A Lei de Transferência do Direito de Construir foi aprovada pela Câmara Municipal e sancionada pela prefeita Margarida Salomão (PT) em maio deste ano. O objetivo é oferecer um benefício aos proprietários de imóveis tombados, que muitas vezes se sentem lesados por sofrerem restrição parcial do direito de propriedade. Com a medida, eles podem negociar o potencial construtivo de seus imóveis, aliviando o ônus resultante do tombamento e aumentando as possibilidades de recursos para cuidarem do patrimônio. O diferencial da lei está justamente no fato de ser uma aliada do tombamento mas também beneficiar os proprietários, fazendo com que os imóveis possam ser mantidos em boas condições e com suas características originais. Apesar da aprovação, no entanto, essa legislação ainda não foi regulamentada pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), e os interessados seguem sem meios para iniciarem os projetos.
Durante a criação, a lei se baseou no Estatuto da Cidade, que prevê a possibilidade do proprietário de imóvel urbano exercer em outro local o direito de construir, quando o imóvel for considerado de interesse histórico ou cultural. A ideia era preservar o patrimônio histórico da cidade enquanto também se dava mais possibilidades para o proprietário, que não precisaria mais temer os impactos financeiros de um tombamento. “Enquanto é dada permissão para que os demais cidadãos disponham de seus imóveis da maneira que atenda seus interesses, contrariamente, para aquele a quem é decretado o tombamento não lhe é dada tal permissão, caracterizando-se como uma desapropriação sem compensação”, explica Jorge Arbach, o autor da lei, que é arquiteto, artista e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
A Lei foi debatida junto ao Conselho Municipal de Política Urbana (Compur), Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (Comppac), Instituto dos Arquitetos do Brasil/Seção JF (IAB/JF) e Câmara Municipal de Juiz de Fora. Na perspectiva de Jorge, essa iniciativa deveria se tornar um poderoso instrumento de descentralização da ocupação urbana, porque, além da determinação de locais que não devam receber a transferência (por já se encontrarem densamente ocupadas), a aplicação da lei seria determinada em regiões de interesse para ocupação e expansão urbana. No entanto, a falta de regulamentação impede o uso pelos interessados.
Para Jorge, há uma postura conflitante em relação à aprovação. “A interrupção da tramitação da regulamentação vem acarretando uma crescente frustração junto aos interessados na aplicação da lei”, conta. A situação também deixa o município em posição delicada, já que a ausência de regulamentação se torna lesiva ao tema de preservação, pois quando a lei complementar foi aprovada, a lei anterior, que tratava da mesma questão, foi revogada. “Em uma interpretação livre podemos dizer que, se antes havia uma lei em vigor que tratava da matéria, agora passamos a não ter nenhuma. No estágio de não-regulamentação em que se encontra a lei, é importante frisar o precedente que se apresenta gerando instabilidade jurídica”, reforça Jorge.
Objetivo da lei é aumentar recursos para combater degradação dos imóveis
A criação da lei visou o combate à degradação de imóveis tombados, uma realidade que, como Jorge Arbach destaca, pode ser observada em toda a cidade. Ainda que o tombamento seja o mecanismo urbano mais eficaz para a preservação do precioso acervo arquitetônico que esta cidade possui e tenha contribuição efetiva para a preservação das referências culturais e históricas da cidade, ele destaca que nem sempre isso funciona de maneira saudável. “O que testemunhamos ao longo dos anos é a tendência à degradação lenta dos imóveis tombados por falta de recursos dos proprietários para a sua plena e correta preservação”, destaca.
Assim, a interpretação jurídica do tombamento permite que o Ministério Público reconheça o dever do Estado em indenizar o proprietário pela propriedade tombada, considerando dessa forma o tombamento como uma ação de desapropriação indireta. A Lei de Transferência atuaria como uma compensação para esse proprietário pelo tombamento e, na perspectiva do autor, ajudaria a evitar a mutilação de edificações relevantes para a cidade ou a necessidade de fragmentar corredores de edificações da cidade.
Proprietário como parceiro
A aplicação da lei permitiria que o Poder Público avançasse nas medidas estimuladoras da preservação, fazendo os proprietários arcarem com os custos de reforma, restauração e manutenção, e o impedimento da adoção deste benefício seria um ato contra o bem patrimonial e cultural do município. “Regulamentando de fato essa lei, o Poder Público passaria a acolher o proprietário como parceiro nas políticas de preservação”, explica.
A inércia na regulamentação, na perspectiva do especialista, pode gerar o arruinamento de imóveis já tombados, naquelas situações em que os proprietários não possuem condições financeiras para a manutenção, e mesmo a demolição daqueles imóveis que ainda não foram tombados e que necessitam ser preservados. Outro impacto, ainda pior, como ele destaca, são os pedidos para os destombamentos, o que poderá criar um precedente que abre a porteira para outros pedidos.
Em contrapartida, a regulamentação poderia melhorar a preservação do rico acervo arquitetônico da cidade ao contemplar pequenos proprietários. E irá beneficiar outros, de caráter institucional, que pressionam o poder público reivindicando o destombamento. “A Lei tem também um papel fundamental para documentar a arquitetura do presente. Daqui a algumas décadas, as edificações que estão sendo erguidas nos dias de hoje passarão a ser objetos de estudo e de preservação”, finaliza Jorge.
Esclarecimentos da PJF
A Tribuna questionou a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) sobre o que falta para a regulamentação da Lei de Transferência do Direito de Construir, bem como o prazo para efetivá-la e quais são os outros mecanismos para garantir a preservação e manutenção dos espaços urbanos. Em nota, respondeu: “A Prefeitura de Juiz de Fora segue em diálogo com todos os setores relacionados à Lei de Transferência do Direito de Construir e, muito em breve, irá divulgar essa regulamentação”.