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Carnavalesco, multiartista e juiz-forano: relembre a história de João Carriço, que registrou a folia da cidade de maneira única

João Carriço
Depois de uma temporada no Rio de Janeiro, Carriço voltou para Juiz de Fora e foi responsável por eternizar o carnaval da cidade, com imagens que capturam as diferentes formas de viver a folia (Foto: Reprodução/ Funalfa)
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Na então Avenida Quinze de Novembro, muito antes de se tornar a atual Avenida Getúlio Vargas, o multiartista juiz-forano João Carriço começou a fazer sua história no início do século XX. Foi no Centro de Juiz de Fora que surgiram os primeiros registros cinematográficos da “Princesinha de Minas”. Carriço produziu cinejornais e filmes que documentaram não apenas o cotidiano local, mas também a alegria contagiante do carnaval juiz-forano. A Tribuna, neste esquenta para as marchinhas, resgata a trajetória desse cineasta, carnavalesco e cenógrafo, cujo legado mantém viva a memória da cidade e suas festas. Uma alegria que, mesmo em preto e branco, ainda vibra.

Nascido em 1886, João Carriço era filho de imigrantes europeus que abriram uma funerária em Juiz de Fora. Na época, a cidade prosperava com a força do café, mas isso não foi suficiente para manter Carriço aqui por muito tempo. Ainda jovem, decidiu passar uma temporada no Rio de Janeiro, nos primeiros anos do século XX.  Na capital, ele encontrou uma cidade em efervescência social, cultural e econômica. O Brasil vivia a transição da monarquia para a república e também recebia as novidades do século, dentre elas, o cinema. Apaixonado, Carriço logo começou a flertar com a sétima arte e mergulhou nesse universo, frequentando salas de exibição e conhecendo cineastas.

Segundo Renata Vargas, jornalista e historiadora, e Aline Calazans, arquiteta, que trabalharam juntas para produzir o livro “João Carriço, um artista em cena”, após algum tempo no Rio, Carriço retornou à sua cidade natal. Com o falecimento do pai, herdou a agência funerária da família, mas não demorou para que sua veia artística falasse mais alto. Em 1927, transformou o antigo empreendimento no Cine Theatro Popular, um espaço dedicado a exibição dos cinejornais que produzia. Anos depois, em 1934, ampliou ainda mais sua atuação e fundou a produtora Carriço Film, que tinha como slogan “Carriço Film, tudo vê, tudo sabe, tudo informa”.

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Carriço, o folião

No Rio de Janeiro, o artista aprendeu no teatro sobre cenografia, criação de adereços cênicos, pintura e outras especialidades. Com essas novas habilidades, ele se empenhava nos cenários, especialmente na entrada de seu estabelecimento, onde montava grandiosos presépios. Essa nova faceta carnavalesca de Carriço o impulsionou a se envolver ativamente nas festas da cidade. Além de se dedicar aos adereços e à decoração, com a criação de sua produtora, em 1934, também passou a registrar a folia em filmes.

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Frame de Vídeo - 'O Carnaval de 1947 em Juiz de Fora' / Cinemateca Brasileira

Um detalhe marcante dessas filmagens era o olhar atento de Carriço para o povo. O cineasta filmava os rostos de forma intensa, capturando a diversidade das pessoas de todas as classes sociais. Sua câmera registrava a alegria coletiva das festas, retratando um convívio plural e vibrante, como descreve a jornalista e historiadora Renata.

As produções de Carriço mostravam as mais diversas manifestações do carnaval. Ele capturava a elite de Juiz de Fora, que se divertia nos clubes sofisticados dos bairros mais abastados. Também registrava os tradicionais corsos de carnaval, com os calhambeques abertos desfilando pela Rua São João, enquanto grandes multidões se reuniam para assistir ao evento. As escolas de samba Turunas do Riachuelo e Feliz Lembrança, até hoje muito tradicionais na cidade, já estavam nos seus filmes na década de 1930. E é claro, os carnavais dos bairros periféricos não ficavam de fora, esses eram igualmente filmados e transmitidos nos cinejornais.

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A oportunidade de filmar toda a festa era algo deslumbrante para a época, e mais fascinante ainda era que a comunidade poderia assistir e reassistir, posteriormente. Nesse período em que a televisão estava surgindo, o aparelho ainda era artigo de luxo. Os cinejornais eram a principal forma de consumir notícias naquele momento. Ir ao cinema já era comum para se manter informado. E agora, com os registros da cidade, todos podiam ir ao cinema, assistir ao carnaval e ainda se ver nas telas, já que Carriço fazia questão de mostrar o povo.

Os cinejornais de Carriço circulavam nos cinemas de toda Juiz de Fora. Com a chegada dos anos 50 e o início do governo Vargas, o cineasta conseguiu autorização para que suas produções fossem exibidas em todo o país. Era o carnaval de Juiz de Fora circulando em todo o território nacional.

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Cultura e informação para o povo

Pietro Carriço, de 20 anos, é bisneto de João. Parte da família ainda reside em Juiz de Fora. Ele comenta com orgulho que um dos maiores legados de seu familiar foi a popularização do cinema voltado para o público em geral. O cineasta era um comunicador nato e um mediador cultural, produzindo não apenas para a elite, mas também oferecendo ingressos com preços acessíveis para que todos pudessem frequentar. Para a época, era inimaginável as classes mais baixas terem acesso a essas filmagens, “tecnologias de ponta” do período. 

Ao longo de 27 anos, o cineasta registrou o carnaval das ruas, dos clubes e das escolas de samba, imortalizando essas manifestações culturais. Carriço morreu em 1959, aos 72 anos, e o Cine Theatro Popular continuou funcionando por mais alguns anos, mas fechou suas portas em 1966. Nos filmes de Carriço, as ruas eram o palco onde o povo se encontrava, onde todos eram iguais, e a folia era compartilhada.

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