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Zezinho da Guitarra: um rei que toca muito e ouve os melhores

Zezinho da Guitarra
Zezinho da Guitarra
Zezinho: “Mas você sabe que a arte é infinita, né? Quanto mais você aprende, mais você quer. E nunca chega ao fim. O fim é só quando morre.” (Foto:  Fernando Priamo)
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No dia seguinte a uma noite de espetáculo, a apresentação ainda está viva. Ela deixa algumas marcas e é comum ouvir: “Nossa, aquele momento não sai da minha cabeça”. E isso acontece mais com a plateia do que com o músico, que vê a noite como um mero episódio de trabalho. Às vezes, os papéis alternam e o músico está na plateia. Zezinho chegou ao Brasador, na última terça-feira (3), como um rei. Quem cruzava o olhar com ele, logo perguntava: “E aí, seu Zezinho, o que achou de ontem?”. Ele, feliz, respondia: “Foi ótimo, meu filho. Adorei”. Os olhos atentos ao caminho por onde dá os passos curtos também olham fixamente para o outro que lhe aborda. Zezinho é um rei que sabe escutar. Na noite anterior, a casa tinha organizado um tributo em homenagem a esse Zezinho, que nasceu José Fausto Silva, mas é mesmo da Guitarra. Zezinho, aos 80 anos, desses 60 dedicados inteiramente à música, precisou ocupar a plateia, ao invés de estar no palco, porque um AVC isquêmico e um infarto fizeram com que ele perdesse o movimento do lado esquerdo de seu corpo. A vontade mesmo era estar lá, dedilhando a guitarra que lhe escolheu como companheira fiel. Ele é teimoso, sim, às vezes duvida que a fisioterapia vai fazer com que ele volte a tocar. Mas, um minuto depois, ele já diz: “Mas eu ainda faço um show só meu aqui, quebrando tudo”.

Na cabeça de Zezinho da Guitarra cabe tudo. Ele é mesmo observador. Tanto que só começou a tocar violão porque ouviu, de sua casa, uma seresta, interessou-se e logo foi para fora ouvir a música. “Quando acabou eu chamei o violonista e perguntei onde comprar um instrumento daquele, e ele me indicou uma galeria. Eu comecei a esperar meu pagamento para comprar. Mas a ansiedade era tanta que eu pedi ao meu patrão um vale e fui à loja e comprei um. Mas, como eu não conhecia, comprei, inocentemente, o pior que tinha.” Dá para perceber que ele teve também um apoio inexplicável de diversas pessoas durante sua vida. O professor dele de violão, que era um sapateiro, viu que o instrumento que ele havia comprado era ruim e foi com ele trocar por um melhor, pagando, inclusive, a diferença do preço. Cinco aulas foram o suficiente para ele aprender o básico. Todo o resto, Zezinho desenvolveu de ouvido.

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Ele já trabalhou com outras coisas antes da música, teve que servir o exército, mas viu logo que não era isso que queria. “O músico anda, né?! Tem que andar”, ele diz. Quando decidiu ser músico, rodou o Brasil tocando, de Norte a Sul, ficando temporadas em alguns lugares, como São Paulo, Belo Horizonte e Tiradentes. Mas, antes disso, tomou outra decisão: se queria ser músico, precisaria de outra profissão, porque, para ele, a arte é também ingrata: um mistério – nunca se sabe o dia de amanhã. Ter um diploma o manteria mais tranquilo e confiante. Por isso, fez curso técnico de eletrônica, mas nunca precisou dele. A música o manteve sempre. Ele olha para a TV que estava bem próxima da nossa mesa e diz que nem gosta de ficar olhando para ela, tem nervoso. Mas, quando precisa, conserta o aparelho de quem pede, e isso até hoje.

