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O que ainda falta responder sobre possível leilão da Casa D’Italia?

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Famosa fachada: imóvel na Avenida Rio Branco pode ir à leilão em dezembro, mas associação gestora busca reverter quadro. (Foto: Fernando Priamo)
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Desde que foi anunciado, na última quarta-feira (30), o leilão da Casa D’Italia para o dia 3 de dezembro, programado pelo Consulado da Itália em Belo Horizonte, as redes sociais promoveram debates com novas questões acerca do patrimônio, defendendo sua preservação, mas ponderando sobre o presente e o futuro de um imóvel repleto de passado.

Entre as questões levantadas por internautas em diferentes discussões, e amplificadas pela Tribuna, estão a gestão do casarão e de rentáveis espaços como o restaurante e o estacionamento. Também se discute, atualmente, o interesse e a responsabilidade da Universidade Federal de Juiz de Fora, protetora de importantes acervos locais, e da Funalfa, que tem como compromisso encaminhar as políticas culturais do município.

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Tombado por decreto em 1985, o imóvel ainda desperta dúvidas quanto às garantias de preservação previstas em lei, assim como o grau de proteção que recai sobre a porção não edificada de um dos maiores terrenos livres do Centro de Juiz de Fora, onde hoje funciona um estacionamento. O debate, que também questiona o papel e a capacidade da sociedade civil na reversão do quadro atual, joga luzes sobre o acervo do casarão.

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Passada pouco mais de uma semana da publicação do aviso de leilão, o presidente da Associação Ítalo-Brasileira San Francesco di Paola de Juiz de Fora, Paulo José Monteiro, comemora a comoção. “Fui procurado por uma promotora pública e pela Universidade Federal de Juiz de Fora”, conta, afirmando, ainda, que um vereador já fez a representação junto ao Ministério Público da situação envolvendo a venda. “Nossos advogados também estão tomando as devidas providências para buscar órgãos que cuidam do patrimônio. A cidade não pode perder esse imóvel.”

Padrão do piso do imóvel projetado por Raphael Arcuri sob o estilo fascista. (Foto: Fernando Priamo)

Qual é o acervo da Casa D’Italia?
“Existe um arquivo ao qual nunca tive acesso, porque pertence à área consular. Ele sempre foi muito bem cuidado e permanece trancado. Acredito que nesse arquivo tenha o nome de pessoas que imigraram para Juiz de Fora, mas não posso precisar o que existe ali”, responde Paulo José Monteiro. Não são, contudo, muitos os documentos preservados, explica o atual gestor da Casa D’Italia. “Em 1942, quando a casa foi tomada pelo Governo brasileiro, a maioria dos documentos existentes foi incinerada. Perdeu-se muita coisa, o que veio a prejudicar muito a memória da imigração italiana na cidade”, lamenta Monteiro. A instituição, entretanto, preserva uma biblioteca com títulos relativos à imigração e à Itália, bem como a Juiz de Fora. Também reúne quadros de artistas locais, que já expuseram na casa. “Essa casa respira história”, defende o presidente da associação.

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Qual o impacto do abaixo-assinado criado pela associação?
Até esta quinta-feira (8), mais de 8 mil pessoas já haviam se inscrito num abaixo-assinado virtual criado pela Associação Ítalo-Brasileira San Francesco di Paola de Juiz de Fora, gestora da Casa D’Italia. O documento solicita que o ministro das Relações Exteriores e da Cooperação Internacional da Itália, Luigi Di Maio, e o Subsecretário Geral com responsabilidade sobre a América Latina, Ricardo Merlo, intercedam no caso e impeçam o leilão. De acordo com Paulo José Monteiro, “o clamor popular é muito forte. O número de pessoas que já integram essa lista atinge os cinco continentes do planeta”. De Nova Zelândia a Portugal, passando pela Itália, onde está a maioria dos apoiadores, as origens são as mais diversas. “É mais uma peça que podemos anexar ao processo, como outras mais”, garante Monteiro.

Endereço já serviu como agência consular. Atualmente, sem agente consular, sala permanece fechada. (Foto: Fernando Priamo)

Qual é a posição do Governo italiano diante do impasse?
Procurado pela Tribuna na última semana, o cônsul da Itália em Belo Horizonte, Dario Savarese, que assina o aviso de leilão, afirmou, por meio de sua secretaria, que “não dará entrevistas e não tem comentários a fazer, pois trata-se de questões jurídico-administrativas onde o Consulado está seguindo instruções ministeriais”. No entanto, na última terça-feira (6), na abertura do 10º Seminário da Imigração Italiana em Minas Gerais, que acontece on-line entre os dias 6 e 10 deste mês, Michele Schiavone, secretário-geral do Conselho Geral dos Italianos no Exterior (CGIE), abordou o caso quando questionado por uma internauta. “Estou muito amargurado em relação a isso”, disse. “Conheço as histórias daquela cidade (Juiz de Fora). Para tantos de vocês foi o primeiro ponto de acolhimento, de chegada, após longas jornadas de viagem nos navios, que os trouxeram até o Brasil. A Casa D’Italia de Juiz de Fora é um símbolo da história dos italianos que vivem no Brasil e da própria Itália. Por aquele lugar passaram tantos dos nossos conterrâneos. O respeito a eles não pode faltar hoje. Não pode ser tomada uma decisão administrativa se não houver um consentimento popular e da concordância com o Parlamento italiano. A casa é um bem imóvel do nosso país e como tal deve ser respeitada. Quero sublinhar isso e espero que quem tenha tomado essa decisão possa repensar quanto ao ato que realizou, já que situações análogas verificadas em outros países pelo mundo, incluindo o país onde vivo há 40 anos, a Suíça, foram ditadas pela condição de dificuldades financeiras de nosso país (Itália). Fomos chamados a fazer sacrifícios financeiros (no passado). Hoje, por sorte, a Itália não está mais na situação de vender a suas joias para resolver problemas”, pontuou, firme, Schiavone. “Esperamos que a venda da casa seja bloqueada e ela torne a ser um ponto de encontro da cultura, do esporte, e da italianidade naquela cidade.”

