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Gerson Guedes insere literatura no processo de nova mostra

gerson fernando
Gerson Guedes estudou, em seu mestrado, a relação entre desenho e palavra, mecanismo que retoma na própria obra (Fernando Priamo)
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Narrativa, a pintura de Gerson Guedes descreve espaços, tempos, práticas e gestos. Escreve a história com tinta e pincel. Em “Recortes urbanos”, série que apresenta no calendário 2018 da Tribuna, lançado no próximo domingo (17), o artista assume o texto como propriedade do trabalho e, também, como elemento a expandir a própria imagem. Ao retratar uma Juiz de Fora contemporânea – “Uma cidade com a visão de hoje, com as pessoas e não só com a arquitetura”, conta -, ele não se furta da palavra e assume a faceta poeta. “A maturidade me aproximou da poesia. Isso sempre acontece com o passar do tempo”, comenta o autor de “Calçadão”, que acompanha a tela homônima: “Sou a via de passos apressados,/ estátuas douradas e cavalos de Portinari./ “Compro ouro” e de tudo sou vendedor./ Sapatos lustrados que me levam/ da estação de pecados aos paredões do redentor”.

Em seu ateliê, nos fundos de casa, ou nos cantos onde monta seu cavalete, convivem pincéis de diferentes tamanhos, telas acabadas e inacabadas, tintas, livros de história e lápis com os quais desenha e escreve. “Antes de criar, de pintar, eu escrevo. A partir da leitura, da simbologia do que escrevi, dos signos, caminho para um desenho mental que vai se estabelecendo. Ao mesmo tempo, quando trabalho numa cor, penso num texto”, conta ele, que na vida acadêmica encontrou um lugar de ressonância e aprofundamento para práticas já tão absorvidas em seu cotidiano. “Fiz o mestrado estudando o diálogo do verbal com o não-verbal. Uma coisa estimula a outra.”

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Autodidata, Gerson encontrou na graduação em desenho e plástica, na UFJF, onde aposentou-se como professor de artes, a formalidade desejada. “O contato com a história da arte me despertou para o estudo da história de maneira geral. Os desenhos pré-históricos e os hieróglifos exerceram uma forte influência em meu processo de criação plástica, fomentado também por outras fontes. Dentre elas, destaco a literatura, que, assim como a história, foi me envolvendo e se fazendo presente em minhas obras e em minha prática pedagógica, na qual sempre procurei estabelecer conexões entre as várias formas de linguagens artísticas”, diz o artista em sua dissertação do mestrado em letras, defendido em 2009, no CES/JF.

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Contemporâneo de Gerson, Arlindo Daibert trafegou entre texto e imagem ao longo de sua trajetória artística e intelectual. No póstumo “Caderno de escritos”, o autor de séries inspiradas em obras literárias como “Alice no País das Maravilhas” e “Grande Sertão: Veredas” defende uma relação permanentemente estreita: “Na verdade palavra e imagem sempre estiveram em contato ao longo da história da pintura ocidental, quer através das legendas e das inscrições da pintura medieval ou do primeiro renascimento; quer de maneira mais sutil e dissimulada, nos títulos que acompanham as pinturas, explicitando, ampliando ou restringindo o poder narrativo das imagens”.

Ainda que comumente sejas usadas como ilustração do texto, as imagens que se aproximam das palavras assumem, segundo Gerson, espaço autônomo. “Apesar de vivermos em um tempo de tantas informações imagéticas, clonagens digitais e outros efeitos visuais, o desenho sobrevive”, defende o artista em seu trabalho acadêmico intitulado “Literatura e imagem: Diálogos entre a narrativa e as ilustrações em ‘Desmundo’ de Ana Miranda”.

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Paisagem humana

(Foto: Fernando Priamo)

Recortando do hoje as cenas de uma Juiz de Fora de muitas cores, Gerson Guedes pinta uma cidade cuja complexidade acaba aliviada com o recurso do texto, que acompanha todas as telas na exposição, prevista para março de 2018. “Vendedor de tramas”, poema “parceiro” da tela que faz um retrato do cruzamento das avenidas Rio Branco e Brasil, situa exatamente o leitor na paisagem admirada pelo pintor e sua obra. “A pilha de panos colorida/ se assemelha às moradias des(ordenadas)/ entre a ponte, o cano e o céu./ Lida de meus dias,/ sol queimando a pele, verniz de meus leitões/ tramas de meu fel”, escreve o artista.

Em verso, prosa e tinta, Gerson toma o agora com precisão. “Em diversos trabalhos, ainda retrato o antigo, não me libertei de vez dos bondes, mas acho uma beleza na confusão, na cancela do trem, no movimento da feira, no aglomerado de pessoas, na indiferença com a própria cidade, nos personagens que estão ali todos os dias e a poesia acaba se esquecendo deles. A gente convive com o motorista, com o malabarista, com o pipoqueiro”, conta ele, historiador do tempo que corre.

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