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Prisca Agustoni ‘verdeja mundo’ com ‘Quimera’, novo livro do Círculo de Poemas

quimera prisca agustoni
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(Foto: Arquivo pessoal)
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A escritora suiço-brasileira Prisca Agustoni lança, neste mês, “Quimera”, livro da coleção Círculo de Poemas. A obra continua o trabalho realizado por ela em “O gosto amargo dos metais”, vencedor do Prêmio Oceanos e Prêmio Cidade Belo Horizonte e que trata de crimes ambientais em Minas Gerais. Dessa vez, o foco da poeta é a relação entre o humano e o não-humano, a partir de um olhar menos colado à perspectiva do homo sapiens sobre o tempo, as memórias e o mundo. Seja por meio de uma ressonância, de gatos incapazes de palavras ou de seres em metamorfoses, ela busca uma visão mais integrada sobre o mundo para chegar a noções coletivas, bem afastadas de um eu. Já no primeiro poema, ela lança a ideia principal, à qual se dedica continuamente: “Verdejar o mundo/ nem que seja na linguagem”.

A relação com a natureza começou a ser tratada com intensidade na obra de Prisca em seu livro lançada em 2022, e ela pensa “Quimera” como parte de uma trilogia na qual continua explorando esse tema. “Em ‘O gosto amargo dos metais’, isso acontece pelo crime ambiental, em como a natureza foi afetada por isso, e o humano se tornou quase um espectador daquilo. Mas o gosto amargo termina com uma ideia de esperança, apesar de tudo, como algo que germina. Onde termina esse, começa o ‘Quimera’.” A ideia, então, foi reposicionar o eu-lírico, deixando também o ser humano em outra perspectiva. “Não queria que o ‘eu-lírico’ fosse o dominador das cenas. Queria tentar criar um eu que fosse diluído, pulverizado entre a minha percepção e a presença das outras formas de vida”, revela. O livro, como um todo, busca refletir sobre um tempo que ainda estamos vivendo, e chega até os leitores quando essa relação com a natureza continua em xeque. “Acho que a vontade de escrever, a temática em si, é fruto do nosso tempo. A emergência e a urgência dessa temática. (…) O livro é um fluxo do tempo que a gente está vivendo.” 

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A obra, então, foi dividida em cinco seções, em que explora os aspectos dessa relação. Em “tempo verde”, que inicia o livro, ela trabalha a natureza vegetal e a relação da linguagem com um mundo verde; em “eu também sou a fera”, trata da relação dos seres humanos com os animais mortos, a partir da perspectiva de um taxidermista que pretende devolver a esses animais a eternidade; em “as quimeras”, trabalha o olhar para os animais e o dos animais para os humanos; já em “seres rupestres”, aborda um de seus temas de maior interesse: os fossos e minerais e como as histórias que carregam ainda se relacionam com quem somos. Por fim, em “céu extinto”, chega a um final para a obra ao olhar para o espaço sideral. 

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Para chegar nesse resultado, que traz poemas que incluem a história das orcas, do menor iceberg do mundo, do cemitério mais antigo do mundo e da vênus de Laussel, por exemplo, ela precisou “se abrir” para as notícias – e se deixam influenciar pelo que estava acontecendo ou já aconteceu no mundo e que deixaram marcas. “Ia vendo coisas nas redes sociais, jornais, livros, e ia anotando em um caderno, porque pareciam dialogar com uma das partes do livro. Eu me virei pra essas notícias, minha atenção voltou para isso, e elas foram aparecendo. Comigo costuma ser assim”, conta sobre esse processo. A linguagem é parte muito importante nesse caminho, e também aparece como elaboração ao longo de suas palavras. “Como a poesia é um instrumento que acolhe essas reflexões e o esgarçamento dessas relações, eu queria e ainda quero radicalizar isso. Quero que a linguagem seja portadora desses questionamentos, misture gêneros, o que é ensaístico, prosa, poesia, diário…”

Invasão verde

A escrita de “Quimera” pode ser resumida por uma invasão verde, que vai adentrando as frases, levando seres a se tornarem únicos, se fundindo. “As raízes entram pela boca/ se enrolam na língua/ descem pela garganta/ anfíbia/ a voz/ míngua”, coloca, em um dos poemas. Essa temporalidade também foi trabalhada repensando o lugar ocupado por cada um no mundo, e inclusive assumindo uma perspectiva diferente do tempo. “Há uma tentativa de abrir a temporalidade para a percepção dos fatos, mas com uma forma de sentir, de perceber os fatos e o mundo, da forma que nos antecedem. Há determinadas coisas que todos os pássaros fazem para sobreviver. É uma ideia de ancestralidade que vem com a memória coletiva, que nos alimentam e nós alimentamos também.” 

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Prisca então busca tornar a presença do que é verde, no sentido literal e metafórico, como protagonista da fala, da linguagem e do olhar. “Deixar que o verde tome lugar, e não só no sentido bonito. Quem mora perto do verde sabe que é uma luta entre vidas. A gente invade, como humanos, mas se deixar, o verde também invade (…) Verdejar implica acolher, e acolher não é só o lado charmoso”, conta. Essa escrita também vai sendo tomada pelo verde, seja em que língua for. Como escritora de muitas línguas, Prisca já havia publicado parte do trabalho de “Quimera” em italiano, e também já tinha chegado a escrever outras partes em francês. A forma final, em português, também é responsável por transformações na história. “Eu pego esses textos que escrevi e de alguma forma não é só uma mera tradução. É como pegar um desenho, coloca por cima outro papel e copia, mas depois colore de forma diferente; eu vou a partir desse traçado modificando, adaptando de acordo com os ecos, as rimas internas, as imagens que são diferentes. Vou adaptando. (…) É como se tivesse um pequeno fogaréu para me ajudar a criar uma fogueira.”

Memória de quimera 

A memória também é trabalhada no livro sobre essas perspectivas que a natureza pode agregar, unindo tanto a floresta, quanto os fósseis e o espaço. “Me interessa muito essa relação com os fósseis, com o mundo da arqueologia e paleontologia, que nos leva a cavar naquilo que nos reenvia há milênios atrás e nos diz algo sobre nós. (…) A ideia de onde viemos e o que isso tem a ver com a gente”, conta Prisca. Esses marcos passados já tinham sido foco em “Rastros”, plaque lançado também pela Círculo de Poemas. 

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É também possível entender a memória sendo trabalhada mesmo pelo título do livro, que brinca com o sentido desse ser mitológico, meio monstro e meio humano, e ainda com o sentido do sonho, daquilo que é muito efêmero – mas que também pode ser uma visão de futuro, quase uma utopia. “Eu gosto dessa ideia de um ser metamórfico, de algo que vai se movendo no tempo”, reflete. “Na incansável reprise/ do humano que cogita/ dominar as estrelas/ mas é vencido/ pelo diminuto ferrão/ de uma abelha/ sob a pele”, traz um dos poemas. E ajuda a criar a ideia que é o centro de sua nova obra: “Na medida que a gente se cristaliza muito nessa centralidade humana, a gente vê o que estamos causando no meio ambiente. Vemos as grandes tragédias, de proporções cada vez maiores, se alastrando. Isso tem a ver com essa falta de visão. Há uma relação de causa e efeito nessas outras formas de vida que a gente não considera. São bons símbolos para pensarmos nosso tempo e a nossa relação com a vida”, finaliza.

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