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Juiz-foranas desfilam pela Portela nesta segunda

Portela
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Amor pelo carnaval é tradição na família de Talita e Cida (Foto: Leonardo Costa)
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A segunda escola de samba a desfilar na Sapucaí, nesta segunda, é a Portela. Depois de celebrar seu centenário, no ano passado, a azul e branco, em 2024, aposta em um enredo que aborda o livro “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves. “Fina flor, jardim do gueto/ Que exala o nosso afeto/ Me embala, oh! mãe, no colo da saudade/ Pra fazer da identidade nosso dialeto”, começa o samba, de Vinícius Ferreira, Wanderley Monteiro, Bira, Jefferson Oliveira, Hélio Porto e André do Posto 7, que exalta as mulheres negras.

Por entre aquelas milhares de pessoas que se unem para, em um só coro, entoar a canção, vestidos das mais variadas fantasias, em busca de mais um título da águia de Oswaldo Cruz, que não vence a competição desde 2017, apesar disso, mantendo-se como a maior campeã do Carnaval carioca, estão duas juiz-foranas, devotas, não só da Portela, mas do carnaval e, sobretudo, da Sapucaí. Nas palavras de Talita Santos Ferreira: “Um dos lugares mais sagrados onde pisei”.

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Talita é filha de Maria Aparecida dos Santos Ferreira, a Cida. Pode-se dizer que o amor dela pelo carnaval veio da mãe. Mas, na verdade, o amor de Cida pelo carnaval também veio também de sua mãe. É como herança mesmo, que vai passando de geração em geração. Até tem como correr desse amor, de certa forma, mas no caso de Talita e Cida, não teve como.

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Quando Cida era pequena, em Juiz de Fora, o carnaval da cidade vivia o auge dos blocos. Sua mãe a levava para as ruas, geralmente fantasiada, para acompanhar os desfiles. “Quando criança, eu só ia para assistir. A gente ficava no meio fio da avenida, esperando os carros passarem. Levava confete e jogava na rua. Minha mãe gostava na função, mas não queria entrar no meio. A gente desfilava também na Banda Daki, mas com a cara tampada com uma fronha. E todo mundo ia assim: só aparecia o olho e a orelha, para que ela não fosse identificada. Já meu pai, não. Ele era da bateria da Unidos dos Passos, a primeira escola onde desfilei”, conta Cida.

Cida começou na Unidos dos Passos e não parou. Em tudo quanto era escola ela desfilava por puro prazer de estar ali. Não precisava nem ser a do seu coração. Gostava da folia. Quando Talita, então, nasceu, com medo dos perigos que costumam aparecer na época – diferente da quando era menor -, não levava tanto a filha para as ruas. “Minha mãe não me levava em todos os blocos. Eu ia na Banda Daki e ficava mais afastada da multidão. Mas eu sempre gostei de me fantasiar, colocar roupa e brilho. Mesmo não tendo tanto contato, gostava”, afirma a filha.

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E tem outra coisa: apesar de Talita não estar diretamente nas ruas, sua mãe tem um costume que a deixava sempre próxima do que acontece no carnaval. “E aqui em casa tem uma coisa. Oito horas da manhã ela (Cida) coloca samba-enredo alto. Não tem muito como fugir. E o samba te contagia, né? Não tem jeito.” Elas acabam decorando todos os sambas, independente da escola. É mesmo por gosto pelo carnaval.

A Portela como herança

“Quando você pisa na Sapucaí, eu nem sei nem explicar, dá vontade de chorar”, afirma Talita (Foto: Arquivo pessoal)

Cida conta que sempre foi portelense e acaba que Talita entrou nessa. “Acho que eu seria até tijucana se não fosse minha mãe”, ri. A mãe, no entanto, achava que desfilar em sua escola do coração era coisa distante. “Eu achava que era Portela lá e eu cá.” Ela, no entanto, falava com as pessoas que tinha esse sonho de ir para a Sapucaí. Em Juiz de Fora, ela seguia desfilando nas escolas da cidade.

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Uma amiga de sua irmã tinha alguns contatos na Portela e perguntou se, de fato, ela queria desfilar na azul e branco. “Isso foi em novembro, mas ela não me dava retorno. Só em janeiro ela me mandou os contatos. Eram quatro. E eles me mandaram a fantasia. Eu mostrei para a Talita escolher o que ela achasse mais bonito. Conversei com o presidente e fomos nessa. A gente nem conhecia a quadra da Portela. Fomos ao ensaio técnico e ao desfile. E, depois da primeira vez, passamos a ir com mais frequência e desfilar sempre.”

