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Mãe de todas as vozes

gal
(Foto: Bob Wolfenson/Divulgação)
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Quando uma artista morre, do tamanho de Gal Costa, um pedaço de cada brasileiro admirador de sua obra se vai junto. Isso porque aquela voz tamanha penetrou nos ouvidos de uma forma que é como uma pessoa de casa. Na enxurrada de mídias postadas nesta quarta-feira (9), dia em que Maria da Graça Costa Penna Burgos morreu, por motivo ainda não declarado por sua assessoria, é quase unanimidade a frase: “É como se um parente meu tivesse ido”. O fato está dado: a cantora brasileira revolucionária e potente morreu aos 77 anos, em São Paulo. Sua voz, no entanto, não vai se calar, de forma alguma. Sua obra extensa e sua força estranha ficam como vestígio de uma artista atemporal.

Nascida em 26 de setembro de 1945, em Salvador, Bahia, (ou como ela fala em “Meu nome é Gal”, escrita pela dupla que tanto cantou, Erasmo Carlos e Roberto Carlos, “Nasci na Barra Avenida, Bahia”), Gal Costa é fruto dos encontros da vida. Ela conheceu as irmãs Sandra e Dedé Gadelha, que viriam se tornar esposas de Gilberto Gil e Caetano Veloso. Em 1963, Dedé apresentou Gal a Caetano. Foi ali que essa amizade profunda começou a se desenvolver. Gal conta, no “Estratosférica Ao Vivo”, que, nesse dia, depois de tocar uma música no violão, Caetano a perguntou quem era o maior cantor brasileiro. Ela respondeu, irredutível, que era João Gilberto. Caetano concordou, mas, esperto, respondeu que a ensinaria a tocar uma música dele. Ele ensinou “Três da madrugada”. A partir daí, desenvolveu a relação dos dois. Posteriormente, dos quatro: junto com Maria Bethânia e Gilberto Gil, os Doces Bárbaros.

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O começo

Foi também com Caetano que Gal gravou seu primeiro álbum, o pacato “Domingo”, que debutou a cantora na música. Tornou-se corriqueiro Gal gravar as músicas de Caetano. Assim como de Jards Macalé, Roberto e Erasmo, Jorge Ben: sua turma da pesada. “Pois é o amor que faz o homem”, recitava também em “Meu nome é Gal”. Seu segundo disco, “Gal Costa”, já faz parte do movimento da Tropicália, que Gal entrou com unhas e dentes. É um disco em que Gal estreia mostrando abertamente a força de sua voz e os caminhos por onde ela poderia circular. Demarcou seu lugar.

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Gal: performática e fatal

Outros vieram, como o também “Gal Costa” e o “Legal”, mas para falar sobre “Fa-tal: Gal a todo vapor” é preciso tempo e espaço. Muito já se estudou sobre a obra performática de Gal, em cima do palco, com esse disco. Ela já mostrava que a força estava também naquele corpo, naquela presença. Hoje, no entanto, pouco sobrou do audiovisual: o único rolo que havia sobrado estava na Cinemateca de São Paulo, que ardeu em chamas. Ainda assim, é uma amostra da mais pura contracultura. Junto com o Doces Bárbaros lançou o disco que leva o nome deles e que é, na própria formação, revolucionário. É, também, a reafirmação de uma identidade brasileira.

Logo depois, lançou os também geniais “Índia”, “Cantar”, “Gal canta Caymmi”, “Água viva”, “Gal tropical”, entre tantos outros. A pausa no “Minha voz, minha vida”, no entanto, é necessária. Nele, está gravada a música que deu nome ao álbum, escrita por Caetano, que decifra o que é a voz de Gal: “Minha voz, minha vida/ Meu segredo e minha revelação/ Minha luz escondida/ Minha bússola e minha desorientação”.

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Veio, então, o “Profana”, anos mais tarde, onde ela canta: “Derrama o leite bom na minha cara/ E o leite mau na cara dos caretas”. Seu posicionamento estampado na voz. Outros tantos vieram depois. Mas em “Recanto”, já de 2011, a parceira Gal-Caetano retorna: é ele quem assina a produção do disco, e ela volta a rodar o Brasil com ele.

Os que vieram depois

Mais recentemente, ela lança o “Gal estratosférica”: dá voz para a nova geração que assina diversas músicas do disco. O que se repete em “A pele do futuro” e o mais recente “Nenhuma dor”, que recupera suas principais músicas da carreira, acompanhada de vozes masculinas dessa geração musical também mais nova.

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Gal morreu em casa – é o que dizem. Por lá, tinha ao seu lado Gabriel: seu filho que tanto lutou para ter. Quem ela dizia ser seu contato com a luz. Ele fica como semente dessa força. Cada um fica como semente dessa força inesgotável.

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