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Mostra de Helvécio Ratton reflete sobre a relação entre indivíduo e Estado

Batismo de Sangue Cred Estevam Avellar destacada
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Aos 70 anos de idade, Helvécio Ratton já retratou muitas histórias, mas a relação entre indivíduo e Estado é um tema recorrente em grande parte da sua filmografia. Militante durante a ditadura militar, época em que era estudante de psicologia, o cineasta também usou a câmera como ferramenta de denúncia, Para mostrar à sociedade a opressão sofrida por quem “fugia à razão”, por quem se opunha ao domínio, por quem era prejudicado por interesses particulares maquiados de bem comum. Homenageado no Polo Audiovisual TV (poloaudiovisual.tv), três de seus filmes estão disponíveis até este domingo (14) na plataforma de streaming do Polo Audiovisual da Zona da Mata. Nesta quinta-feira (11), o cineasta participará de um debate ao vivo, às 19h30, no canal do YouTube.

Foto: Divulgação

“Essa relação entre indivíduo e Estado é um tema que está muito presente na vida brasileira nesse momento, e acho que discutir isso será muito importante”, observa o diretor. “Tem muita coisa acontecendo à nossa volta, temos que ficar atentos como sociedade, falar sobre isso e nos posicionarmos. Não podemos dizer que fomos pegos de surpresa pela História. Esses três filmes mostram de que forma o Estado age sobre o indivíduo, às vezes brutal ou sutilmente, mas é sempre uma dominação.”

No curta-metragem “Em nome da razão” (1979), Helvécio documenta o sofrimento dos considerados “loucos” que eram confinados por anos no Hospital Psiquiátrico de Barbacena. O cineasta teve a oportunidade de visitar o local com um grupo de profissionais da saúde e intelectuais, com autorização da Secretaria de Saúde de Minas Gerais. O filme tomou grandes proporções após ser exibido em um congresso em Belo Horizonte, na presença do psiquiatra italiano Franco Basaglia, figura importante na luta antimanicomial. Helvécio chegou a ser premiado, e o documentário foi muito relevante na desconstrução desse sistema no Brasil.

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“A forma como o estado pode se apoderar de uma pessoa, por meio do tratamento psiquiátrico, e confiná-la no hospício a vida inteira, sempre foi algo que me chocou muito. Lá, fiquei escandalizado com o que vi, porque parecia que estávamos assistindo a um campo de concentração nazista. Voltei com a disposição de fazer um filme, com uma equipe pequena, quase de guerrilha, e passamos uma semana lá dentro filmando. Filmei tudo que queria e evitei as cenas mais escabrosas, porque o objetivo não era chocar as pessoas, mas mostrar o grau de desumanização que aconteciam nos hospícios, mais especificamente no de Barbacena. Aquilo sempre me deixou muito tocado e até hoje. Quando vejo o filme, fico muito mexido, lembro dos cheiros que sentia de suor, excremento e o sofrimento”, relembra. Após este filme, Helvécio tinha certeza de que seu diploma em psicologia não seria utilizado. Seu destino era o cinema.

Outras formas de opressão

Retratando o período da ditadura militar, “Batismo de sangue” (2007) se baseia em fatos reais para contar a história de frades dominicanos que participaram na luta contra o regime. O roteiro escrito por Helvécio Ratton e Dani Patarra é uma adaptação do livro de Frei Betto, que revela a tortura como instrumento de dominação do Estado. “Esse filme tem a ver com minha militância, porque durante a ditadura entrei na universidade, militei muito e acabei sendo exilado por causa disso. Eu sempre quis contar alguma história passada nesse período e, quando fiz esse filme, em 2006, vários filmes sobre o tema haviam sido produzidos. Resolvi escancarar as coisas, mostrar de fato o que acontecia nos porões da tortura do Brasil”, revela.

Batismo de Sangue (Foto: Estevam Avellar)

Segundo as observações do cineasta, as formas de opressão do Estado sobre o indivíduo se dão de maneiras diversas. O documentário “O mineiro e o queijo” (2011) retrata um exemplo de dominação sutil, por meio da política atrelada à economia. Instigado pela proibição do comércio de queijos artesanais mineiros fora do estado de origem, ao passo que o mesmo produto foi tombado como patrimônio cultural brasileiro, Helvécio percorreu as regiões do Serro, Canastra e Alto Paranaíba para entender o problema que atinge milhares famílias de produtores.

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“Aqui em Minas Gerais se produz queijo artesanal há mais de 300 anos, desde que começou a exploração do ouro, porque as pessoas não tinham com o que se alimentar e trouxeram de Portugal uma forma de fazer queijo, adaptado para o leite de vaca. Isso faz parte da história do povo mineiro, mas nos anos 1950 foi proibido de circular fora do estado. Na verdade, a lei obedecia a normas sanitárias norte-americanas, estabelecidas depois da Segunda Guerra Mundial. Aqui isso aconteceu de forma incoerente: esse mesmo Estado que proibia o queijo, o decretava como patrimônio. Essa contradição me interessou muito”, relata. Poucos após o lançamento do documentário, o Ministério da Agricultura flexibilizou a comercialização do queijo em 2011.

O Mineiro e o Queijo (Foto: Rusty Marcellini)

Em busca de narrativas que encantam

Sempre aberto a contar histórias que o motivam, fosse a partir da realidade ou da literatura, Helvécio tem em sua filmografia obras diversas, como “O Menino Maluquinho – O filme”, baseado no personagem de Ziraldo. Para o diretor, natural de Divinópolis, o que o encanta é a narrativa: “a forma como ela me prende e me faz esquecer de mim mesmo é o que me faz querer levá-la a outras pessoas. É a minha paixão”, conta.

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Seu próximo filme estava previsto para ser lançado em 3 de setembro, mas foi adiado por conta da pandemia. “O lodo” é uma adaptação do conto homônimo do escritor mineiro Murilo Rubião, e foi rodado com a participação de atores do grupo de teatro Galpão.

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