Naquele primeiro ano, a Portela homenageava Clara Nunes, e Talita, com detalhes, lembra da fantasia que escolheu: “Foi a fantasia de Oxalá. Era uma fantasia muito bonita, toda branca. Mal sabia eu que era tão pesada”, ri. Pesada e quente, elas afirmam. Embaixo da fantasia tem ainda calça e blusa de manga. “Isso no verão carioca. Na Sapucaí, você não sente nada. Mas na concentração, meu Deus, eu queria que jogassem água no meu corpo”, narra Talita.

Naquele primeiro dia, elas decidiram colocar a roupa com antecedência na concentração, para ir acostumando tanto com o ambiente quanto com os adereços. Talita diz que, agora, só se veste quando está quase na hora. “Mas minha mãe, nessa época do carnaval, é ansiosa. A gente chega na concentração e ela já coloca a roupa”. Enquanto Cida se defende: “Eu gosto de me vestir antes para ver as coisas acontecendo”.

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‘Muita emoção’

Essa emoção que se sente quando se entra na Sapucaí é única. “Quando você pisa na Sapucaí, eu nem sei nem explicar, dá vontade de chorar. O choro vem na garganta. E é tudo muito bom lá dentro”, conta Talita. “Eu achava que eu ia desmaiar na avenida, a primeira vez que eu fosse. E eu falei com minha irmã que ia desfilar em outra escola, só pela alegria. Porque, ir pela Portela, junta muita coisa, muito emoção. E isso vai pesando. Mas eu não conseguiria desfilar em outra escola e não na Portela. E eu não conseguiria só assistir, sem desfilar. Enquanto eu estiver aguentando, eu vou. Deu uns problemas no joelho, mas eu falei que nem que se fosse de cadeira de roda, mas eu ia desfilar”, brinca Cida.

As escolas demoram 1h10 para desfilar pela avenida toda. Mas elas ficam cerca de 40 minutos. “Quando você vê o arco dá vontade de começar a andar para trás”, ri Cida. Ela, inclusive, conta que, na primeira vez que desfilou, teve como que uma depressão pós-parto. “Porque, no ensaio técnico, eu fui toda alegre. Acabou minha ala e eu fiquei assistindo o resto da escola passando. E eu achei que nos outros dias de desfile fossem assim. Mas acaba, dá um copo de água, e a gente tem que sair, e vai embora para o hotel. E eu fiquei assim: ‘Gente, era isso?’ Até no outro dia, até que pare”, ri. “Se eu soubesse que era tão fácil participar eu teria começado antes.”

Ela até tem vontade de desfilar em outras escolas, para viver outras experiências, mas sempre sendo fiel à Portela. Fazer como fazia quando desfilava em Juiz de Fora. Teve vez que ela desfilou quatro dias seguidos. E feliz. “Vendo montar a arquibancada aqui até me deu vontade de voltar a desfilar na minha cidade. Me deu uma saudade. Mas não tem como largar a Portela”, consola-se.

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‘Um sonho’

Talita e Cida sonham em se mudar para o Rio de Janeiro para viver ainda mais a Portela (Foto: Arquivo pessoal)

Cida e Talita nunca tiveram a experiência de desfilar e ver a Portela ganhar fazendo parte da experiência. Neste ano, estão confiantes de que a escola tem chances de vencer. “Não é que eu torço pra Portela, eu gosto da Portela. Se ela faz um desfile bom, eu torço. Mas se outra faz, eu reconheço. Este ano, por exemplo, eu acho que a Portela merecia ganhar. Porque o enredo está muito bom, o samba também, emocionante”. Cida ainda conta que, durante o ano, eles fazem aulas sobre o enredo, sobre o que aquilo tudo significa. “As escolas de samba do Rio são escolas mesmo, que ensinam. É o ano inteiro com atividade.”

Em cima do sofá da casa onde as duas moram, entre vários itens em azul e branco, um calhamaço marcado bem no começo se destaca: exatamente pela cor, diferente das outras por ali, e pelo tamanho. É o livro “Um defeito de cor”. “Eu comecei a ler o livro. Para entender. Mas eu parei. Só vou voltar depois do carnaval, porque, se não, eu ia chorar na avenida”, conta Cida.

Com o samba-enredo já decorado, elas se animam para ir para o Rio de Janeiro, onde vão passar todos os dias do carnaval. E já ansiosas pelo ano que vem. “Porque carnaval é isso. E, depois, só ano que vem. E, na avenida, que emoção. Não dá para explicar. Quando você entra lá e vê as pessoas gritando junto com você, o tanto de gente, todo mundo cantando. A bateria tocando do seu lado não tem nada igual. É energia. Sobe tudo de novo”, narra Talita. “A gente vai morar no Rio de Janeiro, né?”, questiona Cida. “Vai. E viver na quadra”, responde a filha. “Um sonho”, finaliza a matriarca.

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