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Primeiras produções do edital Janelas Abertas, que distribuiu R$ 105 mil, são exibidas

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O cotidiano de Z tem muito do surreal, com seus objetos rosa e seus interesses infantis. O cotidiano de Z também tem muito do real que o mundo enfrenta hoje, com a solidão e a reclusão impostas em nome do combate ao coronavírus. Gravado no início da quarentena, o curta-metragem “Z: Crônicas de um cotidiano insólito” não retrata a pandemia em nenhum dos símbolos pelos quais passa Z, uma personagem de tranças hirtas, longos cílios pretos, uma boca pintada de verde escuro e, ao redor dos olhos, algumas das cores do arco-íris. Ao mesmo tempo, a condição solitária e aparentemente monótona da protagonista indica uma experiência largamente compartilhada pelos que vivem em países como o Brasil, muito afetados pelo vírus. Contemplada pelo Janelas Abertas, a produção com roteiro e direção de David Martins abre a programação de exibições do edital promovido pela Pró-reitoria de Cultura da UFJF para auxiliar a classe artística neste momento em que o setor cultural vê suas atividades presenciais serem transpostas, na medida de suas possibilidades, para o ambiente virtual. O trabalho e todos os outros 149 projetos selecionados ganham as redes sociais (YouTube, Instagram e site) da unidade a partir desta terça, 8.

“Nossa ideia era mostrar um cotidiano lúdico, sem os clichês dos pontos ruins provocados pela pandemia. Tentamos retratar momentos da vida dentro de casa, como acordar e tomar café da manhã. Trata-se de uma personagem com seus amigos imaginários num mundo cor de rosa. O filme tem quase cinco minutos e queremos fazer uma trilogia. Acabamos de gravar o segundo, com outra personagem, e o terceiro ainda vamos planejar”, conta David, estudante do curso de cinema do Instituto de Artes e Design da UFJF. Rodado em sua casa, com as ferramentas que possuía, o curta-metragem contou com a direção de arte e atuação do amigo Leonardo Lorenzi, que dá vida à drag queen Loren Z. Corpo e alma da drag Saraah, David extrai desse universo drag os elementos para um trabalho que valoriza a leveza em detrimento do caos já tão fartamente retratado pelo noticiário. “Queríamos que servisse como uma válvula de escape”, defende.

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“Z: Crônicas de um cotidiano insólito” já foi exibido na mostra de cinema da Semana Rainbow da UFJF, na Mostra [em] Curtas e na 3ª Mostra da Unisul, todas virtuais. O Janelas Abertas, portanto, é sua quarta oportunidade de exibição. “Por eu ser designer gráfico, acabo tendo um portfólio mais voltado para a área gráfica. O filme está me dando experiência”, celebra David, afirmando usar o momento para se dedicar à área cinematográfica. “Este ano tinha meu planejamento de produções artísticas, principalmente com a drag Saraah, e estou aproveitando para estudar um pouco mais, apurar a estética”, diz ele, natural do Mato Grosso do Sul e há cinco anos morando em Juiz de Fora para estudar na UFJF. “Já me acostumei a viver longe da família. É difícil voltar para lá por conta do preço da passagem e por falta de tempo. Na pandemia senti um baque, porque faço muitas coisas ao mesmo tempo e precisei dar uma segurada”, aponta.

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Cena de “Z: Crônicas de um cotidiano insólito”, filmado em casa e com uma equipe de apenas duas pessoas. (Reprodução)

‘O meio artístico não ficou paralisado’
Artista de quadros expressivos, de pinceladas vigorosas e excesso de matéria, Guilherme Melich propôs ao Janelas Abertas, e foi contemplado, criar uma espécie de diário de bordo de sua rotina. Em vídeo, ele registra desde o momento em que acorda, até os desenhos, esboços que integram seu dia, com idas ao ateliê e caminhada. “É um vídeo curto, com dez minutos, e basicamente retrata a minha rotina. Gravo, edito e faço a trilha sonora. Vai ser minha primeira experiência em vídeo, não tenho a pretensão de que seja profissional, mas tem a ver com o isolamento, com essa vivência”, conta. “Produzo parte do que faço em casa e parte no ateliê. Meu ambiente já tem o isolamento. O impacto maior é emocional. A gente sente o entorno”, afirma o artista, que adaptou suas aulas para o ambiente virtual e investiu nas plataformas digitais para divulgar e escoar sua produção autoral.