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Os anjos ouviram e quiseram

Até decidir entrar de cara na arte, o olhar de muitos foi um empurrão. Antes mesmo de ouvir a potência de seu dedilhado, primeiro no violão e logo depois na guitarra, tinha gente que olhava para ele e falava que ele seria músico. E ele, então, realmente queria. Um guitarrista cearense, que ficou em Juiz de Fora depois de passar na cidade com um circo, foi um dos primeiros a falar que ele iria tocar. “Menina, parece que, quando ele falou isso, os anjos disseram amém. Tinha um outro que tocava aqui que corria muito de mim, igual diabo corre da cruz. E, aí, eu comentei com o cearense isso e ele falou: ‘sabe por que esse cara corre de você? Porque ele viu em você o que eu vi’. E eu perguntei: ‘O que você viu?’ E ele: ‘Você vai tocar. Na cabeça dele, você vai ser ainda uma pedra no caminho dele’.” Pergunto, então, por qual motivo isso era normal de acontecer. “Ah, não sei. Acho que é magia. Tem gente assim”, responde.

(Foto: Fernando Priamo)

Seu método, ouvindo os melhores

Ele ficou tocando violão até conhecer a guitarra. Apesar de um não substituir o outro, Zezinho gosta de estudar em casa no violão e fazer shows com a guitarra. Quando começou a perceber que estava perdendo lugar e algumas oportunidades, teve a ideia de desenvolver um método que permitia que ele tocasse sozinho em show. “Eu senti a necessidade de tocar sozinho, sem contrabaixo, sem nada. E eu comecei a estudar para desenvolver um estilo, e sempre ouvindo os melhores. Quando você está em casa com cabeça boa, depois de ouvir umas coisas, as coisas vão saindo mesmo. Peguei uma casa para tocar e falei que seria ali que faria sozinho. E deu certo. Mas você sabe que a arte é infinita, né? Quanto mais você aprende, mais você quer. E nunca chega ao fim. O fim é só quando morre.”

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Antes, quando estava triste, ele pegava o violão para desentristecer. Pergunto, então, o que ele faz agora. “É uma pergunta e tanto. Às vezes eu assisto a alguma coisa na TV, mas eu queria era mesmo estar tocando.” Jeffrey, seu filho mais novo que o acompanhou na entrevista, continua: “Tem um cantinho na casa do meu pai, no quintal, que de tanto que ele fica lá, quando ele sai, a gente acaba vendo ele”, brinca. “E ele fica com o violão o dia inteiro.” Zezinho concorda, balança a cabeça em tons afirmativos. “Eu fico no quintal porque eu acho mais astral que dentro de casa. Lá já tem o quarto que é para dormir, sala para ver TV. No quintal, não”, justifica o músico.

Jeffrey: “Tem um cantinho na casa do meu pai, no quintal, que de tanto que ele fica lá, quando ele sai, a gente acaba vendo ele”, brinca. (Foto: Fernando Priamo)

Trilha sonora da vida

A verdade é que Zezinho precisou fazer diversas escolhas durante a carreira. Mas era a família que estava em primeiro lugar. Oportunidade para sair de Juiz de Fora não faltou, mas ele queria dar suporte e estar ao lado dos filhos. Jeffrey diz que, agora, faz a mesma escolha que seu pai: “Eu até ia trabalhar em outra cidade. Mas não tem como: eu escolhi ficar com ele, agora dando o suporte que ele precisa. A trilha sonora da minha vida é o meu pai. Tem música que eu nem ouço mais, porque, se eu colocar, eu lembro do meu pai e começo a chorar”, continua o filho. Ele se refere à música “In a sentimental mood”, do John Coltrane. Zezinho, então, ao ouvir isso, cantarola a melodia: “Nossa, essa é demais mesmo”.

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O retorno dos movimentos da mão de Zezinho depende, além da fisioterapia, dele mesmo. “Enquanto a gente vai falando, eu estou mexendo a mão aqui, e isso já é fisioterapia.” A família conta com o apoio de vendas de camisas, em parceria com o Brasador, para o pagamento do tratamento. Vez ou outra, pega o violão para não perder por completo a prática. Quando vê que é difícil, fica ainda mais triste. Mas a verdade é que os exercícios estão dando resultado, sim: só falta reordenar o movimento. Como é teimoso e não pede ajuda a ninguém, Zezinho, ao final da entrevista, ainda almoçou, chegou a cortar uma carne sozinho, mesmo com dificuldade, mas sem arredar o pé. “Esse feijão é da pesada. Mas uma pimentinha vai bem, por favor.”

 

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