Toninho e Raul não se conheciam, mas tinham muita coisa em comum. Ao travarem o primeiro contato, há mais de 30 anos, criaram uma amizade que perdurou até a morte do senhor Raul Santos Seixas, em 21 de agosto de 1989, e que ainda está marcada na alma e no coração do colega que ficou. Nascido Antônio Walter Sena Júnior, Toninho Buda ajuda a manter acesa até hoje a chama da memória da vida e obra de Raul Seixas por meio de livros (escreveu três sobre o cantor baiano), entrevistas, atividades mil e, claro, em cima do palco. É o caso deste sábado, a partir das 18h, no Clube Bom Pastor, onde ele faz show em tributo a Raulzito ao lado da banda Antes Sábado Que Nunca.
Para a apresentação, o repertório terá clássicos, sucessos e raridades, incluindo “Sociedade Alternativa”, “Tu és o MDC da minha vida”, “Pastor João e a Igreja Invisível”, “As minas do Rei Salomão” (“essa tem a ver com a minha trajetória pessoal”), “Carimbador maluco”, “Cowboy fora da lei”, entre outras. As duas últimas, explica Toninho, estão no repertório por motivos bem especiais. “Todo mundo considera essas músicas bobas, até mesmo ingênuas, mas elas mostram como ele conseguia passar sua mensagem. ‘Carimbador maluco’ foi usada naquele infantil ‘Plunct plact zum’ (de 1983), sendo que a letra dela é baseada num texto do filósofo francês Pierre-Joseph Proudhon, um dos principais nomes do anarquismo. Já ‘Cowboy…’ é uma música que fala dos três maiores inimigos da humanidade, segundo o Raul Seixas: o Estado, a polícia e a religião. E tem muito a ver com o que vemos hoje”, acredita.
De todas as inúmeras histórias que tem para contar, a de como foi parar diante do microfone é a primeira a ser revelada. Tudo começou em 1990, após a morte de Raul Seixas, quando foi convidado para substituir o antigo vocalista da banda Raul Queixas & Mágoas. “Nunca havia cantado antes, e foi importante para ajudar a superar a dor da perda do Raul. Depois fiz shows com outras bandas, acho que me apresentei em todas as casas noturnas de Juiz de Fora e em outras cidades também”, diz Toninho, lembrando que fez show também no Circo Voador, no Rio de Janeiro, nas festas do “Baú do Raul”, e que chegou a vencer um concurso em um programa do apresentador Raul Gil, na década de 1990, encarnando o cantor baiano.
O homem místico
Toninho Buda diz ser uma pessoa sem religião (“mas nem ateu nem à toa, só não quero me preocupar com isso”), apesar de ter procurado em várias manifestações de fé alguma com que se identificasse. Da Igreja Católica lembra-se da decepção, nos anos 1960, ao receber a hóstia na primeira comunhão e não sentir nada do que se prometia durante o catecismo. “As religiões serviram muito bem numa época, mas hoje as considero infantis e perigosas. O que a religião traz de prejuízo para a sociedade por ser tão maléfica me faz pensar que seria melhor que não existisse.”
Assim como tantos outros na época, Toninho buscou no misticismo – ao qual diz ser ligado desde a infância -, tão presente na década de 1970, algo que pudesse orientar seus caminhos. E assim sua trajetória e a de Raul Seixas passaram a convergir devido à Sociedade Alternativa. “Entrei para uma ordem secreta em 1976, a Ordo Templi Orientis, que era liderada pelo Marcelo Ramos Motta, que escreveu com o Raul músicas como ‘A maçã’ e ‘Tente outra vez’. Eu nem sabia que ele (Raul Seixas) e o Paulo Coelho estavam na mesma ordem, foi aí que as músicas dele começaram a fazer sentido para mim. Antes achava que era mais um cantor que choramingava sobre a vida, como o Zé Ramalho, por causa de músicas como ‘Ouro de tolo’.”
