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Serenatas a domicílio dão sobrevida a músicos locais

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Alexandre Moraes encontrou nas serenatas “delivery” uma válvula de escape diante da ausência de shows e aulas de violão (Foto: Hiram Azevedo/Divulgação)
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Alexandre Moraes de Siqueira, 54 anos, vive apenas do que a música lhe dá, dos encontros mesmo. Apresentava-se em bares e casamentos, e dava aulas particulares de violão. Mas os bares perderam as apresentações ao vivo e quase ninguém se casou devido à pandemia de Covid-19. “Nós, músicos, não apenas da noite, mas de projetos, e professores de instrumentos perdemos muito a questão monetária”, afirma Alexandre. “Então, abriu-se a possibilidade de fazer as lives. Só que à época fiquei pensando o que faria, porque não tenho muita prática com a internet. E, ao mesmo tempo, era uma live atrás da outra.” Além disso, ficar em casa, sozinho, fazendo lives, é algo muito frio, considera o músico. “Eu não queria perder o contato humano de alguma maneira, perder a essência do artista, de estar ali olhando para os olhos de outra pessoa.” Alexandre, então, depois de muito matutar, resgatou as serenatas, mas em duetos. Um serviço a domicílio contratado para presentear o amado ou amada com repertório a gosto durante 30 minutos. “Já pediram desde Pedro Infante até Vicente Celestino.”

As serenatas a domicílio, batizadas como Projeto Ser-Estar, reuniriam a necessidade por uma renda emergencial àquela por manter o contato caloroso com outras pessoas. “No início da pandemia, até continuei (as aulas de violão) com alguns alunos, mas não me adequei ao formato on-line. Não achava legal, então suspendemos”, relata. Só que, entre as últimas apresentações em bares e eventos e o Ser-Estar, a transição foi rápida. “Em fevereiro (de 2020), trabalhei no carnaval, e, já em março, comecei o projeto. Fui entrando em contato com outras pessoas, divulgando o serviço. Não cheguei a ficar sem fonte de renda, mas a dificuldade de voltar a… eu tinha uma determinada renda, mas passei a ter apenas metade disso.” O primeiro fiador das serenatas foi o músico Vitor de Mello Caffaro, 41. Vitor já conhecia Alexandre por apresentações conjuntas em bares. “A ideia foi do Alexandre”, aponta.

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Ambos discutiam justamente a febre das lives, apresentações mediadas por telas, que, entendiam, eram a única saída. “Não estávamos empolgados com a alternativa. Eu sou professor, então já estava experimentando, por exemplo, dar aulas on-line para as crianças. Eram muitas novidades. Depois que ele mencionou o nome Ser-Estar, pensei comigo mesmo que o público deixou de ser o auditório, a plateia, para ser a varanda.” Ao contrário de Alexandre, Vitor não vivia apenas da música. Naquela ocasião, tinha um emprego fixo como professor na Paineira Escola Waldorf. “Estar ao lado do Alexandre foi decisivo para que eu fizesse parte das serenatas. Quando começou a pandemia, marcávamos de ensaiar e ficávamos horas conversando sobre música, composição etc.” Mas a renda lhe ajudou no fim das contas. “A minha esposa era autônoma. Ela dava aulas de piano e também perdeu os alunos.”

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Alexandre e Vitor chegaram a fazer mais ou menos 50 serenatas no último ano. A demanda é maior em datas comemorativas, como Dia das Mães, dos Namorados e dos Pais. Nos outros, a média é entre uma e duas por semana. “No ano passado, fizemos 12 serenatas apenas no Dia das Mães. Começamos às 9h e marcamos todas em horários fechados. Ficávamos meia hora por conta da serenata e outra meia hora por conta do trânsito”, detalha Alexandre. “Fizemos sete no Dia dos Namorados, outras quatro no Dia dos Pais. A demanda sempre acompanha as datas comemorativas do comércio.” Mas não há horário certo. “Na quarta-feira (2), fizemos uma meio-dia. Na quinta (3), às 19h. Não tem muita lógica. E já fizemos por toda Juiz de Fora também, Santa Terezinha, Bairu, Benfica etc.”

Harmonia e melodia

Vitor Caffaro (à esq.) e Alexandre Moraes (dir.) demandam aos clientes apenas um ponto de energia de 110v (Foto: Gabriela Machado/Divulgação)

Alexandre já se prepara para as serenatas neste sábado (12), no Dia dos Namorados. Só que sem a companhia de Vitor. O parceiro mudou-se para Campinas (SP) a trabalho no fim de 2020. Desde então, Alexandre conduz as serenatas sempre ao lado de outro companheiro. “É sempre harmonia e melodia. Eu assumo o violão na harmonia, acompanhado de algum instrumento melódico, como violino, saxofone e sanfona. O Vitor tocava a sanfona”, explica. “Além de ampliar o leque, contato outros músicos para entrar nesse giro de correr atrás da sobrevivência.” O músico Wendel Henriques, 46, passou a participar das serenatas com o saxofone neste ano, mas quem acompanhará Alexandre neste fim de semana será o violinista André Ravi, 35, parceiro de longa data. “Tenho um trabalho junto com o Alexandre há dez anos, que é o Duolhodágua, um trabalho de música instrumental. A minha entrada nas serenatas vem deste lugar, de conhecer o Alexandre há bastante tempo. Os nossos projetos sempre se comunicaram”, conta André. Assim como Vitor, André trabalhava como professor da Paineira Waldorf. Ele passou a participar das serenatas ainda em meados de 2020.

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Contudo, desde o ano passado, quando deixou a função, André tem apenas ministrado cursos próprios, como os de formação musical e de preparação para vestibular, especificamente voltados para o violino. “Os primeiros meses (de pandemia) foram muito difíceis, porque não sabíamos quanto tempo duraria. Sofri um impacto muito grande, porque tive muitos shows cancelados em casamentos ou então sem poder nos encontrar nas orquestras para ensaiar.” A sua renda sempre veio da música, ou, então, de algo relacionado a ela, como a atividade de professor na Paineira. “Depois, durante o período de adaptação e entendimento da pandemia, espantosamente ocorreu um movimento que, para mim, acabou sendo algo positivo, que foram os editais.” A serenata foi uma das maneiras pelas quais conseguiram se achar, afirma André. “Cada um está se arranjando como pode. As serenatas não são uma fórmula mágica, mas a gente se encontrou.”

Ainda que tenha nascido como uma fonte emergencial de renda, o Projeto Ser-Estar tomou fôlego ao longo do último ano a partir dos editais, conforme Alexandre. “Todo este processo que a gente reinventou trouxe frutos bem legais. Fomos atrás do dinheiro, mas estamos dando produtos culturais para o Município, para o Estado e para a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). As serenatas foram uma bola de neve cultural.” O trabalho foi contemplado pela Lei Aldir Blanc nos âmbitos municipal e estadual, bem como pelo “Janelas abertas”, da UFJF. Inclusive, em breve, Alexandre e Vitor lançarão um álbum apenas com autorais, viabilizado pelos recursos de incentivo à cultura. “Trouxemos a bordadeira para fazer a capa do CD e ganhar dinheiro também. Fizemos um projeto social em torno desse CD. Já que tínhamos a verba para gastar, quisemos distribuir para fazer o máximo”, pontua Alexandre, que ainda aceita “encomendas” para serenatas a domicílio para o Dia dos Namorados pelo WhatsApp (32) 98855-5846.

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