de nós. E ser mulher é foda, meu disco reflete essa transformação de alguém que pegou o sofrimento e transformou em algo engrandecedor para ela. Não tem como não dizer que não é feminista. E feminino também”, pontua.
Mix de referências musicais
Outro aspecto marcante no trabalho de estreia, além da temática, é um pastiche de referências musicais, que flertam com ritmos nordestinos, eletrônico, manguebeat, tecnobrega, o amplo leque de que é feito a MPB e notas indie-oitentistas. “Para mim é importante manter o que me formou musicalmente, e muito disso está em Recife. Cresci ouvindo frevo, maracatu e até axé, que apesar de ser baiano era muito forte. Além disso tem pagode, samba, coisas que ouvi muito durante toda a adolescência e ter no meu trabalho é muito verdadeiro, mostra realmente quem sou. Reconheço muito a influência de artistas como Lenine, Alceu Valença, Nação Zumbi, e também artistas internacionais, como a colombiana Kali Uchis, Sade, muita coisa dos anos 1980… é um mix.”
Chegando a Juiz de Fora pela primeira vez nesta sexta (15), Duda fala sobre a importância da relação que tem construído com o público para sua carreira. “Costumo dizer que não são meus fãs, são meus amigos. Tenho muito feedback deles sobre o disco, sobre como as músicas ajudaram a superar o fim de um relacionamento, de um casamento, esse é o verdadeiro sucesso do meu trabalho. Quero ser lembrada como uma artista que se doa, que meu trabalho seja significativo na vidas das pessoas, que elas ressignifiquem o que eu faço e isso seja transformador em suas vidas.” Ao que parece, a artista está no caminho certo. Em 2018, Duda levou o prêmio de revelação em 2018 pela Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA), além de ter sido indicada na mesma categoria nas premiações Women’s Music Event Awards e SIM-SP. Com o hit do álbum, a irresistível “Bixinho”, ela levou o Prêmio Spotify SIM São Paulo na categoria de Música do Ano, empatada com ninguém menos que a entidade Elza Soares, com “Banho”, no prêmio da crítica.
Sobre projetos futuros, Duda, apesar de estar em festa com o ótimo momento profissional e pessoal, garante: “vai ter sofrência sim (risos)”. “Foram dez anos da produção dessas músicas ao longo da minha vida, então tem coisas de sofrimento sim, mas acho que o próximo será um disco de transição, em que eu estou saindo da tristeza e experimentando pela primeira vez um amor correspondido, que é o que eu tenho com Tomás, de respeito, carinho, então as músicas caminham para isso. Mas eu sofri muito, viu?! (risos)”. Gente como a gente.
Duda Beat
Dia 15 de fevereiro (sexta)
Cultural Bar
Av. Deusdedit Salgado 3955, Teixeiras
Abertura da casa às 23h