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Artistas se manifestam sobre suspensão de eventos em Juiz de Fora

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Rodrigo Medessan, Vinícius Cristovão, Ayslan Melo, Letícia Nabuco e Hussan Fadel, integrantes dos coletivos Corpo Coletivo e Mercúrio Líquido (foto: Felipe Couri)
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Em uma semana, a intervenção “Praia”, do coletivo Mercúrio Líquido, ganhou proporções que a própria proposta de ruptura do edital “Pau-Brasil”, da Funalfa, em comemoração aos 100 anos da Semana de Arte Moderna, não dava conta. Em nota divulgada pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) nesta quinta-feira (10), tanto “Praia” quanto a performance “Paz, amor e liberdade”, do grupo Corpo Coletivo, foram suspensas. A justificativa apresentada foram os “riscos elevados de turbulência social com ameaças à integridade física dos artistas e demais pessoas nas ruas de Juiz de Fora”. A “Praia” já havia acontecido no fim de semana passado. Os artistas que participaram contam que não sentiram nenhuma ameaça por parte daqueles que se manifestaram contra nas redes sociais. Na esteira da polêmica, “Paz, amor e liberdade” também não poderá acontecer nesta sexta-feira (11), como estava programado, graças à repercussão do outro ato.

Rodrigo Medessan, Vinícius Cristovão, Ayslan Melo, Letícia Nabuco e Hussan Fadel, representantes dos dois grupos artísticos envolvidos, pensam que, na verdade, toda a repercussão que causou o adiamento teve como mote um discurso insuflado no ambiente on-line. Todos receberam fake news em alguns grupos e, para eles, a questão teve início com isso, já que muitos dos autores das manifestações contrárias sequer passaram pelo Parque Halfeld no último sábado. Algumas imagens adulteradas também circularam e davam a entender que os 15 artistas estavam nus, o que em nenhum momento ocorreu, mas assim reverberou em alguns círculos conservadores.

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“Paz, amor e liberdade” seria também, como “Praia”, uma intervenção no espaço público. No entanto, por possuir mensagens mais diretas contra a conduta do atual Governo federal, foi adiada. Vinícius explica que a intervenção elaborada pelo Corpo Coletivo findaria com uma proposta de paz, e que o circuito com algumas mensagens seria acompanhado por pessoas usando fones de ouvido. Ou seja, quem não quisesse, só seria impactado pela imagem, não pelo som. Mas, apesar do desejo do coletivo de ir adiante com a performance, a sugestão da Prefeitura, que aprova e financia a iniciativa através do Programa Cultural Murilo Mendes, foi de adiar. Não há data certa para que a apresentação seja realizada.

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A decisão em relação a “Praia” também só foi tomada nesta quinta. Alguns grupos já se articulavam para uma manifestação contrária à intervenção, também no sábado, na Rua Halfeld. O medo era do que o encontro entre grupos antagônicos poderia causar. Mas a vontade do Mercúrio Líquido era, também, de fazer acontecer. Eles veem o adiamento como uma indefinição. Para Rodrigo Medessan, fora da Semana de Arte Moderna, as duas intervenções não teriam contexto para acontecer, até porque foram pensadas exatamente com base nela. Todos também concordam, porém, que em qualquer momento os dois projetos causariam impacto. A proposta deles é, então, repensar o papel da arte e do artista na cidade.

Astistas conversaram com o Tribuna na tarde desta quinta-feira (Foto: Felipe Couri)

Construção de uma identidade

Hussan Fadel comenta que o Legislativo de Juiz de Fora investe menos em cultura que o recomendado. O que ajuda os artistas são os editais de fomento, como o Programa Murilo Mendes. “É isso que permite a pulverização da cultura e faz com que a gente crie uma identidade. Os dois grupos são de Juiz de Fora e possuem trabalhos na cidade. Se a gente não puder fazer nossa arte, a gente vai para o grande mercado e fica quase que castrado”, diz Hussan, que ainda lembra que os dois projetos falavam sobre coisas muito próprias da cidade, como a associação de Juiz de Fora com o estado do Rio de Janeiro, no caso da “Praia”, e o atentado sofrido por Jair Bolsonaro no Calçadão em 2018, no caso de “Paz, amor e liberdade”.

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Letícia completa que um dos papéis da Semana da Arte Moderna era, exatamente, questionar o que é o belo. “As pessoas acham que a arte é só aquela coisa bonita, que agrada. Mas, não, ela tem várias funções, inclusive cutucar a ferida. Se as pessoas tivessem acesso a essa arte desde sempre, seria muito mais fácil. Gostar ou não é um direito de qualquer pessoa. O problema é ofender e onde isso pode levar.” Eles ainda acreditam que é esse tipo de impedimento que faz com que muitos artistas saiam da cidade para tentar viver de cultura em outros lugares. Mas todos afirmam querer continuar aqui para, pelo menos tentar, mudar a situação.

Assim como os críticos das intervenções se manifestaram, a classe artística também vem se posicionando desde o último sábado. Os dois coletivos afetados pelo adiamento se uniram e propuseram a união de toda a classe. Apesar de estarem incomodados, eles acreditam que foi um bom momento de isso acontecer para mostrar que a união é necessária. Eles afirmam estar desconfortáveis não com a decisão de adiamento, mas por não poderem exercer seu trabalho como qualquer outra pessoa. Rodrigo ainda reitera que esse foi um dos primeiros atos de volta às ruas desde a pandemia, e que, mais uma vez, foi impedido de acontecer. Na noite desta quinta-feira, os dois coletivos se reuniriam com outros artistas no espaço Diversão e Arte, que é onde a “Praia” foi ensaiada. De acordo com Letícia, a intenção era ouvir outros artistas para começar a articulação que eles afirmam ser necessária. Mas, como disseram, é difícil qualquer ato neste momento.

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Posicionamento da Funalfa

Em entrevista à Rádio Transamérica na manhã desta quinta-feira, Giane Elisa Sales de Almeida, diretora geral da Funalfa, esclareceu que o serviço de inteligência da Secretaria de Segurança Urbana e Cidadania (Sesuc) vai continuar apurando a situação para averiguar quando e como seria seguro acontecer as intervenções. Ela disse, também, que é direito dos artistas se manifestarem artisticamente, e que os eventos só foram adiados por causa dos perigos de confronto. Apesar da surpresa da repercussão, ela afirmou que esperava alguma mobilização, já que a arte, por si só, causa impactos.

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