Goianá, cidade a cerca de 40 quilômetros de Juiz de Fora, ganhou um novo espaço de cultura. A Villa Matias foi inaugurada no último sábado (7) com a exposição “Bença Minas”, com obras de Filipe Matias, Ronilson de Oliveira e Victor Adriano. O lugar, no Bairro Alto da Boa Vista, tem a missão de resgatar a história cultural da cidade, promovendo eventos sediados em um espaço multiartístico, feito para e pela população.
Filipe Matias, de Juiz de Fora, é o artista por trás dessa construção. Formado em arquitetura, nunca exerceu, de fato, a profissão, mas sempre trabalhou a ligação entre a área e a cultura. Seu próprio projeto de conclusão de curso era um museu-escola que ensinava a arte. Depois de viajar vendendo seu trabalho como artista visual e também conhecendo a arquitetura e a cultura dos lugares, principalmente na Itália e na Espanha, começou a olhar com outros olhos as edificações e suas construções – coisa que se reflete na própria construção da Villa Matias.
Durante a pandemia, Filipe decidiu que era o momento de investir em um projeto do seu sonho. Quando mais novo, em Juiz de Fora, tinha algumas vizinhas que eram de Goianá e falavam para ele sobre a cidade. Naquela época, existia um festival da canção que movimentava a cidade. “Eu vim para cá com 12 anos, e via a luz do entardecer, aquela que bate na lateral e fica um lado todo escuro e outro amarelo, no pôr do sol. Isso ficou na minha cabeça, e eu queria ter uma granja naquele lugar.”
Quando pensou, então, na criação desse projeto, lembrou de Goianá e começou a pesquisar alguns terrenos que dariam conta do que ele queria fazer. “Porque não adiantava eu colocar esse projeto em uma cidade grande. O fato de a comunidade se engajar e ajudar e acontecer é o principal. E queria uma rocinha, um lugar onde as pessoas tivessem interesse.” Como o esperado dos mineiros do interior, a recepção foi tão calorosa que não houve dúvidas: Filipe Matias criou raízes.
A pequena cidade de pouco menos de quatro mil habitantes é próxima do Aeroporto Regional da Zona da Mata, o que tem impulsionado o seu crescimento e o interesse pela região – detalhes que firmaram a escolha de Filipe. A proposta já era fazer um projeto de referência, de forma a trair turistas, inclusive outros artistas, a conhecerem tanto a cidade quanto o que se tornaria a casa do idealizador.
Participação da comunidade
Filipe reuniu a comunidade e decidiu que a fachada da casa seria toda feita com mosaicos – parecidos com aqueles que ocupam os chãos de várias casas, feitos com o resto das obras, mas de forma a contar uma história. Eles são vistos também nas vilas da Itália e nos projetos de Gaudí na Espanha. “Depois dessa viagem que eu fiz, eu saí de lá com a cabeça explodindo de inspiração. Isso ficou na minha cabeça, a minha forma de criar a arte, e virou uma referência muito grande para mim, além da brasileira, porque a gente tem isso de adotar as culturas e transformar em uma coisa nossa. Uma colcha de retalhos cultural.”
Todos os azulejos que formam os mosaicos vistos na Villa Matias foram dados pelos próprios moradores de Goianá. “São artes viradas para a rua. Não tem muro. O acesso visual é para a comunidade ver um pedacinho da casa dela ali. Tem uma coisa de pertencimento, as pessoas tem um pedacinho da casa delas ali.” Alguns, inclusive, participaram da construção das obras, que falam sobre ancestralidade e a própria vida no interior.
Espaço para todas as artes
Todo esse processo de construção durou três anos até a inauguração no último fim de semana. Filipe ficou esperando o momento certo para abrir para a comunidade o que foi feito na Villa Matias, essa construção conjunta. Ele mora nesse mesmo espaço, que, além dos mosaicos, abriga três grandes salões, que têm a proposta de servirem como salas de multiuso nos eventos futuro. Seu ateliê também funciona lá. Um deles é o de cerâmica cujas peças são construídas a partir do barro da terra de Goianá.
“Tem uma questão ambiental muito sustentável, de entrar em uma comunidade e fazê-la se engajar. A minha maior preocupação, desde o início, foi contratar mão de obra local, para o dinheiro ficar dentro da comunidade. As pessoas que tiraram essa edificação do chão fazem parte desse momento e participaram da inauguração, porque a vila também é delas”, afirma Filipe.
Villa Matias de portas abertas
Suas obras e as de Ronilson de Oliveira e Victor Adriano puderam ser apreciadas no evento, que contou com a presença de autoridades e artistas da região. O intuito, já naquele momento, foi apresentar o espaço e abrir as portas para futuros eventos – tudo com o intuito de resgatar a cultura local e promover as artes. Isso ficou claro ainda na comida do dia, que foi comandada pelo chefe João Simoncini, que trabalhou referências da gastronomia indígena, africana e portuguesa. O porco utilizado, por exemplo, é de um projeto realizado por Felipe Russo, que resgatou o costume do porco de Piau, em que o animal é criado de forma mais humanizada. Uma parte da história de Goianá também foi exposta, a partir das carruagens que pertenceram à Fazenda de Santana, uma das mais antigas e importantes da região.
“A Villa Matias é uma missão de vida. Não é uma coisa que dá para fazer um pouco e sair correndo. É um momento de muita satisfação. A arte é muito generosa nesse sentido. A minha intenção é inspirar os outros. É uma transformação de vida as pessoas aprenderem a fazer arte e tirar um sustento disso”, afirma Matias, que vê o projeto já mudando, de certa forma, a comunidade. “E agora está aberta a Vila Matias. Essa abertura de novas agendas, novos caminhos, vai ser muito bom para a região também. Fazer isso aqui funcionar me deixou muito feliz, porque foram três anos de construção para chegar nesse dia. Estou muito satisfeito e muito encorajado também.”