
Fred, Mallu Magalhães e Marcelo Camelo gravaram o novo projeto do trio em Portugal
Há pouco mais de um ano, Marcelo Camelo e Mallu Magalhães decidiram que era hora de buscar um novo lugar para chamarem de lar e resolveram que este seria do outro lado do oceano. A mudança para Lisboa, a capital de Portugal, já começou a render frutos musicais a partir do lançamento, este mês, do primeiro álbum da Banda do Mar, projeto do casal com o baterista lusitano Fred, com experiência em bandas como Orelha Negra e Laia. As 12 faixas do projeto capitaneado pelo trio foram produzidas na primavera e no verão do país localizado no Hemisfério Norte – e o calor das terras portuguesas rendeu um belo álbum, luminoso, em que o rock, o pop, a jovem guarda e a surf music mostram uma galera de bem com a vida. A estreia em palcos da trupe, inclusive, já está marcada: 10 de outubro, em Porto Alegre, com o Circo Voador, no Rio de Janeiro, sendo a próxima parada, já no dia seguinte.
Mesmo enfrentando uma bateria de entrevistas por dois dias seguidos na última semana, Marcelo Camelo não desanimava em explicar como se deu a gestação do novo projeto, a sensação de participar novamente de uma banda e o que mudou no seu modo de compor nestes quase 20 anos de carreira, iniciada ainda na década de 1990 com o Los Hermanos. Sobre a Banda do Mar em si, ele explica que se trata tanto de uma consequência da mudança para a Europa quanto uma ideia que aguardava o momento adequado. “É um pouco dos dois, mais que consequência faz parte de um mesmo movimento que vai ficando mais claro à medida que a gente fala, foi um desdobramento natural do que pensava em fazer profissionalmente por lá”, explica Camelo. “O Fred foi um dos motivos de a gente ter mudado para Lisboa. Nos conhecemos há dez anos, sou padrinho da filha dele. Falamos não só sobre música, mas também de outros assuntos.”
E foi de conversa em conversa que os três amadureceram a criação da Banda do Mar, incluindo aí o fato de estarem em uma nova terra – mesmo que numa mudança que ainda era breve. “O que definiu o processo de composição foram as conversas iniciais, a presença um do outro. A interseção é a nossa mira, isso muda o escopo de composição. Tenho a sensação, já há algum tempo, que algumas coisas gerenciam nossas escolhas. No fundo, estamos escolhendo sob influência de diversos fatores, entre eles a geografia, a incidência solar, as placas tectônicas, os cheiros, as gírias, os modos. Gosto de pensar que o lugar em que a gente está influencia o som”, filosofa. Além dos fatores externos, o próprio compositor buscou internamente seus novos rumos artísticos.
“Essa coisa da composição serve, para mim, como instrumento de transformação. Não quero ficar agarrado a um método. Houve época em que a composição era muito rebuscada. Venho procurando um caminho mais inconsciente, tenho conseguido me sentir mais representado. Enxergo o trabalho de composição desse disco como desdobramento desse trabalho. Dois exemplos do que quero dizer são o Jorge Ben Jor e o Luiz Melodia, que fazem letras que dizem sem dizer, sem que pareça bula de remédio, cartilha, para serem interpretadas com o coração. Venho me aproximando um pouco mais desse movimento. As canções desse disco são reflexo disso.”
A luz que vem do som
Para quem ouve o álbum, ele parece transmitir uma luminosidade em sua mistura de ritmos mais alegres, seja os lampejos da surf music, a jovem guarda, o pop, e o rock. Seria a Banda do Mar um “disco de gente feliz”? “Sempre senti, pessoalmente, que a maturidade e o envelhecimento me trouxeram muitas coisas boas. Tem sido bom envelhecer, estou lidando melhor com medos, ansiedade, tomada de decisões. Ao mesmo tempo, porém, a composição nunca foi um reflexo direto do que estou sentindo. Às vezes, sim, às vezes, o oposto, de algo que queria para mim e vejo refletido em outra pessoa. Ou algo que queria dizer para alguém sobre outro alguém. No fundo, é enxergar o fulgor nas coisas viventes. Os objetos das músicas soam cada vez mais turvos para mim. Cada vez fico mais à vontade em misturar as sensações”, pontuou.
“Acho que nós todos trabalhamos por oposição. A natureza da vida é a pulsação, os movimentos de contração e expansão. Isso faz parte do meu gosto de viver e ver as coisas, experimentar novas sensações, e fazia parte do nosso conjunto inicial de intenções quando nos reunimos, de fazer algo diferente do que eu e Mallu estávamos fazendo, que era algo mais acústico. Vínhamos explorando essa linguagem há algum tempo, e isso nos deu vontade de fazer um disco mais cru, direto, era um conjunto de intenções vago. Era um desafio proposto, e chegamos a isso no disco.”
Dentro desse caldeirão de influências que permeou a gravação do álbum, os Beatles ajudaram a moldar a sonoridade da Banda do Mar. “Os Beatles surgiram numa conversa inicial, quando o Fred disse uma frase que permeou o trabalho inteiro: que a próxima nota dos Beatles sempre é aquela que você quer ouvir, e acho que a gente tentou se valer dessa informação. O conjunto de influências é plural, poucas vezes a gente fala no estúdio de timbres, de bandas, de engenheiros de som, mas sim de emoções, de gatilhos que lembram uma emoção”, conta o artista, que particularmente prefere a “fase de Hamburgo” dos quatro rapazes de Liverpool, quando Pete Best ainda era o baterista e Stuart Sutcliffe o indeciso quinto elemento.
Sete anos após o chamado “hiato” dos Los Hermanos – e quase dez após o último álbum do quarteto, “4” -, interrompido por reuniões esporádicas, Marcelo Camelo volta a fazer parte de uma “turma”, por assim dizer, onde todos têm voz. “Essa parte cotidiana das decisões do estúdio é fácil. Nós somos agregadores, gostamos das pessoas, de estar junto. A gente leva em conta a opinião de uma pessoa que não está participando da gravação, mas que passa ali pelo estúdio. A diferença fundamental do trabalho com a banda para o solo é que neste, na hora de planejar e antever o som, o interlocutor é você mesmo, com suas muitas possibilidades. Na banda, o interlocutor é uma pessoa física, presente, com nome, sobrenome, que tem peso sobre sua personalidade. Se tirasse um de nós, o disco seria outro.”
O mar, por fim, sempre foi um tema presente em boa parte das músicas de Marcelo Camelo. O oceano, do outro lado do Atlântico, continua sendo o mesmo para o compositor? “João Donato e Gilberto Gil têm uma música que diz que ‘todo mar é um’. O mar é um signo rico de interpretações. Se a gente fizesse um disco melancólico, não acharia inadequado chamá-lo de ‘Banda do Mar’. Ele significa desde as ondas da Califórnia até o barco do (Dorival) Caymmi, do poder assertivo de Netuno à sedução da sereia, da costa carioca ao mistério do descobrimento.”