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Trio lança “Territórios circulares” no Fórum da Cultura

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Washington da Silva, Raízza Prudêncio e Matheus de Simone cursam o segundo ciclo do bacharelado interdisciplinar em Artes e Design e representam uma nova geração de artistas visuais atuantes e inventivos (Foto: Felipe Couri)
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“Sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar”, diz Riobaldo a certa altura do clássico “Grande Sertão: Veredas”, publicado pelo mineiro João Guimarães Rosa em 1956. “Viver é muito perigoso”, acrescenta o narrador. Em “Territórios circulares”, exposição que inaugura nesta terça, às 20h30, no Fórum da Cultura, três jovens artistas, todos estudantes do Instituto de Artes e Design da UFJF, parecem dizer o mesmo que Riobaldo: “O que ela (a vida) quer da gente é coragem”.

Entre galhos secos, um fértil corpo feminino busca a água, como retrata Raízza Prudêncio, modelo e autora da série “A salvo”. Num chão de terra rachada, uma casinha é fixada, como narra Matheus de Simone em seu vídeo “Oásis”. Na rocha estéril, plantas são inseridas vigorosas, como cria Washington da Silva nas fotografias da série “Sondas”. Amigos íntimos, contemporâneos e frutos de uma mesma árvore – a academia -, os três, simbolicamente, reurbanizam a Juiz de Fora na qual escolheram viver. Ajudam a florescer.

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“Tem essa paisagem seca nos trabalhos, mas não acho que essa aridez venha de uma forma somente problematizadora. Não revela uma opinião nossa sobre a cena, como se enxergássemos a cidade como predominantemente seca. Seria muito arrogante pensar assim, porque nossas relações foram produzidas aqui, nosso repertório está sendo formado aqui. A cidade não é árida. Pode se assumir árida em alguns momentos, mas não é todo o tempo”, defende Matheus de Simone, nascido no Rio de Janeiro, crescido em Cabo Frio e radicado nas Minas onde fortalece seu discurso artístico e pessoal.

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Ecologia íntima

Segundo Matheus de Simone, “é uma escolha tratar a vida privada como uma questão artística. Nós três lidamos com isso de diferentes formas”. Washington da Silva, em sonda, diz da família, de si e do lugar que ocupa ao retratar vasos de plantas. São sondas, entendidas como uma espécie de broca, que, “introduzida no solo”, faz o reconhecimento. “Fiz essas fotografias numa pequena depressão de uma rocha no Granbery. Trouxe as plantas da minha cidade, Carmo do Paranaíba, região do Cerrado. Acomodei nesses recipientes transparentes, isolando-as do meio externo e as fotografei nessa depressão, que descobri já ter servido a uma mineradora. Fiz essas fotos desses corpos do exterior, que sondam esses locais para possivelmente ocupar ou existir”, diz ele, como a retratar o próprio percurso. “Venho de uma família da agricultura. Aprendi muita coisa com meu pai. Utilizei uma técnica para manter essas plantas vivas em água. Trago a partir dessas experiências a presença da ecologia em minha vida”, comenta o artista, recusando a questão da exploração da autobiografia como uma preocupação. “Não é. São questões que vêm como se quiséssemos dar uma resposta às vivências.”

Toda nudez

Nua, próxima a uma cachoeira, entre árvores e galhos, em postura que remete à força, Raízza Prudêncio busca responder às próprias vivências, retratando-se como “guerreira”, sem ser mítica, mas sendo cotidiana. “Tem uma questão feminina muito importante nesse trabalho, da força da mulher, de questões pessoais e íntimas, do que nos rodeia e que é opressor”, pontua ela, dizendo fazer uma reverência à sua ancestralidade ao buscar “uma fertilidade da natureza que passa pelo meu corpo e volta para a natureza”. Longe de se apresentar como artifício ordinário, a nudez no trabalho de Raízza diz do que é natural e, portanto, robusto, como se questionasse as maneiras de existir.

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Em vídeo e texto que potencializam as imagens, Matheus de Simone também desenvolve indagação semelhante. “De que forma as noções de pertencimento recaem em nossas vidas, em nossas origens, sejam elas sociais, raciais ou sexuais?”, investiga, ao “construir” uma pequena casa sobre a aridez – nas imagens, uma mão retira todas as placas de argila de um chão seco, mantém apenas uma, onde coloca uma casinha de madeira com telhado vermelho. Diferentemente de seus trabalhos anteriores, não mostra o rosto na nova obra. Mas mantém-se nu. “Tudo é sexual. Essa casinha pode ter muitas possibilidades. Pode ser um pertencimento afetivo, sexual”, pontua.

Repletos de um denso discurso, os trabalhos são compreendidos tanto da beira quanto do fundo. “O trabalho é superacadêmico, mesmo quando tenta alfinetar algo de fora da academia. Estamos inseridos em vários grupos de pesquisa na universidade e ocupamos espaços no Instituto de Artes e Design. Certamente isso reflete a forma como nos posicionamos em nossa profissão. Nada é feito sozinho, ilhado. Há uma reverberação”, assume Matheus. “Os trabalhos não inventam a roda, mas recriam espaços”, defende Raízza. “Fala muito da gente, enquanto três artistas jovens, tentando se situar num circuito na cidade, que durante um tempo se mostrou ser árida, mas, na verdade, tem uma fertilidade, mesmo que inventada”, explica Matheus, referindo aos territórios democraticamente circulares que recriam para dizer, em uníssono, que eis aqui um grande sertão frutífero.

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