Uma pequena vila de cerca de quatro casas em uma rua sem saída na Zona Sul de Juiz de Fora. Uma sombrinha colorida estava quase a subir os poucos degraus de sua casa que dá em uma varandinha com plantas e uma bicicleta verde-água. Um cenário aconchegante e místico, com tapete, referências indianas, incensos e objetos, sobretudo ímãs de geladeira de tantas partes do mundo que quase é possível se transportar para os quatro cantos estando somente naquela casa, conjugada a um atelier de criação.
Uma arara de bambu expõe as peças já finalizadas por Marcela Cimini, 34, arquiteta, professora de yoga e, agora, estilista e criadora da marca de roupas de consumo consciente, Leve-me. Carimbos de desenhos delicados, inclusive uma estampa kashmir, que coincidentemente tenho tatuada em meu ombro esquerdo, estão sob a mesa para serem testados como futuras estampas.
Também uma pilha de folhas com croquis de modelos para experimentar, cuidadosamente desenhados em traços finos e preenchidos com o que parecia ser uma aquarela. Marcela, desde a faculdade de arquitetura na UFJF, voltava seus estudos e projetos para a sustentabilidade. Morou na ecovila Inkiri Piracanga durante três meses, na Bahia, uma comunidade autossuficiente em uma praia bastante afastada do centro urbano, um processo fundamental para estruturar suas ideias. “O tempo que eu fiquei lá foi bom para colocar em ordem e ver muitas coisas que são possíveis, já que a comunidade vive toda ali por conta, se autossustentando. Foi muito bom para fortalecer o projeto. E aí vem, também, a outra parte, das meditações e terapias energéticas, e tudo vai se encaixando.”
Após finalizar o mestrado em arquitetura e ter começado a lecionar em curso superior, Marcela começou a ouvir seus próprios anseios para estudar moda, e assim deu início ao curso de moda Rose Vieira em Juiz de Fora, onde aprendeu corte e costura e conheceu sua atual parceira de trabalho e costureira, a Selma Sousa. Largou o início de uma carreira acadêmica e foi se dedicar a pensar sua marca envolvendo tudo o que acredita e busca para si no mundo. Em Caratinga, cidade natal, já havia começado a sua própria fábrica de camisetas estampadas, mas a retomada para a moda só fazia sentido para ela se conseguisse produzir com uma mentalidade ativista de quem vive em equilíbrio com o meio ambiente e quer preservá-lo.
Cores naturais
Tingimento natural, utilizando cascas de árvores, frutos, sementes e raízes é uma prática que começa a crescer no Brasil. Marcela encontrou em São Paulo o grupo Etno Botânica, onde fez o primeiro curso sobre técnicas de tingimento de shibori, já em vista de conseguir saber mais sobre os processos de se chegar à tinta natural. Após um ano, o mesmo grupo abriu no Sul de Minas, em Itamonte, uma fazenda destinada a oferecer cursos de tingimento vegetal. Neste momento Marcela aprendeu não só como extrair o corante natural, mas também processos de fixação da cor nos tecidos.
Atualmente sua produção está voltada para o algodão, porém o linho orgânico e principalmente o cânhamo já estão no atelier para se transformarem em novas peças. O cânhamo é um tecido feito a partir da fibra da planta cannabis ruderalis, bem próxima à planta da maconha, a cannabis sativa, e vem sendo utilizado como matéria-prima para a moda sustentável.
A Leve-me, em Juiz de Fora, é uma das marcas pioneiras do Brasil a utilizar tingimento vegetal natural e, agora, o cânhamo. “Eu já ouvi falar de pessoas que têm experiência com tingimento natural aqui, mas marcas são poucas inclusive no Brasil, algumas estão surgindo junto comigo. Parece que nós que fomos fazer os primeiros cursos é que estamos começando a chegar junto.”
O peso político do que vestimos
A Leve-me propõe o slow fashion e o lowsumerism, que é justamente a desaceleração de práticas de consumo que destroem o planeta, muitas vezes de forma não ética, destruindo áreas de conservação, poluindo, infringindo leis e até mesmo utilizando mão de obra escrava. O mercado, principalmente da moda, tem gritado por uma revolução. E, assim como criadores, há um nicho de pessoas que buscam comer, consumir e se vestir fazendo o máximo de esforço para burlar o que é ofertado em larga escala pelas marcas que dominam o sistema.
Uma de suas principais formas de venda são as feiras de produtores independentes, principalmente as que acontecem nas capitais, porém em Juiz de Fora a Leve-me tem marcado presença no bazar do Som Aberto, bem como no Mercado Aberto. Este mês, nos dias 24 e 25, a Leve-me vai estar pela primeira vez na Babilônia Feira Hype que acontece no Rio de Janeiro, no Parque das Figueiras. Um evento destinado a novos criadores e que já serviu como ponto de partida para grandes marcas consagradas no mercado da moda. Suas peças também são comercializadas pelo site leveme.store. “Meu público é bem voltado para quem já está consciente com o meio ambiente e também quem está na parte da busca espiritual.”
A busca pela sabedoria natural
Boa parte da matéria-prima que utiliza para extração do corante, como o urucum e o açafrão-da-terra, vêm de sítios de seus familiares. Também faz uso de pigmentos da catuaba, casca de romã e barbatimão. Outros tons, como o azul, extraído da anileira, ela adquire com um químico brasileiro responsável por encabeçar boa parte deste movimento. Eber Lopes Ferreira é pesquisador e especialista em corantes naturais e suas aplicações, autor de diversas publicações, sendo uma delas o livro “Corantes naturais da flora brasileira”, um guia prático de tingimento com plantas publicado ainda no final dos anos 1990, que serviu de aprofundamento para a Marcela. Os experimentos têxteis, a partir do livro, ela colocou em prática em Terra Una, uma ecovila na Serra da Mantiqueira, em meio à floresta, no município de Liberdade, Minas Gerais.
Essa prática também aponta para outra tendência de busca da sabedoria natural, que resgata os saberes tradicionais, principalmente das mulheres de cidades pequenas, que faziam tingimentos em tecido. Além de técnicas utilizadas na Índia e em Marrocos antes das tintas químicas dominarem o mercado. “Eu já ouvi falar que até com barro as mulheres tingiam tecidos. Elas enterravam as roupas na terra o tempo certo”.
A Leve-me surgiu faz menos de um ano, e está dentro de um conceito amplo que a permite fazer parcerias, criar eventos, cursos e distribuir de maneira autônoma. A ideia é criar acessórios, bolsas, sapatos e o que mais conseguir em caráter sustentável. “Tanto a yoga quanto a dança me atraem na intenção de mostrar a expressão do corpo”, explica Marcela sobre a criação de roupas que jamais querem prender ou se agarrar aos corpos. As peças carregam nomes como “comfy” “se joga” “voador” e “assimétrico”, e cada tipo de planta, flor, fruto e raíz possui um benefício energético.
“O nome da marca é no sentido da leveza e do movimento e de me permitir ser levada e levar o outro. Eu me via com uma liberdade maior quando comecei a criar o projeto. Eu me via sendo levada para o que realmente me fazia vibrar, era como se eu pensasse ‘me leve!’ É também sobre gostar de viajar, conhecer culturas, pessoas e poder levar minhas ideias itinerantes para outro lugar. Eu quero que o projeto me leve, vamos ver até onde vai, eu gosto do movimento e de deixar fluir. Era uma coisa que me chamava, eu comecei a fazer e não consigo parar”, refletiu Marcela, em sua sala de estar, já ao final de nossa longa conversa, enquanto tomávamos café com cardamomo.