Ícone do site Tribuna de Minas

Saideira no Norte

PUBLICIDADE

Salinas fica longe. De Montes Claros até lá são 220km, o que dá umas três horas de viagem pela judiada BR-251. De Vitória da Conquista, na Bahia, são 260km. De Porto Seguro, também na Terra de Todos os Santos, são 490km pela mesma 251. De Juiz de Fora então… longe pra burro. São 900km rumo ao Norte de Minas, quase que em uma linha reta ao longo da qual a paisagem se transforma, a exuberância verde dos mares de morros dando lugar paulatinamente à paisagem árida do Vale do Jequitinhonha. De avião, haja conexão e sacolejo até Montes Claros, e depois encarar a 251. Mesmo assim, é destino obrigatório para quem gosta da marvada da cachaça.

Encravada em uma região pouco privilegiada em termos econômicos, Salinas é o paraíso dos apreciadores da branquinha. De lá vêm algumas das mais incensadas aguardentes de cana do Brasil – logo, do planeta. A estrela maior é a Havana, facilmente encontrada por R$ 350 a garrafa de 600ml (safras antigas podem custar até R$ 1.500). Mas há outros astros na constelação salinense, como Anísio Santiago – fabricada pela mesma família da Havana e, para alguns entendedores, impossível de diferenciar da prima rica -, Canarinha, Meia Lua, Brinco de Prata, Fascinação, Sabinosa e muitas outras que fazem de Salinas a autoproclamada capital mundial da cachaça.

A vida da cidade gira em torno da água que passarinho não bebe, a boa, a canjebrina, aquela que matou o guarda, a danada, a mardita, a amansa-corno, a piadeira, a chibatada, a arrebenta-peito. Salinas tem o primeiro curso de Tecnologia em Produção de Cachaça do Brasil, no Campus do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais. A maior parte da mão de obra formada lá encontra trabalho nos alambiques locais, o que tem assegurado maior qualidade técnica a todas as áreas da cadeia produtiva da bebida. Não à toa, no ano passado a cachaça artesanal de Salinas recebeu o selo de indicação geográfica do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), que serve como uma garantia de procedência. “Salinas responde por apenas 3% da produção de cachaça do Estado de Minas Gerais, mas é responsável por quase 50% do ICMS arrecadado”, protesta o presidente da Associação dos Produtores Artesanais de Cachaça de Salinas e Região (Apacs), Nivaldo Gonçalves, chamando atenção para o grande número de aguardente de cana sem procedência – e falsificada – comercializada no estado.

PUBLICIDADE

Um dos desafios mais urgente da Apacs é fazer jus, em termos turísticos, à fama que a cidade conquistou. As primeiras providências já vêm sendo tomadas. Em julho, Salinas sediou a 12ª edição do Festival Mundial da Cachaça, um evento que, se oferece boas oportunidades de negócios aos produtores e ajuda a reforçar a imagem da bebida, é um acontecimento ainda de repercussão regional, com shows musicais e exposição de produtos. No entanto, é a mais prática oportunidade de o turista conhecer a maior quantidade de cachaças em um mesmo local. As melhores marcas estão lá, enfileiradas em estandes bem decorados, livres para degustação. O difícil é o freguês, depois de experimentar 20, 30 rótulos diferentes, conseguir lembrar da que mais gostou. Menos mal que os copinhos são pequenos, como dedais de plástico transparente.

Outra ação de impacto foi a inauguração, em dezembro de 2012, do Museu da Cachaça. Com uma estrutura que não deve nada aos mais modernos pavilhões das grandes cidades brasileiras, o local oferece experiência multimídia e abriga antigos alambiques de cobre, engenhos, tonéis e dornas de madeira… enfim, toda a cadeia produtiva da cachaça é contemplada. A atração mais escandalosa é uma sala de espelhos com pé direito de 9m, cujas prateleiras ostentam aproximadamente duas mil garrafas de cachaça de Salinas. Outra experiência interessante é a Sala de Aromas, onde as bebidas correm em calhas, e o desafio é distingui-las pelo cheiro.

 

PUBLICIDADE

Infraestrutura modesta

O maior entrave para o desenvolvimento do potencial turístico de Salinas é a infraestrutura. Além da dificuldade de acesso, hotéis e restaurantes são precários, e visitar um alambique fora da época do festival é trabalho para monge, detetive ou mochileiro. O melhor é tentar agendar um passeio através da Apacs, que faz o que pode e o que não pode para atender os visitantes. Nivaldo Gonçalves reconhece as deficiências, mas aponta um horizonte melhor. “Queremos criar um roteiro turístico aqui, para que as pessoas possam se hospedar em uma pousada rural, passar dois, três dias, viver o dia a dia da fazenda, assistir ao processo produtivo básico da cachaça, comer o queijo mineiro”, enumera.

A Prefeitura de Salinas já disponibilizou também o espaço para a construção de um centro cultural e turístico na BR-251, para chamar a atenção de quem passa pela rodovia vindo do Centro-Oeste rumo ao litoral baiano, cruzando o Norte de Minas. O prefeito, Joaquin Neres (PT), o “Quincas da Ciclodias”, também entende que há muito o que melhorar em termos de infraestrutura para atrair turistas. “Você acessa a internet e não vê um hotel, não vê um alambique, nem o Museu da Cachaça. Nosso projeto é georreferenciar a cidade, para que as pessoas possam se programar para vir conhecer Salinas.”

PUBLICIDADE

Mas se peca em estrutura, Salinas tem matéria-prima de sobra. E não é só questão de cachaça: o material humano é de primeiríssima. Hospitaleiro como poucos, o povo salinense sempre está pronto a dar uma informação, uma dica, mostrar um caminho, uma garrafa, uma esquina. Em que outro lugar você esperaria que, na absoluta falta de táxi em circulação durante a madrugada, o dono do bar, às 3h, pediria a seu melhor e mais resistente cliente para levar os turistas em seu próprio carro até o hotel?

 

PUBLICIDADE

* Viagem a convite da Associação dos Produtores Artesanais de Cachaça de Salinas e Região (Apacs)

 

Sair da versão mobile