O disco “A pegada agora é essa (The sway now)” está enraizado no Rio de Janeiro onde nasceu e cresceu o arranjador e multi-instrumentista Antonio Neves, 30 anos. Mais precisamente na correria peculiar carioca, na “agulhação”. “A galera aqui sabe o que é estar agulhado”, brinca Antonio. “É como se estivesse com pressa para chegar a determinado lugar para onde só há dois caminhos, e o Rio de Janeiro está uma zona do caramba.” Lançado pelo selo britânico Far Out Recordings em fevereiro, o álbum é o segundo do músico, que, em 2017, havia lançado “Pa 7”, pela Rock It. “A pegada agora é essa” tem as participações de nomes como o percussionista Marcos Esguleba, das cantoras Alice Caymmi e Ana Frango Elétrico, do bandolinista Hamilton de Holanda e dos saxofonistas Leo Gandelman e Eduardo Neves, pai de Antonio.
Embora a principal influência de Antonio seja a música instrumental, o álbum é uma amálgama entre jazz e ritmos tradicionalmente ligados à MPB, o que o isenta de qualquer sonoridade ortodoxa. “É até difícil falar qual seria o estilo… eu ouvi muito jazz por causa do meu pai, então, com certeza, é uma das minhas influências. O próprio movimento de ter colocado piano e baixo acústicos já o aproxima do jazz. Mas eu brinco que é uma coisa meio funk carioca jazzístico psicodélico. Há muitas influências, como o próprio funk carioca, samba partido-alto e afrobeat. Cada faixa tem uma cara”, afirma Antonio. Das oito músicas do disco, apenas três não são de composição própria: “Noite de temporal”, de Dorival Caymmi; “Luz negra”, de Nelson Cavaquinho e Amâncio Cardoso; e “Summertime”, de George Gershwin.
O disco é indissociável das participações especiais, porque foi justamente a partir da ideia de reunir os amigos que o trabalho foi concebido ainda em 2018. “Eu já estava a fim de gravar um novo disco, já tinha a ideia na cabeça”, conta. “Mas, certa noite, eu assisti despretensiosamente ao documentário ‘Quincy’ (2018), sobre o (produtor norte-americano) Quincy Jones, e não consegui dormir, porque a história do cara é muito bizarra. Fiquei fascinado com a maneira como o mostraram produzindo no estúdio, convidando os amigos que queria.” Quando se deu conta que poderia reunir os amigos que fez na cena musical, Antonio então, já no dia seguinte, colocou no papel todos aqueles que poderia convidar.
Cozinha primeiro
À época, relembra, utilizava muito o jargão “a pegada agora é essa” em conversas com os amigos e que, no final das contas, dá o nome ao novo álbum. Antonio começou primeiro pela base, ligando para baixistas e pianistas, e, depois, percussionistas. Ele mesmo gravou a bateria. As músicas selecionadas, por sua vez, seriam gravadas independentemente das participações especiais, já que Antonio as tocava durante os shows em que divulgava o primeiro álbum. “Noite temporal” só poderia ser interpretada por Alice Caymmi, diz, já que a composição é de Dorival. Para “Luz negra”, Ana Frango Elétrico, porque seria inusitado Ana interpretar uma música de Nelson Cavaquinho, explica Antonio. “A Ana Frango Elétrico já estava fazendo a arte do disco, dos singles, então a convidei. A princípio, ela estava receosa, porque nunca tinha cantado a música, mas embarcou.”
Na faixa “A pegada agora é essa”, o percussionista Marcos Esguleba, há mais de 40 anos à frente da bateria da Unidos da Tijuca, deu irreverência com várias intervenções de voz. Em “Forte apache”, a princípio, o convidado foi o músico Thiago da Serrinha, percussionista de Hamilton de Holanda, que propôs a Antonio Neves o nome do próprio Hamilton. Os saxofonistas Leo Gandelman, “um irmão mais velho”, e Eduardo Neves, pai de Antonio, gravaram, respectivamente, “Lamento de um perplexo” e “Jongo no feudo”.
No entanto, uma das participações mais especiais foi a de Leda, logo na primeira faixa do álbum, “Simba”. “Ela foi quem me criou praticamente, porque trabalhava na casa da minha avó, me viu nascer. Foi uma participação afetiva. Foi engraçado vê-la no estúdio, porque nunca tinha gravado nada. Ela fez tudo no freestyle. Eu dizia que determinado trecho era para simular uma briga, outro um ‘vamos nessa’. Casou muito com a proposta da música.” Apenas “Summertime” não teve participação. “Tentei convidar alguém, mas, como é inglês, ficou difícil, e já estava no prazo para entregar o disco, então eu mesmo cantei”, detalha.
Selo internacional
Ao contrário do álbum “Pa 7”, “A pegada agora é essa” sai pelo selo britânico Far Out Recordings, negociações intermediadas pelo parceiro e produtor executivo do disco Santiago Perlingeiro. “Mandamos três singles pra eles. Gostaram bastante, então se animaram a lançar”, relata Antonio. “Achei que seria uma boa oportunidade, porque, apesar de o disco ter muitas participações e vozes, eu venho mais do instrumental, e a repercussão da cena é meio difícil quando lançamos um trabalho aqui (no Brasil). Pensei que seria uma boa estratégia para a divulgação lançar lá fora.” O primeiro álbum da carreira não chegou a ser muito ouvido lá fora, afirma. “Ficou muito restrito à bolha da galera do Rio de Janeiro.”
Para o multi-instrumentista, a cena instrumental no Brasil é devagar, o que atribui a um certo abandono. “Se botamos uma galera para tocar instrumental na rua, o público vai ficar em volta, a parada vai virar um evento e todos vão gostar. Só que o público não sabe que gosta, porque não tem muito acesso, não fala muito nos nomes das pessoas da cena instrumental. Há milhares de nomes. Pouca gente conhece, sei lá, Rosinha de Valença. A galera vai até Baden Powell apenas.” Antonio acredita que o problema está na ausência da música no currículo escolar. “Em vários países, as pessoas têm acesso às big bands das escolas. Vários países, não só de primeiro mundo. A Venezuela é um caso. Acho que há um déficit na educação musical mesmo, de ter acesso a instrumentos.”