No romance “Dançando às margens dos trilhos”, a jornalista Malu Guilhermino, filha de Raul, retrata os passos da notável vida do pai, com base nas próprias memórias que ela guarda das narrativas de Raul, falecido em 2001. “Meu pai sempre teve histórias maravilhosas, foi um prosador nato, sempre gostou de se sentar com as filhas e contar seus casos. E a história dele vai se misturando com fatos que aconteceram na época, sempre tive vontade de contar esses fatos, torná-los públicos, uma pena não ter dado tempo de fazer isso para que ele pudesse ler”, diz a jornalista.
Segundo Malu, o livro foi organizado de forma a sincronizar as memórias de Raul cronologicamente com os fatos históricos, mas sem perder de vista a narrativa dele. “É a visão crítica, política e afetiva dele que está presente, que vem de sua trajetória de vida. E, de certa forma, é também como estas histórias ficaram construídas na minha memória ao longo da vida. Somos coautores do livro”, analisa Malu. Negro, filho de mãe analfabeta, Raul teve que vencer o preconceito e até a fome, tendo assumido o sustento da família aos 9 anos, após a gripe espanhola matar seu pai. Foi aos 13 anos de Raul que a família veio para Juiz de Fora, expulsa da propriedade onde morava em Três Rios (então Entre Rios).
‘Um dos educadores mais influentes da cidade’
Das noites dormidas ao relento até o primeiro emprego como operário de uma fábrica de cobertores, um sonho permeou o imaginário de Raul: tornar-se ferroviário como o pai, desejo manifestado no título e na capa do livro, que reproduz a antiga estação de Três Rios, e no encantamento dele pelo maquinário de trens. O sonho não se realizou, mas a vida acabou levando Raul para trilhos ainda mais inesperados. “Já formado em contabilidade, dirigiu uma fábrica de papel, função que conciliou com a de professor no Colégio Machado Sobrinho, que lhe deu enorme prestígio no meio acadêmico e, no fim da vida, fez com que ele integrasse a lista dos educadores mais influentes da cidade”, orgulha-se Malu. “Por isso mesmo, pela sua história de vida, ele tinha uma posição política muito clara, muito crítica, muito engajada, visão de um operário”, explica Malu.
Ao longo do livro, vários dos causos de Raul, “que ele sempre contava”, foram resgatados pela filha, como quando, à época da fundação do Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora , ele foi ao Rio em uma palestra do economista Celso Furtado, buscando aproximar-se dele para falar do instituto. “Acabou que depois da palestra, ele nem viu mais o Celso Furtado, mas acabou conversando longamente com Darcy Ribeiro, e eles se aproximaram e se corresponderam a vida inteira”, conta Malu. “Outra história muito boa é a da primeira greve geral do Brasil em 1917, ele era uma criança, mas foi para a rua com meu avô. Conta ele que um tiro atingiu um poste da Praça da Estação, logo acima da cabeça dele, e até uns anos atrás o mesmo poste estava lá com a marca daquele tiro, eu mesma cheguei a ver!”.
O livro será lançado no Mamm, pela Editora Multifoco, prefaciado pelo jornalista e sociólogo Ismair Zaghetto. O enredo, como Malu nos apresentou em algumas amostras, traz fatos curiosos e a efervescência política e social de várias décadas do século passado.
Lançamento de livro
“Dançando às margens dos trilhos”, de Malu Guilhermino, nesta sexta (8), às 19h30, no Mamm (Rua Benjamin Constant 790, Centro)