“Papo de Maquinaria” começou com uma ideia incipiente do Del Guiducci, editor de internet da Tribuna. Ele traçava o conceito de um programa para internet com conversas despretensiosas junto a artistas e bandas locais. Com Júlia Pessôa, repórter que vive com fones de ouvido e discos girando na vitrola de sua casa, escolheu 11, entre artistas solos e bandas, para entrar nessa história. O único critério: ser uma galera que está marcando o contexto atual de produção musical autoral na cidade.
‘Sem script e sem corte’
O formato em websérie vai abrir o espaço TM Sons, canal dentro do novo site da Tribuna destinado, essencialmente, à produção de conteúdo audiovisual sobre a música de Juiz de Fora. O conceito foi sendo moldado no desenrolar das gravações, “total sem script e sem cortes”, conta Júlia, beatlemaníaca que até hoje se encanta ou se engana pela história de seu pai ter escolhido seu nome por conta da canção “Julia” – assinada por Lennon/McCartney, em 1968, encerrando o disco 1 do “White Album”.
Assista ao primeiro episódio no ‘TM Sons’ clicando aqui.
A série, gravada no Estúdio Maquinaria, tem caráter bastante documental, já que é o registro de um recorte de artistas que estão construindo um novo momento da música juiz-forana juntos. “A gente falava de música, mas não só de música. A ideia também foi a de tirar os músicos desse discurso somente artístico e deixar que contem histórias pessoais e da relação com a cidade”, explica Júlia. Tierez Oliveira, que é vocalista e guitarrista da Usversus, diz que tudo funcionou naturalmente a ponto de eles acabarem lembrando de histórias de início de banda, pré-gravações, antes nunca ditas em entrevistas. Ele também falou sobre o papel das plataformas streaming, de vídeo, bem como das redes sociais para a difusão do material que criam. E ressaltou como é essencial que exista uma produção de conteúdo vinda de fora para que sejam escutados e vistos por novos públicos.
Cruzando as conversas de grupos com propostas estéticas sonoras dissonantes, Júlia percebeu que há uma reciprocidade entre os personagens, uma camaradagem mesmo, essa é a palavra. A correria de saberem se virar com pouco recurso, sem parar de produzir, lançar e tocar, tem tudo a ver com o movimento faça-você-mesmo. Nesse aspecto, não importa o som, a MPB juiz-forana, o rap, o hardcore, o samba, tudo é punk pra caramba. “Eles estão ligados em todas as etapas de uma banda para além da parte musical, estão colocando o bloco na rua mesmo!”, bem define Júlia.
Filmagem, montagem e edição do “Papo de Maquinaria” são assinadas pela repórter Barbara Landim, que está à frente do trabalho audiovisual e construção da narrativa dessa série. Para cada episódio, foram gravados três trechos de músicas ao vivo, em versões intimistas, como na sala de casa, e cada episódio será lançado dividido em três blocos, sempre às segundas, quartas e sextas, com exceção do lançamento deste domingo.
Estreia com Alessandra Crispin
O programa musical e de entrevistas com a cantora e compositora Alessandra Crispin é o primeiro a ser disponibilizado. Alê fala sobre o movimento das mulheres na música e levanta com força a bandeira dos artistas independentes. Ela, que lançou um disco autoral com sua banda no ano passado, está hoje, também, com um novo projeto solo, o “Nua”. Alessandra, sozinha, de mãos dadas com seu violão, sai com novidades em composição autoral e também versões de musicistas que admira. “Essa é uma nova roupagem que tem a ver com as condições sócio-econômicas do Brasil e também fortalece esse movimento de mulheres na música”, defende. Hoje as mulheres musicistas estão pegando estrada sozinhas, levando sua música para onde querem, sem depender de ninguém. E ainda há a questão de ser muito mais viável a contratação de bandas menores, duos ou solos.
A ideia principal da websérie é poder levar a música da cidade aos ouvidos das pessoas que moram aqui, e isso funcionou até mesmo para a Barbara, que, a cada nova entrevista, ao pesquisar e conhecer a discografia das bandas, se deliciou na escuta de novos sons. “Quando encontrei o álbum do Raí Freitas, fiquei viciada, ouvindo sem parar, o da Laura Jannuzzi também adorei, e é muito interessante pensar que esses artistas estão aqui tão perto da gente.”
Reverberar o que é nosso
Raí Freitas, que compõe, grava e toca acompanhado do U Bandão, diz que a saga do artista independente começa quando as mídias de alcance mais abrangente não se preocupam com essa produção contra-hegemônica, que, diga-se de passagem, não para de lançar e tocar, seja por um selo ou de forma completamente autônoma. Em qualquer final de semana em Juiz de Fora, é possível ir a apresentações de bandas autorais da cidade.
Toda semana surgem novas músicas, discos ou clipes na internet de compositores locais. Se há esse impacto profundo no cenário artístico-cultural provocado pelos próprios protagonistas que correm atrás de reverberar suas criações, tem de haver uma congruência em produção de conteúdo jornalístico. “A diversidade artística precisa estar acompanhada de uma diversidade de conteúdo muito própria do jornalismo cultural”, diz Júlia, ainda ressaltando que o jornalismo especializado em cultura, por ser mais inventivo, acaba radiando em outras editorias.
O músico, que tem um pé aqui e outro em Volta Redonda (RJ), sentou-se ao lado de Júlia, de frente para Barbara e sua câmera, e sentiu-se como se estivesse trocando ideias em sua casa. Raí fala sobre não ter a resposta da entrevista pronta, vir tudo na hora, totalmente como foi a construção de Júlia, toda intuitiva, seguindo o ritmo de cada encontro. O programa, inevitavelmente, é a cara dela, e reflete também no jeito de cada artista, há autoralidade e singularidades em todos os episódios. Raí Freitas & U Bandão estão com um single fresquinho gravado em Volta Redonda, no home studio Quarto da vó Penga. Assombra” será lançado nesta quarta-feira (12) no canal do YouTube e Soundcloud da banda, em breve em streaming no Spotify e Deezer. “Esse é um anúncio de como a banda está agora, à medida que a gente vai tocando, vamos encontrando um caminho mais bem definido.”