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É possível alguma intervenção da Funalfa na situação?
Reconhecendo a missão da Funalfa, por meio da Divisão de Patrimônio Cultural (Dipac) e do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (Comppac), de manter constante vigilância sobre o patrimônio local, a diretora geral da Funalfa, Tamires Fortuna, pondera que a fundação “infelizmente, não possui meio que impeça que os legítimos proprietários do imóvel o alienem”. Segundo a gestora, “qualquer pessoa, física ou jurídica, que venha a adquirir o prédio deverá seguir as normas e trâmites que protegem o tombamento e que abrangem, inclusive, o entorno dos bens gravados. Todo o processo tem que ser aprovado e acompanhado pelo conselho”. Em nota pública, a Funalfa lamenta uma possível “descontinuidade das atividades culturais realizadas pela Associação Ítalo-Brasileira San Francesco di Paola na Casa D’Itália, reconhecendo a relevante contribuição da entidade na manutenção das tradições, memórias e costumes dos imigrantes italianos, uma das etnias fundadoras de Juiz de Fora”.

Face posterior do casarão, uma das quatro fachadas que decreto de tombamento protege. (Foto: Fernando Priamo)

O que é possível à UFJF fazer pela Casa D’Italia neste momento?
Segundo a UFJF, em nota assinada pela Pró-Reitoria de Cultura em conjunto com o Centro de Conservação da Memória (Cecom), há interesse pela busca de alternativa à venda do imóvel. Para isso, foi criada uma manifestação pública colocando a universidade à disposição das partes para mediar o diálogo, garantindo a preservação da Casa D’Italia. “A compra da Casa d´Italia seria uma aquisição que a UFJF sem dúvida gostaria de realizar e que representaria um espetacular acréscimo ao seu próprio patrimônio e uma garantia de preservação desse espaço cultural, mas infelizmente a instituição não dispõe dos recursos financeiros necessários para adquirir o imóvel em leilão”, assegura a universidade, reconhecendo a importância cultural e social da casa.

Como é feita a ocupação de espaços da casa, que servem a negócios rentáveis, como o restaurante e o estacionamento?
“Tudo aconteceu, não vou de falar que de forma aleatória, mas de forma a ajudar. A associação há 15 anos estava numa situação muito complicada financeiramente. Então, o estacionamento foi feito desta forma: quem desse um lance ficaria com ele e poderia explorar. O restaurante também foi aberto com o intuito de trazer a gastronomia do país. A primeira parte de uma cultura é a língua; a segunda, a gastronomia. Então, o proprietário do restaurante foi convidado pelo antigo presidente, Salvador Caruso, para que o negócio fosse aberto. Depois disso foi até fechado, por causa de uma ação trabalhista da Embaixada italiana em Brasília, e aí foi reaberto com uma nova função e característica, porque se tornou um centro de cultura. O nome é Centro Cultural e Gastronômico Sapore di Calabria, porque são feitos, nele, três vezes ao ano, cursos de gastronomia.” Quem explica é Paulo José Monteiro. “Isso aqui é uma associação, que não pode ter fins lucrativos. Ela não pode explorar nada. Pode até explorar, mas não pode ter um centavo de lucro. Então, fica difícil manter”, afirma o gestor, alegando que administrar todas as atividades implicaria em risco para a própria entidade, já que, caso desse prejuízo, simbolizaria o fim da instituição. “Tudo aqui, sem exceção, é terceirizado”, aponta Monteiro, assegurando que o modelo de gestão permite arcar com o trabalho de beneficência, ativo desde a criação da casa, e com os altos custos de manutenção do casarão tombado.

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Estacionamento e restaurante são, segundo associação, negócios cuja renda do aluguel financia projetos beneficentes e manutenção do imóvel tombado. (Foto: Fernando Priamo)

Qual é a restrição imposta ao entorno do prédio da Casa D’Italia? Seria possível construir um edifício no terreno posterior da casa, por exemplo? ? É possível alterar o piso da edificação, com símbolos do fascismo?
“Apesar de o decreto de tombamento especificar a proteção da volumetria construtiva, das fachadas e divisões internas, qualquer futuro projeto que proponha modificação na edificação deverá ser apresentado ao Comppac”, informa a diretora geral da Funalfa, Tamires Fortuna, sobre o imóvel, cujo decreto de tombamento, de 1985, determina que sejam preservadas a volumetria, as quatro fachadas e as divisões internas, sem especificar, porém, detalhes dessa proteção. “Seja projeto de interior com modificação de material de acabamento ou de entorno, caso da construção de edifício em suas proximidades, a Lei 10777/2004 determina que cabe ao Conselho opinar em quaisquer modificações em bens tombados”, pontua Tamires.

“Esperamos que a venda da casa seja bloqueada”, afirmou, esta semana, Michele Schiavone, secretário-geral do Conselho Geral dos Italianos no Exterior. (Foto: Fernando Priamo)
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