“Dediquei grande parte da minha vida à Sociedade Alternativa, mas não entrei nela pelo sexo, drogas e rock and roll, como tantos. Nunca cheirei nem bebi, minha ligação com as drogas é incompatível”, afirma Toninho, que diz ter procurado a Sociedade Alternativa para tentar sanar os problemas de saúde que enfrentava no período. “Foi a Wanda Miana, que tinha um restaurante de comida macrobiótica, que me iniciou na Sociedade Alternativa.” Toninho Buda deixou o movimento anos depois, mas não sem ter iniciado uma trajetória cultural intensa que inclui criações e participações no cinema, TV, teatro e, tempos depois, na literatura. E havia também a divulgação dos ensinamentos da Ordo Templi Orientis. “Eu furtava túnicas das igrejas da cidade, as pintava com discos voadores etc. e ia para a Halfeld distribuir panfletos com o início do ‘Livro da Lei’ de Aleister Crowley. Só mudei minha postura de divulgação quando o Fernando Gabeira veio lançar um livro na cidade e vi que ele conseguia debochar de todas aquelas pessoas sem precisar ser agressivo.”
Encontro e afinidades
Toninho Buda e Raul Seixas começaram a trocar correspondências em 1981, graças a um amigo em comum, e encontraram-se em 1983, quando o cantor baiano veio à cidade para um festival de rock e foi parar no restaurante macrobiótico que Toninho havia montado. A amizade durou pelos anos seguintes e rendeu três livros escritos por ele após a morte de Raul. Quem também passou a fazer parte da equação foi Paulo Coelho, o que rendeu momentos turbulentos na vida de Toninho. “O Paulo precisava entregar, em 1985, um livro sobre vampiros, só que ele estava saturado do tema e pediu para que eu escrevesse em seu lugar. Na época, vi apenas como ajuda a um amigo e escrevi ‘Manual prático do vampirismo’, que foi lançado sem nenhum crédito a mim. Só pude falar sobre isso quando o Fernando Morais lançou a biografia do Paulo Coelho, ‘O mago’, em que ele reconheceu que pediu a mim para escrever o ‘Manual…’. Quem é que iria acreditar em mim?”.
Se o “Manual prático do vampirismo” é o “livro perdido” do mineiro de Três Corações, ele pode se orgulhar de ter em seu nome três publicações sobre o amigo Raul: “Raul Seixas, uma antologia”, “Raul Seixas, o trem das sete” e “A Paixão segundo Raul Seixas”, entre outras publicações, além de músicas, poemas, filmes e peças de teatro.
A metamorfose infinita
Quem conversa com Toninho Buda pode perceber que ali não está apenas um personagem e que o senhor Antônio Walter, aos 65 anos, é igualmente inquieto a respeito de todas as coisas da vida, desde sempre. Desencantado com os rumos tomados por integrantes da Sociedade Alternativa, deixou o grupo em 1986 e voltou a trabalhar como engenheiro. Descobriu, então, que não queria mais ser “escravo” da engenharia e decidiu fazer faculdade de educação física. Hoje é professor tanto de educação física quanto de fisiologia do exercício, além de personal trainer. Vivendo em uma casa no Bairro Filgueiras (“bem no meio do mato”), Antônio também é maratonista há mais de 30 anos. “Meu orgulho é ter concluído uma edição da Maratona de São Paulo, há dez anos, em duas horas e 59 minutos. Os maratonistas profissionais fazem a prova em pouco mais de duas horas, então podemos brincar que concluímos a maratona na mesma ‘hora’ que eles”, encerra o orgulhoso e incansável atleta, professor, cantor, escritor, engenheiro, empresário, ator, panfletário, diretor…
TONINHO BUDA
Com a banda Antes Sábado do que Nunca
Neste sábado, a partir das 18h
Clube Bom Pastor
(Rua Senador Salgado Filho 313 – Bom Pastor)