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Fotógrafa brasileira fala sobre a recente campanha ‘Don’t Photoshopme’

Maria Ribeiro Foto Marcelo Ribeiro 3 dest
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Nasce uma mulher. Nasce uma fotógrafa. Renasce uma mulher fotógrafa feminista. Seu convívio direto no backstage das produções de moda, registrando corpos de modelos como rotina, pouco a pouco, foi tornando aquela experiência incômoda. Principalmente pela incoerência entre os corpos registrados, com suas curvas e marcas, diante do que estava estampado nos outdoors, revistas e até plotagens de porta de elevador de shopping. Seu habitual era registrar corpos que tinham profunda relação com a câmera e com a exposição. Questionamentos ocupavam seus pensamentos. Começou reparando em si mesma, reconectando-se com seu corpo e se perguntando para quê e quem, de fato, ela estava produzindo aqueles conteúdos de imagem.

Uma das imagens de Maria Ribeiro em sua recente campanha “Don’t Photoshopme”

Seu primeiro projeto fotográfico, após essa catarse, foi uma ideia política que se valia de um contrassenso estético: fotografar mulheres com uma palavra que represente a luta feminista rabiscada em seus próprios corpos sem que houvesse manipulação alguma de suas peles e formas na edição. As fotos, todas em P&B, foram alcançando os maiores portais e revistas, sem que Maria tivesse controle da dimensão do que o tumblr Nós Madalenas se tornava. Uma fila de 500 meninas já demonstravam vontade em participar. Saiu de Belo Horizonte e foi a São Paulo, onde foi acolhida por um coletivo, e permaneceu um ano conhecendo as histórias de mulheres comuns, muitas nunca haviam sido fotografadas por uma profissional. “Desenvolvi um método próprio de fotografar mulheres, usando técnicas de respiração, meditação, movimento e de história oral, como um ritual fotográfico. A intenção foi criar a oportunidade de a mulher se reconectar com ela mesma e eu conseguir traduzir isso em imagens.”

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Ao todo, cem depoimentos em primeira pessoa com fotos. Muitas daquelas se viram e se reconheceram pela primeira vez nelas mesmas. “Essa foi a coisa mais bonita que eu já fiz por mim”, agradeceu uma delas ao trabalho de Maria Ribeiro, que se transformou no livro “Nós, Madalenas – uma palavra pelo feminismo”.

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“A revolução já está sendo feminina e feminista”

Seu trabalho do “Nós, Madalenas” foi reconhecido pela ONU Mulheres e fez com que ela recebesse o prêmio Ivone Herberts. Esse foi o caminho de abertura para que passasse 2017 em Nova York, desenvolvendo videoarte com a ONU e também expondo seus trabalhos em galerias e oferecendo workshops. Novas conexões com grupos de todo o mundo que lutam pelo direito das mulheres fez com que ela voltasse ao Brasil com uma rede fortalecida e lançasse, em fevereiro, a campanha “Don’t Photoshopme”. Uma ação para web que busca, de maneira ainda mais profunda do que criticar a manipulação de imagens femininas na mídia, repensar todo ciclo vicioso de infelicidade no qual as mulheres vivem por terem crescido em um mundo imperado por padrões racista, eurocêntrico, gordofóbico e misógino.

A campanha já movimentou norte-americanas, portuguesas, espanholas, libanesas, indianas além de brasileiras e outras nacionalidades, com a preocupação em ser o mais acessível possível. A ação convida mulheres, de qualquer lugar, a postarem fotos delas mesmas, ao natural, usando a hashtag #dontphotoshopme. Em cada post, escrevem a seu modo suas reflexões sobre a importância de se combater a imposição sobre os corpos das mulheres.

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“Como a manipulação dos corpos femininos interfere na relação com o nosso próprio corpo?” – Esse primeiro questionamento desencadeia em uma série de resultados problemáticos para a vida das mulheres. “A arte, o cinema, a fotografia e a TV são um espelho de como a gente se vê no mundo. Quando não nos enxergamos ali, não nos sentimos representadas, começa-se um sentimento de exclusão e isolamento. A partir daí, tentamos mudar nossos próprios corpos e fisionomia para nos encaixarmos em um padrão.”

Impotência, baixa autoestima e sentimento de fracasso são inerentes no gênero feminino e se alastram para outros aspectos, como profissionais e de relacionamento. “O que vendem é: Você não é perfeita porque você não quer. Não se esforça o bastante, não é disciplinada. Esse sentimento de impotência, frustração e falta de capacidade acaba invadindo aspectos profissionais, familiares e de relacionamentos abusivos, porque as mulheres acham que não merecem ou não são capazes de alcançar algo melhor. É um câncer que vai se espalhando em várias partes de nossas vidas.”

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Luta contra a gordofobia

Em passagem por Juiz de Fora, Maria Ribeiro conversou com a Tribuna (Foto: Marcelo Ribeiro)

O debate contra a gordofobia, dentro das lutas feministas, nunca antes havia sido uma das principais pautas. Existem blogueiras e canais no Youtube para discutir e desconstruir discursos naturalizados e completamente corrosivos para a vida das pessoas. “Quando a gente fala do pavor de engordar, a gente está falando para as pessoas gordas: ‘eu tenho pavor do que você é'”. E quando a própria indústria plus size se apropria e arruína a luta das mulheres gordas, reforçam-se os padrões. “Sempre que a gente quer abrir um caminho para a diversidade, a indústria e a mídia se apropriam de uma forma a piorar a situação. Um exemplo muito claro é a indústria plus size. Muitas modelos não são gordas. Além disso, são exibidos corpos de proporções precisas, sem dobras, e com muito uso de Photoshop. Elas aparecem sem rugas, estrias, celulites, cicatrizes e manchas. Então, de novo, é um corpo que não existe”, defende Maria.

O revolucionário de todo este movimento, que leva mulheres a serem fotografadas por outras mulheres e a produzirem conteúdo em conjunto, faz com que elas sejam vistas e expostas de maneira humanizada e com a subjetividade de cada uma. “Odiar o próprio corpo gera insegurança, depressão. A sensação de que nós nunca somos suficientes e estamos sempre devendo alguma coisa para alguém. Causa distúrbios psicológicos e alimentares. Faz com que a gente gaste uma quantidade imensa de tempo, recursos, dinheiro e energia na busca pelo corpo, cabelo e rosto perfeitos, ao invés de empregar todo esse potencial em coisas construtivas que nos trazem uma satisfação real: criações, pesquisas, estudos, descobertas, hobbies. As mulheres dedicam suas vidas inteiras a uma luta que elas jamais vão vencer, por mais que a gente faça, nunca vai estar bom, vai sempre faltar. E, além do mais, a gente vai envelhecer. E, dentro do padrão, a velhice feminina é completamente estigmatizada.”

A manipulação e a artificialidade imposta ao corpo da mulher cria uma dicotomia que perpassa por questões ainda mais profundas, como a sexualidade feminina. “A gente fica na fixação do corpo perfeito, mas não somos estimuladas a conhecer e interagir com o nosso próprio corpo. Desconectar a mulher da sua própria sexualidade é mais uma forma de opressão e dominação.” É preciso pertencermos a nós mesmas, para resgatarmos o que há mais valioso em sermos mulheres, múltiplas e subjetivas. Buscar seguir o que não somos apenas contribui para a perda de nossa autenticidade. “O objetivo de todo o meu trabalho é as mulheres se amarem, porque a partir daí a gente faz uma revolução”, concluiu precisamente Maria Ribeiro, em uma tarde de conversa em Juiz de Fora.

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