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Abaixo a zona de conforto

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Nos célebres versos de Milton Nascimento, foi em troca de pão que "muita gente boa pôs o pé na profissão", pelos bailes e bares da vida. Embora a poesia da letra de Bituca seja incontestável, a realidade profissional da gente boa que se dedica à música em Juiz de Fora tem demandas que passam, sim, pelo pão – como melhorias na remuneração dos trabalhadores e as dificuldades de circulação da produção autoral -, mas tocam em questões muito mais amplas, como a necessidade de profissionalização de toda a cadeia produtiva da música na cidade, o fortalecimento da classe trabalhista como tal e o esforço coletivo para reposicionar Juiz de Fora como polo cultural na região e no país.

"Desde os últimos anos da década de 1990, vivemos uma época de retração da cultura em função do entretenimento, sobretudo na música.

Precisamos questionar porque iniciativas como os festivais nacionais de música no Cine-Theatro Central e o Som Aberto da UFJF, que trouxeram grandes artistas da cena nacional à cidade e eram voltados à divulgação da música autoral, foram desparecendo", observa o músico Fred Fonseca, que mediou junto a outros artistas a discussão destes e outros temas na retomada das atividades do Fórum da Música de Juiz de Fora na última segunda-feira.

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Um dos caminhos apontados para o fomento da apreciação musical é a busca de parcerias tanto junto a instituições públicas e privadas que já promovem iniciativas culturais (como a própria Funalfa, a UFJF e o Pró-Música) quanto junto a empresas instaladas no município. "Pode ser interessante discutirmos a viabilidade de realizar mais eventos para públicos menores do que atrações pontuais para grandes plateias. Os órgãos que já divulgam a cultura precisam estar atentos à assiduidade na oferta de atividades, muito mais plausível com eventos pequenos. É a partir disso que temos a formação de público e a demanda por mais iniciativas, tornando o trabalho dos artistas sustentável", opina o músico Roger Resende.

Outra preocupação manifestada no encontro foi a de descentralizar a oferta de atividades culturais na cidade, ocupando melhor os espaços públicos e ampliando o espectro de atuação dos artistas, estendendo ações para locais como o Centro Cultural de Benfica. "A cultura tem também um compromisso social, que deve oferecer um retorno à população, algo que é imprescindível quando se trata de obras financiadas por dinheiro público. Existem muitas praças hoje abandonadas que podem ser revitalizadas por meio de atividades artístico-culturais ou de espaços que possam abrigá-las", destaca Fred.

 

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Durante a reunião, foi proposto que os artistas organizassem projetos que possam ser direcionados a empresas em um catálogo com sugestões de parcerias para a realização de ações culturais. As atividades poderão ser financiadas ou apoiadas por meio da abertura de editais nestas empresas. "Podemos ir a estes possíveis parceiros e fazer uma apresentação sobre possibilidades de financiamento e leis de incentivo. A abertura de editais mobiliza não só a classe artística, mas movimenta outros profissionais relacionados à cultura, como curadores, produtores e prestadores de diversos serviços", observa a cantora, compositora e produtora Juliana Stanzani.

Parcerias podem ser também a saída para outro problema que é consenso entre os artistas: a distribuição e a circulação dos bens culturais. Recentemente, a Rádio Câmara, da Câmara Municipal, passou a veicular somente peças de músicos locais, algo avaliado como positivo durante o debate. "A circulação do trabalho por esta via, ainda que restrita, é uma forma de fortalecer nossa exposição na mídia. Mas precisamos sair da nossa zona de conforto para expandir as possibilidades de divulgação do trabalho. Já que a cidade hoje oferece total formação na carreira musical, dos conservatórios ao ensino técnico, chegando à universidade, é preciso criar meios para que possamos viver deste ofício", defende Fred Fonseca.

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Foi discutida, ainda, a principal lei de incentivo à cultura na cidade, a Lei Murilo Mendes, propondo que ela contemple parte da circulação dos projetos aprovados, ou de que alguma iniciativa similar abarque esta etapa da produção artística.

 

 

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‘É preciso estar atento e forte’

A necessidade de conscientização de toda a cadeia produtiva da música também foi amplamente discutida. "Casas noturnas, bares e restaurantes são locais importantes para a divulgação de trabalhos autorais e podem oferecer a via financeira para que os artistas produzam mais. O problema é que a grande maioria está em áreas residenciais, limitando a execução de músicas", destaca o instrumentista Daniel Manganelli.

Para Fred Fonseca, um dos problemas comumente enfrentados é o desconhecimento de donos de estabelecimentos, como bares e restaurantes, sobre as regras e as adequações para a inserção de atrações musicais em suas casas. "A grande maioria não possui um isolamento acústico adequado. Vale fazermos uma campanha para que estes locais se adaptem, com todas as informações sobre a necessidade disso e orientações para fazê-lo corretamente."

A taxa para o Ecad (Escritório Central de Arrecadação), pelos direitos autorais de cada música executada publicamente no Brasil, é outra questão sobre a qual os contratadores precisam de orientação. "O pagamento do Ecad é um estímulo para o músico se apresentar em determinado local, o reconhecimento do trabalho autoral, mas muitas casas não sabem da importância disso", destaca Roger Resende.

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A mobilização da classe artística, com uma possível reativação do sindicato da classe e o fortalecimento do Fórum da Música – que passará a ter encontros quinzenais – foi outro ponto central da reunião. "É preciso buscar novas ideias de mobilização, pautas efetivas relacionadas à nossa atividade profissional, para evitar o esvaziamento da discussão e do próprio Fórum", opina Edson Leão. Entre as alternativas propostas, foi aceita a criação de uma cartilha com um diagnóstico do panorama histórico, atual, e possíveis perspectivas da carreira musical em Juiz de Fora, que deverá ser apresentada tanto aos músicos quanto aos fomentadores da cultura local. "É importante deixarmos claro que este não é um documento fechado, mas aberto à discussão coletiva e à reformulação com a participação de todos", pondera o músico Marcelo Castro.

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