Em 5 de setembro de 2015, caía uma chuva fininha no Muzik, era fim de uma noite de inverno em Juiz de Fora, e pela primeira vez, ainda como estudante de jornalismo, fiz a cobertura de um show e entrevistei uma banda de rock que acabava de lançar seu primeiro disco — o EP “Songs from the orange”. Minha ainda breve história com o jornalismo musical acontece em paralelo à banda Basement Tracks. Mais coincidência ainda foi descobrir que a Basement começou em 2011, ano em que passei no vestibular para jornalismo já com intenção de seguir com a cultura, e a música esteve sempre ali mediando meus principais hobbies. Em consonância ao tempo que estou na Tribuna, Basement Tracks começava o processo de gravação do primeiro full album. Após um ano, no início da madrugada da última terça-feira (8), acompanhei o último ensaio da banda no Maquinaria antes do lançamento de “RAVE ON”, que estará disponível nesta sexta-feira (11) em thebasementtracks.bandcamp.com.
Dessa vez, o clima da conversa com Victor Fonseca (vocalista/guitarrista) Ruan Lustosa (backing vocals/guitarrista), Rodrigo Baumgratz (baixista), Lucas Duarte (baterista) e Ruy Alhadas (teclado) já foi entre amigos. Nos aglomeramos em uma mesa de bar do estúdio por volta das dez horas da noite, e perdi a noção do tempo da entrevista até sinalizarem o início do ensaio. A banda há meses está sem tocar para o público apenas se preparando para o show de lançamento do disco que acontece no sábado (19), repetindo a noite de projeções em parceria com Márcio Jorge no Café Muzik.
Um disco para testar caminhos inexplorados
“RAVE ON”, antes de tudo, tem um valor afetivo para a banda, é o nome de uma música antiga nunca gravada, mas em sentido literal quer dizer “delírio”. A melodia surge da guitarra, do baixo, do sintetizador korg, e, ao se transformar no formato final da música, com arranjos, riffs e linhas bem definidos, é carregada de efeitos com o objetivo claro de expandir os sentidos. Ruan usa uma guitarra carregada de chorus, que produz uma sensação de dobra, aumentando e sobrepondo sons, o teclado de Ruy também contribui para essa parede ruidosa.
Enquanto isso, a guitarra e os vocais de Victor são cheios de delay, transformando a música em uma atmosfera lenta e sonhadora. Já o baixo de Rodrigo é tocado de maneira tão suave, imprimindo uma característica naturalíssima em quem vê e ouve-o tocar em calmaria, apesar de ter referências mais obscuras. Lucas contorna a melodia, evidenciando as mudanças rítmicas das faixas, em sua bateria com pratos bem marcados.
“Neste disco, há mais variações ao longo das músicas. Começamos tocando de um jeito, aparecem nuances diferentes, há bastantes mudanças no andamento e no ritmo de uma mesma composição”, explica Lucas Duarte. “Isso reflete muito o delírio do título, porque às vezes a música está em um caminho e de repente ela dá um ‘pam’ e rola um negócio no meio dela, como se fosse um delírio. ‘Galaxies’ e ‘The Glow’ são exemplos. Mas a minha maior preocupação é tentar soar natural e não pensar: ‘agora vai chegar a parte esquisita'”, complementa Victor.
Como era a primeira vez que davam uma entrevista sobre o “RAVE ON”, o momento tornou-se, também, um diálogo entre os próprios integrantes, que ali revelavam uns para os outros algo que em seus ensaios acabava passando batido. Ninguém sabia, por exemplo, que a capa escolhida pela Basement Tracks foi a última de 16 experimentos de Rodrigo Baumgratz, que além de baixista é ilustrador e design. “O EP tem um lado da banda, mas deixava algumas facetas de nós de lado, já o álbum tem todos, então ele é mais completo”, dizia Rodrigo, seguido de uma pergunta retórica: “Vocês concordam?”.
E no instante que relembravam como surgiu a ideia de uma canção, foram descobrindo as inspirações uns dos outros. “Eu queria muito compor no violão, eu já tentei uma vez”, disse Victor após eu perguntar sobre como algumas músicas surgiram, até que lembrou: “Aliás eu compus ‘Sun Kissed’ no violão!”. Ruan ficou perplexo. “Você fez aquele riff no violão?”, perguntou. “Sim!”, respondia o vocalista e guitarrista. “O Victor é muito doido né gente”, brincava Ruan, descobrindo as histórias por trás das próprias músicas da Basement. “Blooming inside”, por exemplo, é a colagem de uma introdução feita por Victor ao comprar seu Korg nos Estados Unidos, com o riff de um refrão já pronto há mais tempo. “Nesse disco, tem uma música que surgiu de uma forma diferente em relação ao que a gente costuma fazer, a ‘Galaxies’ nasceu de um riff de baixo criado por Rodrigo. Tem música que tem mais acordes, que é o caso de ‘Triangles’, que é sem dedilhado na guitarra”, conta Lucas.
Era uma coerência unânime de que buscavam uma sonoridade um pouco mais clean se comparada ao EP, que é muito mais carregado de efeitos. “Queríamos umas coisas mais bem definidas, para se escutar melhor os instrumentos. Não que o disco seja leve ou limpo, mas a gente tentou moderar nos efeitos”, conta Ruan dizendo que este foi um ponto de cuidado nos processos de mixagem e masterização realizado no estúdio NooA, no Rio de Janeiro, por Bráulio Almeida, já as gravações foram feitas em Juiz de Fora no Maquinaria. “No meu ponto de vista, falando sobre as músicas que eu trouxe para o disco e sobre o próprio momento de concepção do álbum, eu pensei mais em um disco de rock alternativo que em rock psicodélico. Os efeitos aparecem na hora que eles devem aparecer, mas ainda tem uma pitada, um respeito pelo o que a gente já fez”, explica Victor. E por mais que as músicas continuem longas, a intenção foi a de ir mais direto ao ponto e ter menos minutos de “fritação”. ‘Daydreaming’, faixa que consegue resumir a estética e conceito do disco, teve até mesmo um corte no final. Além disso, exploraram melhor as harmonias vocais do Ruan que dobra a voz de Victor em quase todas as músicas.
Em busca de um selo
Realizado de maneira completamente independente, a banda procura um selo brasileiro ou mesmo de fora para conseguir distribuir o “RAVE ON”. Como cantam em inglês, não há a barreira da língua. Têm o desejo até mesmo de estar em uma plataforma que os ajudem a lançar em formato de vinil e almejam entrar para as line-ups de festivais, mas tudo isso são “daydreamings” que virão após o superesperado e planejado lançamento. “Ah, mas eu não paro, mesmo se não tiver selo, vou continuar no ritmo, não tem problema não. Talvez eu vá atrasar mais um ano para lançar um próximo disco, mas vou fazer”, revela espontaneamente Victor, que vive seu cotidiano em paralelo à criação musical. “Às vezes surge a ideia da melodia, às vezes vem o riff, às vezes eu só penso na voz e tento achar as notas na guitarra ou no teclado. As músicas aparecem, eu sempre estou andando pela cidade e, se não estou escutando algum disco, estou pensando em alguma música, igual um doido cantando e falando sozinho na rua”, conta Victor Fonseca, que enxerga cores em cada música. “RAVE ON” de fato é um disco mais ensolarado, sem se exaltar, explorando internamente as oscilações de sentimentos genuínos transformados em sons.
RAVE ON
Lançamento do álbum da banda Basement Tracks. No sábado (19), às 23h, no Café Muzik (Rua Espírito Santo 1.081)