
Um palco tão grande, com tantas possibilidades, só pode mesmo dar margem à criatividade. Um lugar para se usar em sua potência. Trinta coralistas se posicionam em três fileiras ordenadas. Cada um sabe seu exato lugar. A regente, então, dá o tom. Anda a passos lentos naquele palco. Levanta a mão. Os coralistas respiram, juntos. A boca se abre. E se inicia, então, um espetáculo. Parece, neste primeiro momento, uma apresentação do Coral da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) diferente de todas as outras: os coralistas com roupas tão formais, sem um ponto de luz algum na veste, portando, em mãos, um caderno de partitura. O corpo mal se mexe, neste momento. “Tenho certeza de que as pessoas vão pensar: ‘não foi para isso que eu vim aqui'”, confessa Ana Sukita, a regente e diretora musical do coral. Isso porque “Atemporal”, o novo espetáculo do coro, que acontece nesta sexta-feira (10) e neste sábado (11), no Cine-Theatro Central, às 20h15, desafia a própria memória. Apresenta um grupo que se transformou e caminhou um tanto até chegar ao que é hoje: um coral que, além da voz, trabalha o corpo, a expressão e os sentidos. Os ingressos podem ser adquiridos, de forma gratuita, na bilheteria do teatro e no Forum da Cultura.
Depois da primeira música, o coral vai caminhando sentido ao futuro mesmo: as roupas vão mudando; os rostos vão ganhando expressões; o corpo se mexe; surpresas complementam a cena. É um trajeto que perpassa o que foi o grupo e o que ele pretende ser com o tempo, já no amanhã. Ana Sukita conta que a ideia de se pensar em um espetáculo de fim de ano como este começou a ser desenvolvida já no começo de 2023.. Ao mesmo tempo que o coral já tem uma série de arranjos autorais feitos nesses 57 anos, pelos regentes que passaram por ele, as produções seguem acontecendo. Mateus Maier, que é bolsista do coral e também arranjador, desenvolveu alguns arranjos novos pensando em seu Trabalho de Conclusão de Curso, na faculdade de Música da UFJF. Ele já pensava no coral. “A gente, com isso, teve a ideia de fazer um espetáculo que mesclasse isso: os arranjos que a gente já tem, que fizeram para a gente nesse tempo, e aqueles que o Mateus fez para o TCC. Fazer, então, um espetáculo que remonte essa história do coro”. Passado, presente e futuro, dividido em dois atos. Mas com um adendo: “A gente não está seguindo à risca a história do coro. Mas é como se a gente tivesse criado um romance musical baseado na história do coro, com algumas alterações ali”.
Para selecionar as músicas que fazem parte do espetáculo, Ana Sukita conta ainda que pensou em selecionar aquelas que esses coralistas que, atualmente, compõem o grupo ainda não tivessem apresentado. Ela buscou CDs antigos, gravados pelo coral que faziam sentido para contar essa história. Essa primeira parte da apresentação é toda centrada nesse passado: honrando e relembrando quem veio antes. Já a segunda, é toda do agora, com os arranjos de Mateus. Para separar esses dois momentos, uma lembrança recente: a pandemia e a forma como o coral foi afetado, apesar de não parar suas atividades. Nesse momento, o próprio público se percebe ali, lembra de como foi para todo mundo e entende que as marcas ainda estão por aqui. Uma frase de Ana Sukita, neste momento, resume tudo: “Tem que experimentar”. Foi, inclusive, a partir da pandemia que o Coral da UFJF passou a fazer guias dos arranjos. É uma forma mais fácil de memorizar o que foi feito e, ainda, deixar para a posteridade, para que, daqui alguns anos, esse material possa ser revisto, quem sabe, em um outro espetáculo. E isso, no telão, também é acompanhado.
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Aposta em outros meios
Mais que simplesmente contar o passado através das músicas, neste ano, mais uma vez, o coral apostou em outros meios, a partir da cenografia, como um telão transmitindo cenas que narram essa trajetória, uma iluminação que conversa com cada tom. O Coral da UFJF é o único de Juiz de Fora com trabalho cênico. “As pessoas têm uma percepção de um coro como uma coisa estática e monótona. E, quando a gente faz esse tipo de mistura, com outros elementos musicais e artísticos, a cena, a imagem de telão, a iluminação, as pessoas conseguem perceber que a música coral é muito rica. E perceber que você consegue fazer a estrutura de uma música completa só com a sua voz, e às vezes com o corpo, isso já faz com que a gente consiga perceber o valor que tem a música e, portanto, o valor da música coral. Percebe que isso é tão bom quanto outras formações musicais ou até melhor, porque uso só a voz e o corpo”. A voz, o corpo e as expressões, que dizem tanto quanto.
A ideia de reunir tudo isso em cena, em um espaço tão grande quanto o Cine-Theatro é mesmo reverter essa ideia que predomina do que é um coral: que vai muito além daquelas pessoas lendo suas partituras, paradas na frente do regente. E isso se mostra, também, na seleção das músicas. A primeira parte, por causa da temporalidade, do começo ao fim, é composta por clássicos da música brasileira. Já a segunda, é possível ver canções contemporâneas. Algumas delas já até foram apresentadas, como a versão de “A queda”, de Gloria Groove. “A gente traz músicas contemporâneas também para despertar o interesse no povo mais jovem de fazer isso. Quanto mais a gente mistura elementos culturais e visuais, quanto mais elemento a gente mistura, mais riqueza a gente tem e mais a gente traz o interesse das pessoas. A gente vai agradar tanto o público que é fiel às nossas apresentações quanto o público mais novo.”
Além de Ana Sukita na regência e Mateus nos arranjos, “Atemporal” tem ainda a cantora Michelle Flores na direção artística e na preparação vocal dos coralistas. Neste ano, a ideia foi também, além de preparar o todo, pensar nas individualidades dos cantores, para que, quando juntos, a potencialidade deles se expandisse. O professor Rodolfo Valverde, do Instituto de Artes e Design da UFJF, assumiu a direção geral do grupo. Já Júlia Salles, que também é coralista, ficou responsável pela cenografia, pelo figurino e pela maquiagem. É muita gente para fazer acontecer uma apresentação de um coral que preza, e muito, pela visão em conjunto com a audição.