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Escritores unidos pelo inusitado e o absurdo

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Foto: Olavo Prazeres

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A partir de situações cotidianas, Vinicius Rocha e Guilherme Lourenço constroem histórias em que o concreto se dilui no inacreditável (Foto: Olavo Prazeres)
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Gênero que encontra na América Latina uma infinidade de grandes escritores, entre eles Jorge Luís Borges, Gabriel García Márquez, Julio Cortázar e Mario Vargas Llosa, o realismo fantástico costuma encontrar em nosso país poucos nomes de relevância, dos quais podem ser lembrados Murilo Rubião e José J. Veiga. É este estilo de contar histórias que uniu dois amigos desde a adolescência, Guilherme Lourenço e Vinicius Rocha, que lançam nesta sexta-feira (10), às 19h, na Hiato Ambiente de Arte, o livro “O lugar do resto”, segunda coletânea de contos escritos por eles. As histórias são acompanhadas por ilustrações do artista plástico Petrillo.

A publicação, lançada por meio da Lei Murilo Mendes, é a sucessora de “Comum de dois – Antologia de contos fantásticos”, lançada em 2011 também pela Murilo Mendes. No total, são 21 contos – dez escritos por cada um, e mais um, “O vigário e o poço”, escrito a quatro mãos a partir de uma ideia de Guilherme – com forte inspiração do realismo fantástico, com personagens que enfrentam situações absurdas e desconcertantes em meio ao cotidiano, mas que são tratadas com a maior naturalidade durante as histórias envoltas por obsessão, tragédias, inveja, desatinos, reviravoltas e absurdos.

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Os contos de “O lugar do resto” enveredam por situações inspiradas na realidade, mas que prosseguem por caminhos inimagináveis. É a obra que consome recursos inimagináveis, uma infinidade de preparativos, sem que veja no horizonte não um término, mas um início; os intrincados e surreais meandros da burocracia; artistas ávidos por atenção; o sujeito que deixa de viver sua vida devido à obsessão com o alheio; o homem que quanto mais rico fica mais pobre se torna; o julgamento em que não se sabe qual o crime, o réu e a sentença, mas em que todos se autocongratulam em razão de seus desempenhos individuais; o circo em contínua decadência.

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Entre tragédias, absurdos e (não) finais surpreendentes, a maioria das histórias do livro trata de pessoas – na visão dos autores – que costumam viver nas margens: os derrotados. “Você sempre tem um lugar no pódio, no Olimpo, para os vencedores”, destaca Guilherme Lourenço. “Para os perdedores, os exilados, você tem nada. Então criamos para eles este lugar, o ‘lugar do resto'”.

Da realidade à incredulidade

Os contos, em sua grande maioria, possuem essa afinidade temática e são frutos das percepções dos dois quanto às situações absurdas do cotidiano. “Pegamos as nuances da nossa realidade e buscamos criar uma história a partir daí”, explica Vinicius Rocha. “Eu li sobre a modelo que retirou algumas costelas, outra que extraiu o dedo mindinho só para os pés entrarem melhor nos sapatos, e daí veio o conto sobre o cara que tira pedaços do corpo por julgá-los de pouca serventia.”

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“A história do malabarista surgiu da observação desses artistas de rua, que muitas vezes fazem coisas absurdas para chamar a atenção e muitas vezes são ignorados pelos motoristas com os vidros da janela fechados, foi algo que me chamou a atenção para traçar um paralelo com nossa realidade midiática, em que as pessoas fazem de tudo para aparecer”, acrescenta Guilherme. “Nós partimos de uma situação normal e tratamos de desconstruí-la.”

Essa “desconstrução”, aliás, faz com que muitos contos tenham desfechos não só surpreendentes, mas que deixam muitas opções em aberto para a criatividade de cada leitor. “Muitos perguntam: ‘e o fim?’, e nós dizemos que não precisa haver um desfecho”, defende Vinicius, no que é apoiado por Guilherme. “Não precisamos de um encerramento emblemático, é muito mais importante ter um miolo interessante. Não temos essa mentalidade de filme hollywoodiano do cara que precisa enfrentar um desafio a ser superado no final.”

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Da ironia ao incômodo

Ainda que algumas histórias sejam mais recentes, boa parte de “O lugar do resto” já estava praticamente pronta desde 2013, mas o projeto quase não saiu das gavetas da dupla. “Foi muito por persistência do Vinicius”, conta Guilherme. “Eu meio que desisti porque perdemos alguns editais da Lei Murilo Mendes por detalhes bobos, como a falta de uma assinatura, mas ele insistiu. Disse que o livro já estava no forno, que precisávamos apenas reler os textos, arrumar, excluir ou incluir algumas partes, fazer a revisão.” Foi aí que entrou a participação de Petrillo, que durante o processo de criação das ilustrações teve vários encontros com os escritores, que liam alguns textos em voz alta e viam os desenhos sendo criados na hora.

Tanto Vinicius quanto Guilherme acreditam que, mesmo com a continuidade da aposta no realismo fantástico, há diferenças perceptíveis entre “Comum de dois” e “O lugar do resto”. “Os dois livros têm a mesma intenção, mas o ‘Comum de dois’ tinha uma escrita mais jocosa, um texto com mais humor; ‘O lugar do resto’ é mais pesado, para incomodar, não é para ler na hora de dormir (risos)”, diz Vinicius.

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Absurdo a quatro mãos

Outro diferencial de “O lugar do resto” é o conto que fecha o livro, “O vigário e o poço”. A obra é a segunda escrita a quatro mãos e a primeira a ser lançada em livro. A ideia surgiu quando Guilherme, ao sair de um restaurante no São Mateus, observou uma das placas da Rua Padre Café, em que entre as atividades do homenageado estavam “padre, jornalista e advogado”. “Foi então que criei a trama do Padre Canela e fiz uma história inicial para o vigário, que mandei para o Vinicius. Ele continuou o texto por um caminho diferente, e seguimos nessa, enviando um novo trecho um para o outro, até termos uma história coerente.”
Um fator interessante foi observar, durante a entrevista, que cada um imaginava a história passada em um lugar diferente, o que talvez faça com que a história do padre que prepara uma forma incomum de um político se livrar de seus pecados tenha um desenvolvimento ainda mais interessante. “Achei a proposta difícil, mas foi um desafio divertido. Foi uma questão, depois, de ajustar o texto para a diferença de estilos não ficar aparente”, conta Vinicius, lembrando que o conto, a princípio, sequer entraria no livro. “Quando nos lembramos dele, fui reler e vi que estava muito bom.”

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