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Presente e passado unidos por traços e cores

A religiosidade marca presença na procissão dos fiéis para a igreja de Santa Rita de Ibitipoca. Foto: representação
A religiosidade marca presença na procissão dos fiéis para a igreja de Santa Rita de Ibitipoca. Foto: reprodução
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A obra do artista plástico Gerson Guedes tem uma forte ligação com Juiz de Fora e um pouco além de seus limites, retratando a urbe e seus pontos históricos, patrimônio arquitetônico, voltando ao ciclo do café, o Caminho Novo e outras referências que ajudaram a transformar a cidade. E é esta ligação entre presente e passado, a metrópole e o entorno da Zona da Mata, que Gerson mostra em sua mais nova exposição, “Cor acima, serra abaixo”, com abertura neste sábado (10) no adro da Igreja Matriz de Conceição de Ibitipoca, em Lima Duarte, onde permanecerá até o próximo dia 17. As pinturas também poderão ser conferidas em uma galeria virtual no site do artista (www.gersonguedes.com.br), com recursos que permitem, entre outras opções, observar detalhes de cada quadro.

São 14 trabalhos em acrílico sobre tela acompanhados de textos poéticos para cada obra, fruto de um trabalho de pesquisa iniciado há dois anos. As telas criadas por Gerson Guedes viajam pelo tempo e entre as terras de Juiz de Fora e Conceição de Ibitipoca, mostrando pontos às margens do Rio Paraibuna, a antiga Estação de Diligências de Juiz de Fora, o trabalho dos tropeiros, as sesmarias, a Igreja Matriz. “Essa exposição é uma tríade que envolve história, poesia e pintura. Sempre gostei de circular por estes caminhos, mesmo sendo a literatura uma aventura para mim. E sempre foi uma preocupação nas minhas exposições, desde os anos 80, de ter Juiz de Fora e a Zona da Mata norteando meu trabalho, seja com o ciclo do café, com o Rio Paraibuna”, explica Gerson.

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As margens do Paraibuna mostram Juiz de Fora em dois momentos distintos: a vila de Santo Antônio do Paraibuna e a moderna metrópole.

A atual série teve como gatilho a história da família de Antônio Dias Tostes, que ajudou a unir em um único conceito a maior das cidades da Zona da Mata e Conceição de Ibitipoca. “Antônio Dias Tostes nasceu na região de Ibitipoca em 1777, batizado na igreja de Santa Rita de Ibitipoca e morreu em Santo Antônio do Paraibuna em 5 de junho de 1850, cinco dias após esta ser elevada a vila. Foi das pessoas que mais articularam por este momento com Henrique Halfeld e outros nomes”, lembra. “Se pegarmos o período de sua vida, teremos momentos importantes como o declínio da extração de ouro de aluvião, o início do ciclo do café, sua saída dessa região de garimpo e a vinda para as cercanias do Paraibuna. Foi um dos que se preocuparam em recuperar o nome de Juiz de Fora.”

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Ligações no tempo e espaço

A partir da história de Dias Tostes, Gerson Guedes retratou o passado e o presente das duas localidades. “Acredito ter uma pintura ‘narrativa’, então pintei o que havia antes na cidade e o que existe hoje, quando as pessoas fazem o percurso inverso e saem daqui para as serras a fim de buscar um novo ouro, que é a paz”, filosofa. “Por isso dei este nome à exposição, em que busco retratar o processo da vinda e também o percurso da volta.”

“A ligação ocorre por partilhar, viver esses dois mundos”, continua. “Cada uma tem seus valores indispensáveis, mas Juiz de Fora deu um salto tão grande no seu processo de se tornar metrópole que você precisa, às vezes, sair para ter um contato maior com a natureza, que remete às nossas raízes mineiras, trafegar por esses mundos. É interessante por ter dois tipos diferentes de informação: um dia você cruza com um carro de boi em Ibitipoca, coisa que não se encontra mais por aqui. Você tem que sair para encontrar isso, essa qualidade de mineirice nas pessoas. O desafio do olhar e a concepção do projeto estão em agrupar esses dois universos em um só.”

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O silêncio como parceiro criativo

O ciclo do ouro é destacado por meio da presença dos garimpeiros antes de o café se tornar o ‘ouro verde’. Reprodução

As pesquisas a respeito da vida de Antônio Dias Tostes tiveram início em Ibitipoca, e o cenário bucólico do distrito de Lima Duarte foi outro elemento de inspiração para o artista. “O silêncio que encontrei foi um grande parceiro da criação; o silêncio e o ócio (risos). Havia também o tempo para observar, a cidade te sufoca e não te permite isso. Você, muitas vezes, não lembra a lua que estava no céu, não encontra tempo para conversar com as pessoas… Acho que isso acrescentou ao meu trabalho um silêncio que sentia falta. Os traços, as cores, a forma de distribuição desses traços…”

Essa inspiração, aliás, ele salienta que pode ser observada ao se comparar os quadros pintados em Ibitipoca e aqueles criados em Juiz de Fora. “Os de Ibitipoca têm mais horizonte, profundidade, são mais comprometidos com o silêncio. Outro detalhe fundamental é que você atinge uma maturidade de passar a pintar o que considera realmente valoroso, mostrar para as pessoas que elas têm o direito e – talvez – o dever de conhecer o seu trabalho. Apresentar o trabalho na igreja é cumprir a profecia do Fernando Brant, de levar a arte a onde estão as pessoas.”

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Ao fazer essa ligação espaço-temporal a partir da vida de Antônio Dias Tostes, Gerson Guedes permite a seguinte questão: qual seria a reação de Dias Tostes ao ver Juiz de Fora e Ibitipoca, hoje, por meio do olhar do artista? “Acho que ele se assustaria com a velocidade não só na questão arquitetônica, mas também no comportamento das pessoas, o distanciamento entre elas. Acredito que ele se perderia no meio desse emaranhado de fios, que não imaginava as proporções do crescimento da cidade da forma que ocorreu, todas as benfeitorias que tivemos”, diz.

“A cidade teve um salto muito grande entre o fim do século XIX e a metade do século XX. Esse salto de vila para a Manchester Mineira foi muito impactante. O mesmo não ocorreu com Ibitipoca, apesar de haver mudanças de hábitos, o início da especulação imobiliária. Nas regiões menos habitadas, você encontra parelhas de bois, águas cristalinas, fumaça saindo dos fogões. O seu berço continua ‘protegido’ e pouco modificado.”

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