Ainda que não tenha sido diretriz, a pandemia está no discurso de muitas produções contempladas pelo edital e apresentadas diariamente, sempre em dois horários. O prêmio que recebeu 252 inscrições e contemplou 150 projetos exibirá trabalhos em sua maioria musicais (42) e audiovisuais (33). Também foram selecionadas outras linguagens, como artes cênicas, artes visuais, experimentações, patrimônio e memória, educação e literatura, como os vídeos de leituras de trechos do novo livro do escritor e editor da Tribuna W.Del Guiducci. O total de R$ 105 mil foi distribuído em categorias de R$ 1 mil, R$ 700 e R$ 400. “A cena cultural local, sempre tão atuante e original, certamente foi muito prejudicada pela pandemia. Talvez muitos projetos, espaços e iniciativas tenham sofrido demais e demorem a se recuperar. Mas o meio artístico não ficou paralisado e reagiu, na medida do possível, e continua vivo, produzindo e se reinventando para fazer frente a esse momento. Com o apoio de ações públicas como o Prêmio Janelas Abertas e outros que surgiram, conseguimos pelo menos dar algum suporte à categoria e tenho a certeza de que juntos vamos conseguir ir adiante”, analisa a pró-reitora de Cultura, Valéria Faria.

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Artista e professora do Instituto de Artes e Design, Valéria avalia positivamente o resultado do edital, que alcançou a pluralidade da cena local. “É natural que o formato audiovisual tenha predominado, já que o espaço virtual, por meio do YouTube e das mídias sociais, será o canal de divulgação das produções, mas tivemos também projetos de e-books, oficinas, cursos. A comissão julgadora ficou entusiasmada com a qualidade dos projetos, e aqueles que pudemos conferir (da modalidade materiais já produzidos) comprova o talento e a criatividade de nossos artistas e produtores culturais. Muitos conseguiram excelentes resultados produzindo em casa, com pessoal e recursos muito limitados”, defende.

Marcos Marinho em cena de “Pantaleão e Arlequim – É fogo”, no qual retoma commedia dell’arte e ilustra momento atual. (Reprodução)

Entre o sonho e a realidade
Num curto e emocionante curta-metragem, Pedro Carcereri revira o álbum de família em “Os sonhos já encontraram outro tempo”. Diz da construção da memória, da reconstrução do passado e da projeção do futuro, num trabalho sensível e poético. Marcos Marinho, por sua vez, revira a história do teatro e na commedia dell’arte encontra uma narrativa e elementos que tão bem ilustram as relações de poder dos dias atuais. Na cena curta “Pantaleão e Arlequim – É fogo”, Marinho interpreta dois personagens: Pantaleão, um velho pão-duro e muito rico que acusa seu empregado, Arlequim, um jovem guloso e debochado, de roubar-lhe uma caixa de fósforos. “Um jogo político, de interesses e de poder. Pantaleão e Arlequim estão sempre em luta. São duas pessoas trancadas dentro de casa discutindo por causa de uma caixa de fósforo. São discussões típicas de quem fica muito tempo junto”, pontua o ator, gravado pela irmã Vânia Marinho. Tanto Carcereri quanto Marinho falam da casa. Um retoma o espaço como lugar da memória. O outro, como representação de uma entre tantas arenas. A casa, da qual parte Melich e na qual vive Z, produções de um edital que mostra diferentes paisagens das janelas da cidade.

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