A história de Wendell Pires começa ainda nos anos 90, no Bairro Bonfim, onde toda a sua família vive, próximo ao restaurante de sua mãe, o “Cantinho da Marcinha”. Seu avô e ele sempre escutavam em LPs e na televisão os sambas-enredo do momento, que eram uma grande paixão. Isso fez com que o pequeno Wendell, ainda com 3 anos, ficasse encantado. “Tenho memórias dele colocando as músicas e fazendo com que eu ficasse apaixonado por cada uma delas naquele momento. Ele plantou o samba no meu coração”, relembra. O que havia começado ali, no entanto, se prepara para mostrar suas raízes mais fortes anos depois, quando Wendell, aos 34 anos, no Rio de Janeiro, vai integrar a comissão de frente da Mangueira no desfile de 2024, em homenagem a Alcione, juntando-se a uma apresentação histórica que também irá marcar a sua própria trajetória. “Quero que a gente ganhe nota máxima e vou fazer por onde para isso, junto com todo mundo”, afirma ele.
No desfile, ele irá participar de um momento decisivo e bastante prestigiado: “A comissão de frente introduz o enredo. Tem o poder na mão dela de síntese, é um cartão de visita, em que você vai saber o que esperar do desfile e como ele vai se desenvolver. A Mangueira vai contar a história da Alcione, então é uma introdução para a história dela”. Após a morte de seu avô, no entanto, demorou bastante para que Wendell visse o samba como um caminho para ele. “Foi algo que ficou esquecido durante bastante tempo, porque não foi mais alimentado durante bastante tempo, depois que ele faleceu. Era ele que tinha esse espírito, e foi embora com ele”, conta. Com 14 anos, na escola, começou a fazer parte de um projeto de dança e se envolver cada vez mais, fazendo com que realmente aquilo se tornasse uma parte muito importante de sua vida. Na faculdade, cursou Educação Física na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e começou a dar aulas de dança e de zumba na cidade.
Em 2020, com a pandemia de Covid-19, ele precisou mudar o rumo que seguia já há 16 anos para continuar trabalhando, já que não era mais possível dar aulas presenciais. Para ele, foi um período especialmente triste, porque sentia falta das pessoas e da oportunidade que tinha em mudar vidas através da dança – tanto no sentido do impacto para a saúde física quanto para a saúde mental. Foi nesse caminho que conheceu tantas pessoas, como Janaína Ferreira, com quem desenvolveu um trabalho nessa área, inclusive com o “Zumba de Natal”. “Eu vivo disso, do contato, do calor, do carinho, da emoção. Minha carreira é essa e, quando me tiraram isso, me tiraram o chão. Foi um período muito difícil”, relembra.
Mas a oportunidade de estar na cidade carioca, apesar disso, foi fazendo com que ele despertasse o olhar para novas possibilidades. “Como já tinha essa memória do samba, na minha infância e adolescência, aquilo voltou pra mim. No Rio, o samba é muito forte, as pessoas são alucinadas pelas escolas, vivem aquilo ali na pele, são muitos sonhos e muitas mãos envolvidas. A comunidade e as escolas são uma simbiose, uma coisa só, é muito bom de ver. Por isso tenho muito respeito e sei que é uma responsabilidade muito grande”, conta. Em 2022, ele participou do desfile do Salgueiro e isso abriu algumas portas para que pudesse entrar de vez nesse universo. A audição para a Mangueira foi o passo seguinte.
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Processo de seleção e preparativos
Ele ficou sabendo da chamada para a audição da Mangueira através de um post no Instagram, e quis tentar, apesar de não ter muitas expectativas de que iria conseguir. “Eu não conhecia ninguém, não sabia muito nem como funcionava. O carioca tem o samba no corpo, a gente que é mineiro samba, mas é do nosso jeito, é diferente. Estou tendo a chance também de aprender”, ri. A sua experiência com o balé e com o jazz, no entanto, foram importantes para que conseguisse. Durante a seleção, que aconteceu no último final de semana de junho, havia mais de 200 pessoas buscando a chance de participar. “O processo começou às 14h e acabou às 21h. Foram três etapas, e foram cortando pessoas. A audição foi de samba, e a concorrência é muito alta. Acho que saiu de lá todo mundo meio esgotado, foi muito intenso”, relembra.
Os preparativos de ensaio para o carnaval na comissão já começam em novembro, todos os dias, e param apenas em dezembro na última semana de natal e ano novo. Em janeiro, recomeçam e não param até o carnaval. Para ele, além da Mangueira ser uma escola de samba com um histórico muito forte, o desfile de 2024 será especialmente marcante. “A escola está investindo muito na comissão do próximo ano, e estamos com grandes expectativas, pois parece ser um trabalho gigante. A Alcione e a Mangueira são muito grandes. Mesmo com a responsabilidade, acho que a gente tem a capacidade, mesmo, de fazer um trabalho muito bom”, afirma. Além de toda a torcida da comunidade local, ele também espera ter ao seu lado a cidade de onde veio, que pode comemorar essa conquista com ele: “Juiz de Fora é minha casa, minha cidade, o lugar que eu amo. Sei que a galera da Mangueira vai estar torcendo muito e muito emocionada com essa história, mas Juiz de Fora também está comigo”.
Enfrentamento do preconceito
Para chegar onde está, Wendell enfrentou bem mais que a concorrência por uma vaga na comissão de frente. “Ser um homem que gostava de dançar nos anos 2000 era um absurdo. Eu sofri muito bullying na escola, ainda mais por participar de um projeto escolar, não dava nem pra passar despercebido. Tive que escutar muita coisa”, conta. Mas esse mesmo projeto, o Ballet e Jazz Ira Cris, com Iramaia Nascimento, deu muita força para que ele encontrasse algo que amava e um caminho que quisesse seguir com tanto amor. Logo, ele mesmo passou a dar aulas para crianças e adolescentes.
Nessa época, no entanto, até mesmo sua família teve medo de que a dança pudesse ser algo que não iria lhe dar futuro. Mas quando viram que era algo que o deixava tão feliz e que inclusive motivou também seus estudos para a área da educação física, perceberam que valeria a pena tudo. “É possível fazer o que você ama, a sua verdade e chegar a lugares que você quer alcançar a partir do seu esforço e do seu estudo”, diz. Mas, para isso, como ele conta, foi essencial ter a base mais importante de todas: “A minha família ao meu lado foi essencial. Quando viram que era isso que eu queria, começaram a me apoiar e me blindar de tudo. Com isso, consegui evoluir, crescer e buscar meus próprios caminhos. Esse apoio era o que faltava, porque de fora já vinham muitos ataques. Com eles, vi que podia ser e fazer isso, e tudo foi fluindo”.