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Outras Ideias com Cristiane do Couto Mello

a transgenero cris dos brilhos posa em ensaio fotografico para divulgacao da parada divulgacao

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A transgênero Cris dos Brilhos posa em ensaio fotográfico para divulgação da Parada (Divulgação)
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A transgênero Cris dos Brilhos posa em ensaio fotográfico para divulgação da Parada (Divulgação)

“Mauro, querido, será que vocês poderiam utilizar as fotografias que fizemos numa sessão de fotos para a divulgação da Parada? É que essa semana a vida está muito agitada, é muita correria, e eu preciso estar como uma verdadeira rainha para aparecer no jornal.” Pedido aceito, afinal, não se deve contrariar a soberana. Ainda que me receba sem a coroa do ensaio fotográfico realizado no último mês, Cristiane do Couto Mello não perde a postura altiva que a faz representar, aos 48 anos, a derradeira Parada Gay de Juiz de Fora, cidade que abraçou como sua ao sair, aos 30, da pequena Senador Cortes (MG). Ao subir no trio elétrico, Cris Mello levará consigo a dignidade que sempre perseguiu, expressa em sua grande religiosidade, em seu carinho para com a família e em seu otimismo que lhe rendeu um apelido.

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“Um amigo de Senador Cortes me convidou para conhecer o Miss Brasil Gay. Fiquei deslumbrada e decidi que queria participar. Fui ao salão do Chiquinho Motta, e ele me falou: ‘Você tem muito brilho no olhar, sorriso radiante, meiguice, uma luz dentro de você. Já estou te batizando: Será Cris dos Brilhos, seu nome artístico dentro da festa’. Ele me colocou na Galeria da Beleza, que é um desfile dentro do concurso, no qual são apresentadas as personalidades do evento, como Rebeca Fellini, Baby Mancini, Fernanda Müller e muitas outras.”

Família

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O brilho de Cris surgiu do convívio com os quatro irmãos, na família de fazendeiros, num lugar de chão batido e muitas flores. O brilho brotou na certeza de que era preciso seguir mesmo nos desencontros que lhe foram impostos antes mesmo de sua chegada. “Meu pai faleceu às 6h da manhã, e eu nasci às 6h da tarde. Nós dois na Santa Casa de Misericórdia de Mar de Espanha”, emociona-se, correndo para mostrar a foto do casal Chrispim e Maria Amélia. No lugarejo onde tornou-se chefe de cerimonial da Prefeitura – “Comecei como relações públicas, por gostar muito de plantas e decoração”, conta -, estudou até o ginasial, quando foi preciso partir para a cidade ao lado. “Era preciso estudar em Mar de Espanha. Pegávamos um ônibus tão velho que, em época de chuva, ele agarrava na lama, e precisávamos ir a pé. Lembro-me de quando a porta do ônibus caía ao contornar a praça”, ri.

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Transformação

O brilho de Cris está na sensibilidade com que conta sobre as transformações de menina. “Foi tudo muito natural, e, por isso, não foi uma agressão para os olhos da sociedade. Sempre fui loirinha, de olhinhos verdes, magrinha, bonitinha e andava bem menininha. Não sabia o que era uma travesti. Vivia o perfume da juventude. Meu cabelo foi crescendo aos poucos. Com as roupas, a mesma coisa, do batonzinho mais clarinho até fazer a silhueta na sobrancelha. Todo mundo foi notando a transformação devagarzinho”, diz. “Tudo era puro. Na adolescência, ia a exposições agropecuárias com minhas amigas e namorava os rapazes como se fosse uma mulher, morrendo de medo de eles descobrirem meu órgão sexual masculino”, completa ela, que, ao conhecer Juiz de Fora, recebeu um convite para viajar à Suíça, onde fez curso de paisagismo e a cirurgia transexualizadora. “Internei-me, fiz a cirurgia e, 18 dias depois, vim para o Brasil e fiz um repouso absoluto de três meses. Fiquei sozinha e Deus, mas com um carinho muito grande das enfermeiras e do doutor, com quem tirei inúmeras fotos”, lembra, sorrindo.

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Religião

O brilho de Cris se faz em sua silenciosa e destemida luta diária. Ao retornar da Suíça, ela assistiu a uma palestra com um juiz na Rainbow Fest e tomou forças para se tornar a primeira transgênero da cidade a conquistar a troca do nome e do sexo em todos os documentos, inclusive na certidão de nascimento. Militante desde o surgimento do Movimento Gay de Minas (MGM), ela sempre se fez presente, no carnaval ou nas paradas. A força vem da fé. “Sempre fui muito católica e sempre gostei de decorar o altar, montar o presépio e ajudar no que for preciso. Hoje trabalho como cerimonialista da Paróquia São José. Vou à missa todos os dias”, orgulha-se a mulher cheia de colares e anéis, que tenta não se entristecer com o surgimento do incômodo vitiligo. Namorando há anos, Cris é romântica não apenas nas muitas flores que ostenta em casa, naturais e pintadas após aprender a manusear tinta a óleo, mas também na certeza de que tudo deve ter um final feliz. “Meu maior sonho é conseguir envelhecer saudável e bonita para cuidar das minhas flores. Quero me dedicar mais à minha paróquia, quem sabe fazer sapatinhos de lã para a obra do berço”, emociona-se a rainha, certa de que os contos de fada se fazem nos brilhos dos olhos.

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